sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

HOMILIA PARA O DIA 30 DE JANEIRO DE 2011


4° DOMINGO DO TEMPO COMUM
Leituras: Sofonias 2,3.3,12-13; Salmo 145;
1Corintios 1,26-31; Mateus 5,1-12.


Em diversas circunstâncias da vida somos obrigados a rever nossa posição, nossas decisões, retomar o rumo da vida, a perspectiva dos negócios e das atividades muitas vezes precisa ser revisada. Esse processo consiste precisamente no que a espiritualidade chama de “Exame de consciência”. Em outras palavras ver onde e o que erramos a fim de corrigir as ações futuras. Sem sombra de dúvida essa prática é muito salutar e tem nos livrado de muitos aborrecimentos e nos renovado na esperança, fazendo renascera confiança.
Os textos bíblicos que acabamos de ouvir tratam exatamente desta realidade. Antes o profeta chama a atenção daqueles que se julgam superiores e melhores, que se colocam na posição de quem não tem necessidade de rever sua vida e suas ações. Ele faz uma correção aos ricos como estando nessa situação e ameaça-os com o castigo de Deus. Já aos pobres ele afirma que Deus vai ajudá-los a recuperar sua condição sofredora e lhes facilitará a esperança e um tempo novo.
Já São Paulo escrevendo aos Coríntios pede uma atitude: nada de se gloriar, como se alguém fosse mais importante, mais necessário  melhor que os demais. Se alguém se acha numa condição privilegiada tenha em conta que  é Deus quem permite e facilita que isso aconteça.
Não sem razão somos convidados a rezar no Salmo: O Senhor é fiel, faz justiça aos que são oprimidos, alimenta os famintos e liberta os cativos.
Esta oração do Salmo é antecipação da promessa que Jesus  faz no evangelho. Com a palavra Bem-aventurados, Jesus deseja felicidade àqueles que têm um determinado estilo de vida.
As Bem-aventuranças do evangelho aparecem como se fosse um novo código de leis, no qual não aparecem proibições e permissões, mas convite a determinadas práticas e ações cotidianas. A prática desses conselhos levará as pessoas a se tornarem diferentes e muito melhores. O elogio de Jesus é direcionado às pessoas que praticam ações que tornem melhor a vida de todos e as aproximem do Reinado de Deus.
Diante de tantas dificuldades Jesus continua nos convidando: Não desanimes você não é uma pessoa sem valor. Você é feliz porque o este seu jeito de ser lhe aproximará do Reinado de Deus e consequentemente facilitará para que o mundo seja melhor.
Também hoje para viver de acordo com os conselhos evangélicos e a recomendação da Palavra de Deus que acabamos de ouvir não serão necessárias grandes transformações no dia a dia de nossa vida. Será necessário sim fazer a atividade de cada dia de acordo com a consciência que se tem de tudo é correto, justo e bom.
Com toda a certeza, a Palavra de Deus, a Eucaristia e a Igreja que se reúne em oração nos ajudam refazer nosso diário exame de consciência e correção de nossos erros e limitações.

domingo, 23 de janeiro de 2011

ESPÍRITUALIDADE DO EDUCADOR NO CONTEXTO DA METAMORFOSE CIVILIZATÓRIA[1]

APRESENTAÇÃO DO TEMA



A preocupação relatada no texto em referência não é única nem exclusiva, pelo contrário, se repete diversas vezes na história do Povo de Israel reaparecendo, nas mesmas proporções que se pode compreender a metamorfose civilizatória contemporânea. No último livro da Bíblia se lê: Vi, então, um novocéu e uma nova terra. O primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar não existe. Sim! As coisasantigas desapareceram!” ( Ap. 21, 1.4c).
O educador mistagogo, ou seja, que cultiva espiritualidade é aquele que faz ver Deus nas entrelinhas do cotidiano.  Ver Deus nas entrelinhas do cotidiano é o que se pode fazer lendo a obra “Ensaio sobre a cegueira” de Saramago, ateu ferrenho.
Sob esta ótica quero dirigir minha fala com o intuito de suscitar questionamentos pertinentes aos conteúdos mistagógicos do cotidiano docente os quais poderiam ser indicativos indispensáveis no sentido de superar a mera transmissão de conhecimentos e capacitação para o trabalho, mas que tenha o SER do professor visto primeiramente como pessoa e cidadão integrado e integrador.

