segunda-feira, 12 de outubro de 2009

HOMILIA

A HOMILIA É PARTE INTEGRANTE DA LITURGIA DA PALAVRA

Começo minha reflexão retomando o texto de Lucas 4, 16, quando na Sinagoga de Nazaré Jesus enrolou o livro e começou a explicar aquilo que havia lido. Remontando ao século II, em texto já amplamente conhecido, das apologias de São Justino, lemos:
“No dia chamado do sol, reunidos todos num mesmo lugar, fazemos a leitura dos profetas e da memória dos apóstolos tanto quanto o tempo permite depois o aquele que preside a comunidade explica aquilo que foi lido e exorta a assembléia a imitar estes bons exemplos”
Infelizmente, este modo de compreender a homilia rapidamente se perdeu. As razões que levaram a isso não fazem parte desta reflexão. Todavia parece que ao escopo deste evento será o bastante que saltemos para a Sacrosanctum Concílium à qual trata da homilia como exposição dos mistérios da fé a partir do texto sagrado. No número 35 desta constituição consta: “Seguida da proclamação outro ponto fundamental na liturgia é a homilia, que ainda hoje para muitos cristãos é o momento principal do encontro com o Povo de Deus. Neste gesto, o ministro deveria transformar-se também em profeta. De fato, com uma linguagem nítida, incisiva e substanciosa, e não apenas com autoridade, ele deve «anunciar as obras admiráveis de Deus na história da salvação”.
Nesta direção os bispos do Brasil no documento Animação da vida litúrgica no Brasil falam da homilia com as seguintes palavras: “Diferente do sermão ou de outras formas de pregação, a homilia é parte integrante da Liturgia da Palavra... É função da homilia atualizar a Palavra de Deus, fazendo a ligação da Palavra escutada com a vida e a celebração. É importante que se procure mostrar a realização da Palavra de Deus na própria celebração da ceia do Senhor. A homilia procura despertar as atitudes de ação de graças, de sacrifício, de conversão e de compromisso que encontram sua densidade sacramental na liturgia eucarística.
A insistência de todos os documentos pós conciliares afirmando que a homilia é parte integrante da liturgia da Palavra, não é sem razão posto que antes do Concílio ela aparecia quase que como um parênteses. Numa publicação da década de 1930, de autoria do Jesuita Pe. João Baptista Reus com o título “Curso de Liturgia,” encontramos um único parágrafo sobre o sermão e descrito realmente como um rito totalmente a parte do conjunto da celebração. “Nas rubricas do ano 1960 se disse que não se devia “sobrepor à celebração da missa, impedindo, assim, a participação dos fieis...”, mas devia-se “suspender a celebração da missa e não recomeçá-la até terminada a homilia”. De tal modo estava evidente que a homilia era uma peça à parte da liturgia que começava e terminava com o sinal da cruz ou com a aclamação Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo. O sermão, na língua do povo, era uma interrupção no meio da missa em latim.
A atual instrução geral do missal romano no número 55 coloca a homilia como conclusão da liturgia da palavra e afirma que nela é explicada as leituras, o que se repete depois no número 65 e pede que a homilia seja indispensável para nutrir a vida cristã e que seja a explicação de algum aspecto particular das leituras da Sagrada Escritura. Observe-se a sintonia desta orientação com a carta de São Justino.
Na Introdução do Lecionário, os números 24 a 27 tratam da homilia com o mesmo conceito do Concílio e literalmente apresentam-na com a finalidade que a Palavra de Deus anunciada seja uma proclamação das mirabilia Dei na história da salvação. O parágrafo se conclui com a afirmação: “Cristo está sempre operante na pregação da sua Igreja”. A função da homilia é levar a assembléia para uma ativa participação na Eucaristia, a fim de que vivam sempre de acordo com a fé que professaram. De novo recordo São Justino: Exorta a imitar esses bons exemplos.
