sexta-feira, 1 de outubro de 2010

METODOLOGIA DO ENSINO SUPERIOR


PROFISSÃO: PROFESSOR!

Na complexidade das transformações por que passa a sociedade contemporânea uma das questões delicadas que se encontra é a questão das identidades. Não poderia ser diferente no que se refere à questão da docência e da profissão docente. Na arte de ensinar e aprender cada vez mais estão imersos profissionais de distintas áreas de saberes e realizações pessoais, todavia, a identificação com a condição docente é uma constante em todos aqueles que a ela se dedicam mesmo que apenas  algumas horas semanais.
Mas afinal de contas, quando e como se faz um professor? Diversos estudiosos procuram responder a esta intrigante pergunta, não sem antes estar convencidos que o professor se faz no cotidiano  da docência.
Deste modo parece bom reconhecer que:
(...) o professor universitário aprende a sê-lo mediante um processo de socialização em parte intuitiva, autodidata ou (...) seguindo a rotina dos outros. Isso se explica sem dúvida devido a inexistência de uma formação específica como professor universitário. Nesse processo, joga um papel mais ou menos importante sua própria experiência como aluno, o modelo de ensino que predomina no sistema universitário e as relações de seus alunos, embora não há que se descartar a capacidade autodidata do professorado. Mas ela é insuficiente. (Benedito 1995,p.131).

Cada vez está patenteado que o professor tem uma tarefa imprescindível no processo de aprendizado o que significa admitir que enquanto o aluno não aprendeu o professor não ensinou. Uma das condições sine qua non, pode haver aprendizado com qualidade consiste em rever e refazer solidariamente o planejamento superando a prática de receber planos prontos para serem executados.
Quando se fala de docência no ensino superior é necessário ter presente que o processo de aprendizagem traz no seu bojo a resposta a uma das mais intrigantes perguntas que o ser humano se faz: POR QUÊ?  E neste caso porque ensinar, ou porque aprender. Neste sentido é possível se dizer que o processo ultrapassa de longe a sala de aula e o faz na medida em que esta pergunta vai sendo respondida e discutida em quase todas as instâncias das relações sociais.
Certo está que o docente traz no seu fazer de professor uma preocupação com a didática sobre tudo levando em consideração a expansão quantitativa da educação superior que estabelece uma séria concorrência na oferta de ensino. Também sob esta ótica começa a aparecer aquele que é reconhecido como professor globalizado.
O professor que quer se adequar aos novos tempos necessita estar em dia com a tecnologia sem temer ou de fato correr o risco de ser substituído por ela. Esta ameaça, se é que se pode chamar assim estará tanto mais distanciada quanto mais encontrar o professor num constante processo de requalificação para o trabalho.
Neste sentido é preciso reler com olhar não estanque a prerrogativa proposta pela LDBEN 9394 de 1996, à qual prevê que:
A preparação para o exercício do magistério superior far-se-a em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado.
Parágrafo único: O notório saber reconhecido por universidade com curso de doutorado em área afim, poderá suprir a exigência de título acadêmico (art. 66).

Esta exigência certamente não é mais do que aquilo que se pode chamar de Formação inicial e por conta desta exigência a disciplina de “formação para o ensino superior” foi inclusa nos projetos dos cursos de pós-graduação, claro que ainda longe de ser suficiente para a demanda à qual se destina.
Os cursos de licenciatura  foram instituídos no Brasil em 1934, com a obrigação reconhecida do estado de oferecer educação para todos em todos os lugares. Em virtude desta necessidade criada pela sociedade o poder instituído se sentiu na obrigatoriedade de oferecer condições adequadas para que o processo fosse realizado. Neste contexto se recupera o conceito de didática aplicado ao mundo grego, segundo o qual a arte da ensinar e aprender se dava numa relação estreita entre professor – aluno, ou o mais velho com o mais jovem.
O método pedagógico dos Jesuítas, também conhecido como “Ratio Studiorum” já aplicou esta técnica no final do século XVII, entretanto estava longe de alcançar a massa sobrante que se constituía na sociedade de outrora por conta do final do Feudalismo e inicio da industrialização. Foi Comênio com sua Didática Magna, quem faz uma das afirmações mais contundentes sobre a necessidade de ampliar o conceito de ensinar.