JUSTIFICATIVAS
            As profundas mudanças ilustradas pela citação bíblica na abertura da nossa fala são sentidas por todos os segmentos da sociedade: “Redes de transporte, matrizes energéticas, governança pública e privada e, objeto de nosso interesse científico nesse projeto de pesquisa, de modelos e sistemas educacionais, destacando-se aí a formação de professores[2]”. A este fenômeno denominamos metamorfose por conta da sua abrangência antropológica a qual implica reconhecer que vivemos um processo de transição paradigmática.
Este é um daqueles momentos cruciais da história. Desta vez, trata-se de uma metamorfose da civilização. Ironicamente, quando a filosofia, a ciência e a religião convergem para a possibilidade do diálogo antes impossível, abre-se diante da humanidade o véu do apocalipse... Não há mais tempo de ser pessimista! O desafio consiste em entrar nesse mundo.
Deparamos-nos com um planeta fraturado, em sérias dificuldades, cujos problemas merecem muita atenção. Necessitamos de uma visão integral que nos eduque, uma narrativa que nos cure, oriente e discipline.
Como educadores, abre-se a perspectiva de tomar consciência dos complexos fatores psíquicos operantes, enquanto negociamos conosco mesmos ao longo desse período de transformação histórica.
O século XXI trouxe uma mudança dramática, que aponta para a transnacionalidade. Aceitando ou não, compreendendo ou deixando de compreender a educação por seu “currículo subliminar” acaba por atuar como formadora da para a  globalização em lugar de instituição formadora da solidariedade.
Neste sentido o educador tem uma responsabilidade indescritível que consiste em desenvolver uma consciência capaz de apesar da lógica da globalização destrutiva combiná-la com qualificações críticas para resistir a esta forma de despersonalização dos sujeitos.
No contexto das  instituições também as escolas e os educadores acabam sendo quase que domesticados para preparar a próxima geração para as necessidades do mercado global. Essas contradições deixam os educadores contemporâneos confusos em relação a sua fidelidade e a seu trabalho. É aqui que a espiritualidade do educador se aplica ao ensino transformador e torna-se relevante para a situação.
Erroneamente entendemos o contexto em que estamos metidos como lugar e tempo de crise para o que parece não se ver uma luz no fim do túnel.

Continuamos fazer as mesmas perguntas fantasmas que, como se sabe, ninguém responderá... Em que sonhos estamos mantidos, entretidos com crises, ao fim das quais sairíamos do pesadelo? Quando tomaremos consciência que não há crise, nem crises, mas mutação? Não mutação de uma sociedade, mas mutação brutal de uma civilização? Participamos de uma nova era, sem conseguir observá-la. Sem admitir e nem sequer perceber que a era anterior desapareceu (FORRESTER, 1997 p. 7 – 8).