Que a homilia seja realmente fruto da meditação, devidamente preparada (isto é importante) e nem muito longa nem muito curta, leve em conta os presentes escreveu o Papa João Paulo II no documento Catechesi Tradendae. Sobre a duração da Homilia evoco um monge do deserto, o qual falava da qualidade da homilia mais ou menos assim: “tenha um bom começo, um bom meio e um bom fim, tanto quanto possível o começo e o fim estejam muito próximos”.
Parece claro nos livros litúrgicos que a homilia indica três direções: A Palavra, a vida Sacramental e a vida da comunidade. Antes e acima de tudo a homilia quer servir a Palavra, isto significa dizer que seu primeiro conteúdo, como já foi dito, é a proclamação das maravilhas de Deus. Para que isto seja possível se exige do homiliasta que conheça o “elenco das leituras... compreenda muito bem a relação entre os diversos textos da liturgia da palavra... faça entender convenientemente o mistério de Cristo e sua obra. Os pregadores devem antes de tudo ser arautos da totalidade do mistério de Cristo”. Ela tem uma função mistagógica no sentido que conduz, ou pelo menos deve conduzir para a celebração sacramental.
A homilia tenta aplicar à vida a mensagem da palavra proclamada por isso é importante que os pastores dêem uma resposta apropriada às circunstâncias da vida e que seja tirada da Palavra de Deus. No número 41 do Elenco das leituras da missa nós encontramos um bom resumo das grandes direções da homilia: “compreensão saborosa da Sagrada Escritura, preparação para uma comunhão fecunda, e convite a praticar as exigências da vida cristã”.
É necessário acrescentar a esta fala as palavras do Papa Bento XVI na exortação Sacramentum Caritatis: “Pensando na importância da Palavra de Deus, surge a necessidade de melhorar a qualidade da homilia. E continua: Evitem-se homilias genéricas ou abstratas; de modo particular peço aos ministros para fazerem com que a homilia coloque a Palavra de Deus em estreita relação com a celebração sacramental e com a vida da comunidade”.
A homilia não é aula, não é uma conferência, um sermão temático, um discurso, um panegírico[1], um sermão fúnebre. Significa uma conversa familiar! É um serviço que o ministro presta para que os fiéis compreendam a Palavra.
De novo voltamos ao século II em cuja estrutura da ceia aparece a função do presidente como responsável para alertar a comunidade à vivência da palavra proclamada. É certamente o jeito mais genuíno de exprimir o hoje da palavra de Deus. Suas duas características fundamentais estão no fato de ser extraída dos elementos da celebração e consiste numa conversa familiar compreendida pelo povo.
Na síntese do Sínodo dos Bispos a homilia ganha espaço substancial e parte da citação que já mencionei o número 35 da SC: “Seguida da proclamação outro ponto fundamental na liturgia é a homilia, que ainda hoje para muitos cristãos é o momento principal do encontro com o Povo de Deus. Neste gesto, o ministro deveria transformar-se também em profeta. De fato, com uma linguagem nítida, incisiva e substanciosa, e não apenas com autoridade, ele deve «anunciar as obras admiráveis de Deus na história da salvação” (SC 35) – oferecidas primeiro através de uma clarividente e viva leitura do texto bíblico proposto pela liturgia – mas deve também atualizá-las nos tempos e nos momentos vividos pelos ouvintes, e fazer desabrochar no seu coração a exigência da conversão e do compromisso vital: “O que temos que fazer?” (At 2, 37).