Processo seguro e excelente de instruir, em todas as comunidades de qualquer reino cristão, cidades, aldeias, escolas tais que toda a juventude de um e de outro sexo sem excetuar ninguém em parte alguma, possa ser formada nos estudos, educada nos bons costumes, impregnada de piedade, e, desta maneira, possa ser nos anos da puberdade, instruída em tudo o que diz respeito à vida presente e à futura, com economia de tempo e de fadiga, com agrado e com solidez. (Comênio, 1985, p. 43).

O método de Comenio propõe uma formação progressiva e ordenada na qual também seja dada atenção aos conteúdos. Sob esta ótica a didática deixa de ser ‘teológica’ isso é submissa à teologia e à igreja, para ser sociológica. Aqui aparece pela primeira vez a relação professor aluno, centrando a preocupação no último, condição que virá a ser reforçada com o movimento da escola nova.
As posições de Comênio constituem o que se pode chamar de primeira revolução pedagógica. No século XVIII temos uma segunda revolução, desta vez patrocinada pela doutrina de Rosseau com o seu novo conceito de infância e a importância que se deve dar ao método, que segundo ele deveria facilitar que a educação fosse um exercício “sem pressa e sem livros” (Castro 1990, p.19).
No século XIX temos a figura de Herbart com a sua pedagogia científica, a qual estabelece passos formais de aprendizagem – o que se pode qualificar de método – o qual tem sua sustentação na preparação da aula. Daí se chegou à escola nova no inicio do século XX, movimento, como já se disse, em que o aluno é o centro e o objetivo da educação é que o aluno aprenda. A pouca clareza do processo que  a escola nova quis estabelecer, somada às resistências do tempo e das outras instituições envolvidas no processo levou a descambar para a culpabilização do educando pelo fracasso escolar.
Esta realidade se deve á compreensão que a escola estava disponível, o professor disponível, o papel foi cumprido se alguém não alcançou o objetivo o problema está naquele que se fez deficitário. A falta de condições dos professores e da escola  não foi uma questão a ser discutida. O papel da docência foi reduzido ao serviço da transmissão de saberes e o professor acabou sendo lido como um indivíduo que nasceu pronto a quem no máximo foi dado depois uma série de informações conteúdisticas.
Ontem como hoje o risco que se corre ao se tratar da formação de docentes é cair na prevalência dos métodos e das técnicas em lugar da compreensão alargada do que seja pedagogia. Esta prática é muito próxima e aparece com sutileza desleal nos cursos técnicos e tecnólogos quanto com facilidade se reduzem à preparação para o mercado de trabalho.
A saída, ou pelo menos a alternativa parece não ser adquirir técnicas para ensinar bem, será importante quebrar os paradigmas ou superar os mitos que a docência em ensino superior se reduza a:
a)    Uma disciplina na grade curricular;
b)    Uma pedagogia restrita à crianças e adolescentes;
c)    Docência restrita ao espaço escolar;
d)   Didática como um corpo curricular de disciplinas.
É certo, como já se afirmou acima que estamos vivendo um complexidade metamorfósica que põe em dúvida todas as verdades absolutas, porque não seria também em relação à didática?
Posto isso é importante considerar que a docência no ensino superior deva levar em conta que o ensino se modifica na relação e por isso mesmo tem uma estreita dependência do contexto em que está inserido e por isso não poder ser regrado no sentido de permanecer engessado. (História do homem que viajou...).
Quando se fala em didática, ou metodologia do ensino superior será necessário compreender que se trata de todo o funcionamento do processo e não pode ser reduzido a meras técnicas de ensinagem. O ensino é um processo complexo imerso na complexidade.
Pois bem se a escola é um ser social e inserido no mundo maior das relações não se pode pensar a docência fora ou desligada da prática social, isto implica reconhecer que o ensinar e  aprender tem sempre uma perspectiva pública.
Pelo menos nove indicativos são necessários na arte da docência quando se pensa a didática e a pedagogia para além dela mesma:
1)                 A didática vista sob o ângulo epistemológico – abertas às distintas abordagens (crítica, histórica, sociológica, psicológica, e das práticas educativas).Esta visão facilitará aos professores a busca de respostas a questionamentos sobre distintas áreas que antes se quer eram considerados.
2)                 Didática como docência e pesquisa – o professor se faz fazendo, assim pensava Comênio, porém o que não é adequado seria reduzir o “fazendo” a simples atividade do “agir” do professor sem considerar a pesquisa como uma das partes do trabalho do professor.
3)                 Espaço para outras teorias – no ensinar – aprender será sempre uma relação muito estreita e de contribuição com as  diversas ciências.
4)                 Didática é mais do que metodologias de ensino, é relação comunicacional que conduz para a produção do conhecimento o qual se da sob a ótica emancipatória.
5)                  Supõe que os resultados de ensino se deem no contexto das políticas educacionais com amplo conhecimento da educação em todas as suas relações.
6)                 A avaliação antes de ser excludente será inclusiva, na medida em que se realiza mediante novas propostas de avaliação.
7)                 O professor se faz fazendo-se num constante processo de acrisolamento face às exigências da formação continuada que o transformam num professor reflexivo.
8)                 Entre ensinar e aprender se estabelece uma relação que é muito maior do que o conhecimento dos conteúdos, mas que consiste em aprender a aprender.
9)                 Inclusão de novas formas de produção do saber que vão sendo mensuradas na relação com outras áreas do conhecimento.
Estes indicativos são o que se pode chamar de multirreferencialidade na medida em que alargam a prática e a teoria estabelecendo entre ambas uma relação de complementariedade.