Todavia parece necessário compreender: “Tragédia não é o nosso negócio!” O cultivo de uma espiritualidade integrada e integradora facilitará ao educador contemporâneo desenvolver o que se chama “sagacidade” que em outro contexto foi dito por Jesus Cristo “Sejam simples como as pombas e espertos como as serpentes”(Mateus 10,16). Neste sentido “Sagacidade” é o que se pode chamar de sabedoria prática.
A espiritualidade do nosso tempo nos leva a uma viagem sagrada. Sem a percepção da natureza sagrada desta viagem, nem o educador, nem a sociedade conseguirá realizar a transformação mais profunda que se faz necessária.
É imperativo avaliar as dimensões reais do que significa ser membro de uma comunidade sagrada no sentido mais amplo do termo. Neste sentido o professor “mistagogo” será capaz de olhar o mundo com outros olhos apesar do desencantamento que o mundo natural parece mostrar nas suas dimensões físicas.
O educador “mistagogo”  será capaz de entrar na grande alma do mundo que consiste  no que se chama “autopoiesis”  isto é, capacidade de se renovar continuamente e de regular esse processo de forma que mantenha a integridade.
Integridade  é o que dá identidade e formação interior, espontaneidade interna, proximidade com o mistério supremo. Uma percptível dificuldade atual consiste em conceber o universo somente em suas dimensões físicas. Perdeu-se a consciência de que o universo, desde os primórdios, é uma realidade psíquico-espiritual.
Manifestar  a comunhão com o mistério parece ser o compromisso educacional mais importante de nosso tempo. É ter presente que o universo de hoje, a bola de fogo que deu origem a tudo, e que agora experimentamos na sua forma desenvolvida não pode ofuscar a verdade de que o princípio do universo não teve apenas uma forma física, mas que lá também teve origem a forma espiritual.
É neste sentido que se aplica a “espiritualidade do educador”  diante da crise metamorfósica pela qual passa a civilização contemporânea.
Neste sentido a espiritualidade do professor visa muito mais do que a renovação de conteúdos. Muito além do que  professores tecnicamente preparados a espiritualidade leva em conta a dimensão da “totalidade humana e deste modo contribui para o desenvolvimento de todas as suas potencialidades: profissionais, biofisiológicas, intelectuais, emocionais, espirituais e sociais”.
A Bio mudança rápida, intensa e profunda pela qual passa a civilização contemporânea provoca todos os segmentos a apontar alternativas aos desafios em questão.
Diante desta complexa transformação da sociedade que afeta todos os setores e aponta para uma nova forma de relações que se pode qualificar de metamorfose civilizatória não pode haver lugar para o medo, nem tampouco a indiferença, pelo contrário,
Frente a essa forma de globalização, sentimos forte chamado para promover uma globalização diferente, que esteja marcada pela solidariedade, pela justiça e pelo respeito aos direitos humanos (Documento de Aparecida 64).

 Diante de transformações paradigmáticas, cuja produção e gestão de conhecimentos dão origem a novas oportunidades, novos e muitos problemas, parece claro que a formação docente está exigindo uma nova trajetória à qual segundo definição da UNESCO “implica a aquisição de conhecimentos, atitudes, habilidades e condutas intimamente associados ao campo profissional” (apud IBERNÓN, 1994, p.13).
Esta realidade faz parte da preocupação de pensadores e educadores os quais indicam ser necessário e importante valorizar mais que os conteúdos e a produção a própria pessoa do educador:
A produção não material coincide com a produção espiritual, não é outra coisa senão a forma pela qual o homem aprende o mundo, expressando a visão daí decorrente de distintas maneiras. Eis por que se pode falar de diferentes tipos de saber ou de conhecimento (SAVIANI, 2003, p.7).

Uma coerente mistagogia docente desenhará muito mais do que transmissão de conhecimentos intelectuais e preparação para o trabalho, mas despertará no educando/professor a solidariedade, a fraternidade e o senso de justiça:

O primeiro problema e a primeira solução da educação são os professores. Problema, porque a educação foi subtraída aos agentes pessoais e às instituições educativas, para ficar nas mãos de poderes anônimos, de uma sociedade na qual a economia e a política regem como fatores soberanos diante daquelas outras ordens, que são igualmente essenciais para orientar e conformar a vida humana: a cultura, a ética, a religião. Mas os professores são também a primeira solução: a lucidez intelectual e a coragem moral, a razão teórica e o empenho profissional, o exercício crítico e a proposta cultural de cada um em seu posto de trabalho diário e de todos como consciência social e moral são a condição necessária para superar uma invasão ideológica e subtrair-nos a uma decadência do pessoal que está ameaçando a vida humana (BUITRAGO, 2008, p.9).

A Espiritualidade do educador terá em conta a contribuição que as ciências da religião oferecem para o processo de formação, posto que:

O valor da religião está apoiado em dois pilares: o primeiro é da questão da discussão filosófica que levanta e que deve nortear o desenvolvimento evolutivo do nosso pensamento. O segundo é a beleza dos exemplos que oferece. Todas as coisas boas da vida, em geral, nascem do bom exemplo. As religiões cumprem o papel de preservar, pela tradição oral ou mesmo pelos documentos que divulga histórias de pessoas e de personagens que seguiram preceitos éticos e valores que contribuem para estimular o respeito de uma pessoa para com a outra (CHALITA, 2006, p.11).