Na pregação cumpre-se, deste modo, um dúplice movimento. Com o primeiro, remonta-se à raiz dos textos sagrados, dos acontecimentos e dos ditos geradores da história da salvação, para compreender no seu significado e na sua mensagem. Com o segundo movimento, volta-se a descer até ao presente, ao hoje vivido por aqueles que ouvem e leem sempre à luz de Cristo que é o fio luminoso destinado a unir as Sagradas Escrituras. Foi precisamente isto que o próprio Jesus fez no itinerário de Jerusalém para Emaús em companhia de dois dos seus discípulos. E também o fará o diácono Filipe, no caminho de Jerusalém para Gaza quando, com o funcionário etíope, empreenderá um diálogo emblemático: “Entendes o que estás a ler? (...) E como poderia eu compreender, sem alguém que me oriente?” (At 8, 30-31). E a meta será o encontro completo com Jesus Cristo no sacramento. Assim, apresenta-se a segunda coluna que sustenta a Igreja, casa da palavra divina.
Se estas duas condições forem realmente convincentes as assembléias cristãs poderão repetir como os discípulos de Emaús – não estava nosso coração ardendo quando nos explicava as escrituras. Nossas assembléias serão locais da partilha onde pelo gesto litúrgico do partir do pão os participantes, de modo muito vivo, reconhecerão o Cristo ressuscitado e por este reconhecimento sentir-se hão habilitados para anunciá-lo como verdadeiros discípulos missionários.
Na proposição de número 15 os padres sinodais pedem a elaboração de um diretório para homilias. Um diretório não é a mesma coisa que as sugestões homiléticas disponíveis por muitos meios. No Brasil, a comissão de liturgia da CNBB elabora um Roteiro homilético. Ele apresenta quatro momentos muito distintos: Situando a assembléia, recordando a Palavra, atualizando a Palavra e ligando com a Eucaristia.
Está mais do que claro a redescoberta que o Vaticano II fez da Palavra. E no contexto da liturgia da Palavra onde se insere também a homilia. Daí convém que o servo da homilia medite sobre este dom que lhe é confiado, e sobre esta força que a Igreja põe em suas mãos. A eficácia da Homilia reside também em tornar Cristo presente. De algum modo se pode falar do caráter sacramental da Palavra, definição que já Santo Agostinho havia dado chamando-a de Sacramentum audibile.
No documento Presbiterorum Ordinis(04) lemos que “O povo se reúne antes de mais nada, por causa da Palavra de Deus, palavra que, com todo o direito, se há de esperar dos lábios dos sacerdotes. E o decreto Ad gentes (06) acrescenta que o fim de toda atividade missionária é a evangelização... de modo que da semente da palavra de Deus cresça, as Igrejas.
Desejo concluir com duas citações. Primeiro do Santo Padre João Paulo II “O Sacerdote deve ser o primeiro ‘crente’ da Palavra, com a plena consciência de que as palavras do seu ministério não são suas, mas d’aquele que o enviou. Desta Palavra ele não é dono, mas servo. Desta Palavra ele não é o único possuidor: é devedor relativamente ao Povo de Deus” (Pastores Dabo Vobis, 26).
E Paulo VI na Evangeli Nuciandi: “O mundo moderno escuta com melhor boa vontade os testemunhas do que os mestres e se escuta a estes é porque também são testemunhas”.


Pe. Elcio Alberton
padreelcioalbeton@hotmail.com
Rua Constantino José de Almeida, 329
81830-080 – Curitiba - PR

[1] A expressão é do campo semântico da igreja cristã e católica designando a trata da liturgia onde se mencionava, fazia alusão elogiosa aos santos e a todos com atitudes semelhantes às virtudes dos santos. Atualmente usa-se como um elogio geral em geral extenso e com muitas passagens e menções. De certa forma tem um sentido pejorativo, desvalorizando uma forma de elogiar que poderia ser mais direta e substantiva, sem tantos rodeios e adornos desnecessários, quando não exagerados e infundados. Assemelha-se a elogio ineficaz, em certo sentido pode até ser associado a "puxa-saquismo".

2 comentários:

  1. Que saudades sinto de ouvir sua homilia!
    Que tal um dia celebrar conosco...
    Forte abraço...Anita
    Itapema s/c

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  2. que saudades sinto de ouvir sua homilia!
    Que tal um dia celebrar conosco...forte abraço
    Anita...Itapema s/c.

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