Daí que será importante estabelecer uma análise da escola e da cultura escolar que se apresenta, como já se disse, “presentista, conformista, conservadora de hábitos, de ideias e de valores legitimados pela cultura dominante” (Perez-Gomez, 1995, p340).
Tanto quanto a escola for capaz de superar este paradigma ela será também capaz superar a visão estreita do conceito dado á didática como normas e regras de ensinagem e transmissão de informações. “O alargamento intencional da compreensão do processo de se construir continuamente como professor, do processo coletivo e do aluno como parceiro é elemento essencial à reflexão  dos docentes”(Pimenta 2002, p 58).
Feitas estas considerações é possível compreender com melhor clareza que o papel da didática na docência é muito mais do que normatizar o fazer do professor indo na direção da disponibilização de conhecimentos pedagógicos. Esta realidade terá em alta estima a relação professor aluno, como já se disse na condição de parceiros.
Um dos desafios sobre o qual está clara a nossa exposição consiste ‘desconfundir’ o reduzido conceito de que didática se limita a técnicas de transmissão de conhecimento.
A arte da docência no ensino superior terá em alta estima e com bastante clareza a compreensão de didática como umas das disciplinas que se ocupa da educação desde o seu ponto de vista das relações e dos contextos em que ela está inserida.
Quanto mais clara for a compreensão de que ser professor no ensino superior é uma condição de identidade e não de detenção dos saberes mais será possível compreender que
A educação está presente em casa, na rua, na igreja, nas mídias em geral e todos nos envolvemos com ela, seja para aprender, para ensinar e para aprender a ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para coviver todos os dias misturamos a vida com a educação. Com uma ou com várias, não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é único lugar em que ela acontece; o ensino escolar não é a única prática, e o professor profissional não é o seu único praticante.

Deste modo é claro que as ações pedagógicas estão no cotidiano e superam os limites tecnicistas ou meramente tecnológicos. A pedagogia diz respeito muito mais do que as aspectos metodológicos Ela é um campo de conhecimentos sobre a problemática educativa na sua totalidade e historicidade e, ao mesmo tempo, uma diretriz orientadora da ação educativa. O Pedagógico refere-se a finalidade da ação educativa, implicando objetivos sociopolíticos a partir dos quais se estabelecem formas organizativas e metodológicas da ação educativa.

Neste sentido a pedagogia pode ser entendida como ciência que se faz sobre a atividade transformadora renovando-se na teoria e na prática. Assim a finalidade da didática consiste em transformar a educação em conteúdo formativo o que possibilita tornar agradável o ato de ensinar. Quando isso acontece o aluno passa a ser o sujeito do processo fazendo parte deste modo crítico de desenvolver a prática educativa.

Desde o alargamento dos conceitos supracitados é possível conceber e experimentar algumas tendências no processo das metodologias do ensino superior:
1)                 Substituição dos conteúdos técnicos por fundamentos históricos e sociológicos;
2)                 Programa de análise das diferentes concepções ideológicas;
3)                 Abordagem cultural, reflexão sobre temas e problemas;
4)                 As novas maneiras de ensinar estão ligadas ás novas maneiras de aprender;
5)                 Sala de aula é apenas um objeto a mais no processo que é muito mais amplo.