Quanto maior for a compreensão da educação como modificadora de atitudes e condutas e, portanto, que diga respeito ao coração, maior será a convicção dos educadores que seu papel  vai muito além do que ensinar verdades, mas em viver de acordo com os valores que ensinam, isto é, ele será um mistagogo do saber. Os conhecimentos serão muito melhores assimilados e aceitos na medida em que a fonte de onde emanam possa ser confirmada com a credibilidade de uma postura ética.
Procurar uma sintonia entre a formação permanente e a prática docente, não entendida estritamente como a prática didático-pedagógica, mas o cotidiano do professor naquilo que se pode qualificar como “currículo subliminar” no sentido que a formação dos professores e a sua prática passam, pois a ser afetadas pela natureza multirreferencial do paradigma emergente e neste sentido

A tarefa crucial do educador é desenvolver uma consciência que procure ver através da lógica da globalização destrutiva e combiná-la com qualificações críticas para resistir à retórica que ora nos satura (O’Sullivan, 2004, p.66).

A partir destas reflexões emerge o problema a que estamos nos referindo e que pode ser formulado do seguinte modo: Em que medida a mística como parte do cotidiano do educador poderá colaborar com a práxis docente contribuindo para o enfrentamento e a superação das dificuldades que, muitas vezes transformam o professor “em uma máquina de ensinar” deixando de considerar que:

A educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa, espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade. Todo o ser humano deve ser preparado, especialmente, graças a educação que recebe na juventude, para elaborar pensamentos autônomos e críticos e para formular os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias da vida (DELORS, 1998 p. 99).

Tratar da mistagogia no cotidiano da educação se apresenta como um problema na medida em que esta temática está quase que olvidada nos programas de formação  e que, no entanto, é intrínseca ao cotidiano do educador, tanto mais nestes tempos em que as questões éticas e de valorização da vida sob a forma de preocupação com  a sustentabilidade são cada vez mais consideradas como preocupação pertinente. Segundo ROMANOWSKI & ENS (2006): “Parece que o interesse pelos temas educacionais não tem sido suficiente para que mudanças significativas ocorram nos espaços de formação, sejam escolares ou não escolares”.
Neste sentido se faz necessário aliar o uso de novas tecnologias a princípios éticos capazes de apontar que um “novo mundo é possível”, e que este seja um mundo no qual o ser humano não possa ser qualificado com a clássica expressão de Thomas Hobbes: “homo homini lúpus est” e que se aproxime da profecia de Luther King: “Ou nos damos as mãos ou morreremos todos como idiotas”.
Deixar de considerar a mística do educador na complexidade da metamorfose civilizatória seria ignorar uma verdade já aceita por outras gerações e sociedades e que pode ser expressa com as palavras de PLUTARCO[3]:

Podereis encontrar uma cidade sem muralhas, sem edifícios, sem ginásios, sem leis, sem uso de moedas como dinheiro, sem cultura de letras. Mas um povo sem Deus, sem oração, sem juramentos, sem ritos religiosos, sem sacrifícios, tal nunca se viu.

A questão mistagógica no universo da educação se apresenta ainda como problema quando o professor se sente desafiado a trabalhar no seu cotidiano profissional com motivações interiores muito maiores do que aquelas que a sociedade parece cultuar e que os Bispos da América Latina assinalaram no documento de Aparecida com a afirmação “globalizar a solidariedade”. Ou ainda que aparece evidente nas palavras de Santo Agostinho: “Fizeste-nos para ti e inquieto está nosso coração enquanto não repousa em ti”.
Colocando o problema da mistagogia de modo expresso no cotidiano da docência parece apontar para a aceitação da condição de uma profunda conexão do ser humano com a realidade superior, com o extasiar-se do universo harmonioso, isto é, conexão com algo que está muito além de si mesmo. Neste sentido a afirmação

O mistério da pessoa é, portanto, contemporaneamente aberto ao infinito e encarnado no espaço e no tempo. Cada obra do crescimento pedagógico e de guia para o mistério não pode acompanhar os passos da dimensão concreta da vida pessoal. As perguntas, as lutas e os anseios devem ser entendidos como a tradução concreta do mistério humano (IMODA, 1996, p. 717 e 521).

Dentro desta perspectiva a questão da espiritualidade viria como resposta aos medos hodiernos diante da complexidade da metamorfose civilizatória na linha do que já afirmou Santo Agostinho: “Tempos Difíceis, tempos horríveis, dizem os homens. Mas os tempos somos nós! Tais somos, tais os tempos!”
Feitas estas considerações parece importante considerar que é possível conceber o termo ‘mistagogia’[4] como o processo pelo qual o educador experimenta motivações interiores muito além daquelas que a sociedade parece cultuar. Será tanto mais mistagogo quanto maior for sua capacidade de indignação diante de tudo aquilo que denigre e diminui a qualidade da vida e das relações entre os seres humanos no sentido que
A espiritualidade do nosso tempo, que nos leva a uma viagem sagrada. Se não percebermos a natureza sagrada de nossa viagem, não conseguiremos realizar a transformação mais profunda que se faz necessária. Precisamos avaliar, especialmente, as dimensões reais do que é ser membro de uma comunidade sagrada, no sentido mais amplo do termo (O’Sullivan 2004, p.75).

Espiritualidade se fundamenta naquilo que qualificamos com a expressão formação na ação. Ou seja, desde nossa experiência pessoal como educador e presbítero da Igreja Católica vivenciamos no cotidiano da sociedade e da educação as mesmas angústias que os docentes apresentam, questionam e procuram responder. Imersos na sociedade e consequentemente na complexidade das escolas os professores reconhecem que precisam dar respostas a desafios que estão muito além do que a competência para ensinar. É nesta perspectiva que os Bispos da América Latina afirmam no Documento de Aparecida:
Ao participar dessa missão, o discípulo caminha para a santidade. Vivê-la na missão o conduz ao coração do mundo. Por isso, a santidade não é uma fuga para o intimismo ou para o individualismo religioso, tampouco abandono da realidade urgente dos grandes problemas econômicos, sociais e políticos da América Latina e do mundo e muito menos fuga da realidade para um mundo exclusivamente espiritual (DOCUMENTO DE APARECIDA 148).

O mesmo modo de entender Deus e de colocá-lo no cotidiano das preocupações, contrapondo aos modelos secularistas e ateístas do século XIX, e porque não estender à formação continuada de docentes no contexto da metamorfose civilizatória, foi dito pelo Papa Bento XVI no discurso inaugural da Conferência de Aparecida:

Aqui está precisamente o grande erro das tendências dominantes no último século, erro destrutivo, como demonstram os resultados tanto dos sistemas marxistas como inclusive capitalistas. Falsificam o conceito de realidade com a amputação da realidade fundante, e por isso decisiva, que é Deus. Quem exclui Deus de seu horizonte falsifica o conceito de “realidade” e em consequência, só pode terminar em caminhos equivocados e com receitas destrutivas (BENTO XVI).

Na esteira desta preocupação a escola e nela os educadores se deparam com um decisivo papel que exige ser trabalhado: O professor mistagogo! Essa afirmação se sustenta no conceito expresso pelo Papa Bento XVI no documento Deus Caritas Est: “muitas vezes, é precisamente a ausência de Deus a raiz mais profunda do sofrimento humano” (31c).
E onde está Deus se não numa perspectiva de evolução e de perpetuação da vida em todas as suas formas ou para recuperar a paráfrase que usamos em relação à obra de Saramago: Deus está imerso na miséria humana e afim de condividir com sua criatura os sofrimentos que na sua infinita perfeição não teria necessidade de experimentar. Naturalmente o ser humano na totalidade da sua existência é a manifestação mais perfeita do criador e nenhuma mudança substancial se dará sem que essa criatura se proponha dar o melhor de si mesmo. Por isso mesmo na busca por respostas que a condição humana não parece capaz de dar na finitude da sua existência é que buscar compreender os anseios do homem diante da metamorfose civilizatória, uma vez que do ponto de vista antropológico o ser humano pode ser entendido como o lugar da revelação em direção ao processo evolutivo.
Respostas mais condizentes com as angústias provocadas pelo processo de metamorfose parece que indicam a necessidade de despertar para a arte de educar com paixão. Gente que esteja convencida e experimente que mudanças importantes acontecem na medida em que seja capaz de se arriscar, de crescer e dar o melhor de si mesmo. Ideia que aparece nas entrelinhas do documento pontifício Deus Caritas Est, no qual se pode compreender a espiritualidade como uma pulsão capaz de levar ao ágape.
Nesta linha de pensamento entende-se a espiritualidade docente

Do ponto de vista da pessoa, a espiritualidade cristã é o jeito próprio de viver o seguimento de Jesus; a vivência da fé que motiva as ações e alimenta as convicções. Na ótica de uma instituição, a espiritualidade é o conjunto de valores que sustentam a sua missão e o seu negócio, inspirados na pessoa de Jesus Cristo e na causa do Reino de Deus (MURAD,2007, p.127).