Por causa desta compreensão também fica compreensível a posição de Pimenta 2002:
Em nosso entendimento, nos processos de formação de professores, é preciso considerar a importância dos saberes das áreas de conhecimento (ninguém ensina o que não sabe), dos saberes pedagógicos (pois o ensino é uma prática educativa que tem diferentes e diversas direções de sentido na formação do humano), dos saberes didáticos (que tratam da articulação da teoria da educação e da teoria de ensino para ensinar nas situações contextualizadas), dos saberes da experiência do sujeito professor (que dizem do modo como nos apropriamos do ser professor em nossa vida). (p 71).

Cada vez fica mais claro o conceito que a docência no ensino superior consiste num dueto inseparável entre ser e fazer que aos poucos colabore na  construção da identidade na significação social da profissão. Entre os instrumentos importantes, naturalmente, está a escola que pode ser compreendida como medianeira deste relacionamento entre aprendizagem, ensinagem, conhecimento.
Cada professor traz dentro de si o que se pode chamar de professores marcantes e na medida em que cresce a sua condição docente passa do professor que vê (viu)para o professor que é ou que quer ser e será. Para isso não basta obviamente a experiência, mas esta é um elemento importante.
O professor que cada um quer ser e será requer igualmente a 

Preparação científica técnica e social. De modo que a finalidade da educação escolar na sociedade tecnológica, multimídia e globalizada, é possibilitar que os alunos trabalhem os conhecimentos científicos e tecnológicos desenvolvendo habilidades para operá-los, revê-los e reconstruí-los com sabedoria. (PIMENTA 2002, p 81).

A arte de educar consiste então cada vez mais na capacidade de integrar os conhecimentos ao contexto e construir saberes a partir das necessidades por isso é importante conhecer a pedagogia como instrumento para realizar as análises que contribuirão para a reconstrução cotidiana da identidade docente.
O docência no ensino superior, na medida em que se estabelece como processo de ser e fazer permite ao docente ser muito mais do que executor de decisões alheias sendo também este  um dos saberes do ser professor:

(...) apresentadores do mundo, agentes da transformação pessoal, responsáveis por encaminhamentos significativos, por revelações, por descobertas decisivas, por ser paradigmas, por momentos importantes. Suas significâncias éticas, suas exigências e expectativas, sua compreensão do real interesse de cada aluno depoente permeiam todos os parágrafos. (Castanho 2001, p.155).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, Coleção Primeiros Passos, 28o ed., 1993.
CASTANHO, Sergio e CASTANHO, Maria Eugênia. Temas e textos em metodologia do ensino superior, Campinas, Papirus, 2001.
CASTRO, Amélia A. A trajetória histórica da didática. Idéias, São Paulo: Fundação para o desenvolvimento da educação, n° 11, p17-27,1991.
COMENIO, João Amós. Didática Magna: tratado da arte de ensinar tudo a todos. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1985.
PIMENTA, Selma Garrido e ANASTASIOU, Léa das Graças Camargo. Docência no ensino superior, São  Paulo, Cortez, 2002.

Um comentário:

  1. João Paulo Januáriosábado, novembro 20, 2010

    Vemos aqui uma série de desafios que esperam o exercício da docência no ensino superior. De um lado tínhamos um individuo que se capacitava para se tornar um professor, ou seja, um profissional ou especialista do ensino, porém a advento das novas tecnologias da informação e comunicação permitem que vários conhecimentos sejam compartilhados por uma mesma pessoa independente de sua área de formação. Um professor de Estatística dando aula curso superior de Psicologia, por exemplo, dentre outros casos comuns na academia. Mas não podemos esquecer que a internet aperfeiçoou o ensino a distância antes exclusivos de empresas que produziam manuais técnicos e os encaminhavam pelos correios e os programas educativos na TV capacitando indivíduos em busca de uma formação. Vemos que o mercado tem criado a necessidade de formarmos profissionais polivalentes, ou seja, que vão além das áreas que se especializaram. Nesse furacão de disseminação de conhecimento não é exagero dizer que o professor passa por uma crise de identidade, ora ensina, ora está sendo ensinado por seus alunos.

    Disciplina: Metodologia do Ensino Superior
    Aluno: João Paulo de Aguiar Januário
    Pós Graduação em Gestão Pública
    Faculdade CETEP

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