Quanto mais claro o conceito de metamorfose sob a ótica da crise, não no sentido amendrontador, ao qual nos referimos na apresentação do tema em questão, mas no sentido da criação de novas respostas e do novo modelo de encarar a civilização que surge deste processo é que parece importante cultivar uma mística de valorização das experiências de interioridade, que aplique o melhor de si na qualidade de vida e consequentemente aprenda destas mesmas crises.
Buscar respostas espirituais para aquilo que muitos chamam de “autorrealização”, consiste entender espiritualidade como

Força vital que existe dentro de nós, ou a nossa natureza mais profunda e mais fundamental. Depois de nos desligarmos de todo condicionante e de todas as ilusões, chegamos ao nosso núcleo, ao nosso espírito. Cristo se referia a esse lugar como o Reino de Deus que está dentro. Os budistas  falam sobre a natureza búdica, que é a nossa bondade básica que está oculta pelas ilusões do ego. Os hinduístas se referem a esse lugar como o atmã, que está conectado com o infinito, o Brâmane (YUS, 2002, P. 111).

Na busca por respostas místicas aos desafios e problemas do cotidiano da educação no contexto em referência não consiste na pretensão de solucionar todos os problemas próprios e particulares relativos à convivência de pessoas diferentes, oriundas de diferentes contextos e com distintas motivações. Procurar respostas mistagógicas para a educação não significa incluir novos conteúdos e mais educação religiosa na matriz curricular, uma vez que também é compreensível que

Qualquer empreendimento destinado a “reespiritualizar” o currículo esta carregado de perigos, mas também de oportunidades. O distanciamento das instituições educativas modernas de seu espiritual histórico e de suas origens religiosas é o resultado da ascensão de uma  visão científica e mecanicista do mundo e dos ideais democráticos baseados na necessidade de um sistema escolar público e livre de uma ideologia religiosa dominante (YUS, 2002, p.112).

O conceito de espiritualidade que vem sendo desenvolvido ao longo deste texto pode ser completado com a afirmação:

Acima de tudo, a espiritualidade é paixão. A vida espiritual é uma vida apaixonada. Isto pode não se encaixar bem em uma longa tradição em filosofia e pensamento religioso que vem desde pelo menos os primeiros estoicos e naquelas variedades de budismo que subestimam as paixões. Eles oferecem libertação do alvoroço emocional, “tranquilidade” e “paz de espírito”. Mas deveríamos comparar essa tradição com outra igualmente antiga, embora nem sempre igualmente respeitável, que reconhece as paixões como a própria essência da espiritualidade e também da filosofia. Sócrates e Platão, por exemplo, aqueles antigos modelos de razão e racionalidade, eram apaixonados pela filosofia e francamente eróticos com relação à Verdade. (SOLOMON, 2003, P. 75).

Cada vez mais está patente a preocupação com a busca de respostas para as angústias humanas desde a totalidade da existência no seu mais profundo mistério  e nos grandes sonhos que a metamorfose civilizatória por vezes parece despertar.

É precisamente esta a raiz da palavra mistério no seu original grego mysterion que provém do termo múein (μυστήριο) cujo significado é perceber o caráter escondido, isso é, não comunicado de uma determinada realidade ou intenção. É daí que deriva mística, como adjetivo de mistério e que faz compreender a espiritualidade como

 

Aquela atitude que coloca a vida no centro, que defende e promove a vida, contra todos os mecanismos de morte, diminuição ou estancamento... Alimentar a espiritualidade significa cultivar esse espaço interior, a partir do qual todas as coisas se ligam e religam; significa superar os compartimentos estanques e vivenciar as realidades; para além de sua facticidade opaca e por vezes brutal, como valores, inspirações, símbolos de significações mais altas. O homem/mulher espiritual é aquele que pode perceber sempre o outro lado da realidade, capaz de captar a profundidade que se vela e a referência de tudo à Última Realidade, que as religiões chamam de Deus (BOFF, 2008, p.52).

Neste sentido querer responder às questões da mística e da mistagogia no cotidiano da docência é ir muito além de qualquer corrente religiosa ou conceito reducionista que vincule espiritualidade com instituição religiosa de qualquer natureza, nem tampouco como um paliativo para as intranquilas consciências e personalidades das pessoas envolvidas no processo formativo. Buscar respostas para a angústia que ronda o mundo da educação implica

Tratar a educação como um empreendimento espiritual, mais do que como uma imposição racional e calculada de disciplina social, determina uma diferença crucial entre a educação holística e a educação convencional...Trazer a espiritualidade para a educação não significa injetar ensinos religiosos no currículo; significa incentivar os estudantes a envolver seu mundo com um sentido de encanto pela análise, pelo diálogo e pela criatividade (YUS, 2002, p. 115).

A intenção desta reflexão se pauta em buscar respostas que facilitem a construção de modelos educacionais capazes de dar respostas para as mais profundas angústias humanas e que podem ser parafraseadas de Santo Agostinho: “Não aprendemos com as palavras que soam exteriormente, mas com a verdade que ensina interiormente”. Este sentido de mística está também explícito na compreensão que

A espiritualidade, que deve fazer parte da atmosfera universitária, não é para Amoroso Lima, matéria que pode ser ensinada, mas “modo de ser, de ensinar e de conviver”. Para ele, o professor deve ser agente civilizador do mais alto nível, uma vez que ensinar é civilizar e civilizar é espiritualizar, portanto humanizar...pode-se dizer que o educador possui uma mística, ou seja, algo que alimenta a dimensão do “mistério” da própria condição de educador. Dito de outro modo, a espiritualidade do educador está na possibilidade que ele tem de falar sobre a vida não apenas como alguém que  conhece, mas como alguém que vive (JULIATTO, 2010, p. 88,89,90).

            Deste modo é possível concluir esta reflexão sobre espiritualidade do educador diante da metamorfose civilizatória, a qual obviamente somente será capaz de atender aos desafios deste contexto na medida em que for ela mesma transformadora e neste sentido parece importante compreender que

Qualquer discussão em profundidade da “educação transformadora” deve tratar do tema da espiritualidade, e os educadores devem assumir o trabalho de desenvolvimento do espírito em nível mais fundamental.  A educação contemporânea sofre profundamente com o eclipse da dimensão espiritual de nosso mundo e universo. Em nosso tempo, a espiritualidade foi seriamente comprometida por sua identificação com as religiões institucionalizadas (O’SULLIVAN 2004, P. 376).


REFERÊNCIAS
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BENTO XVI. Deus Caritas est, São Paulo: Paulinas, 2006.
BOFF, Leonardo. Ecologia, Mundialização, Espiritualidade, Rio de Janeiro: Record, 2008.
BOGAZ, Antônio S. Deus onde estás, São Paulo: Loyola, 2001.
BUITRAGO, José Penalva. O Professor como formador moral, São Paulo: Paulinas, 2008.
CELAM. Documento de  Aparecida,  Brasília: Edições CNBB, 2007.
CHALITA, Gabriel, Entrevista. Revista Paginas Abertas, São Paulo: ano 31, n. 27, p.11, 2006.
COSTA, Marisa Vorraber. Caminhos Investigativos II, Rio de Janeiro; Lamparina, 2007.
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FORRESTER, Viviane. O Horror Econômico, São Paulo: UNESP, 1997.
FOUCAULT, Michel. O uso dos prazeres. In História da Sexualidade. Rio de Janeiro: Graal, 1998. V.2.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a pedagogia do oprimido, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1993.
GURREIRO, Laureano. A Educação e o Sagrado, Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.
IMODA, Franco. Psicologia e Mistério, São Paulo, Paulinas, 1996.
JULIATTO, Clemente Ivo. Parceiros  Educadores, Curitiba: Champagnat, 2010.
_____. O horizonte da Educação, Curitiba: Champagnat, 2009.
LIBÂNIO, João Batista, HENGEMÜLE, Edgard. Mística e Missão do Professor, Petrópolis: Vozes, 1997.
LÜDKE, Menga e ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação abordagens qualitativas, São Paulo: EPU, 1986.
MURAD, Afonso. Gestão e Espiritualidade, São Paulo: Paulinas, 2007.
O’SULLIVAN, Edmund, Aprendizagem transformadora, São Paulo: Cortez, 2004.
SANTO AGOSTINHO, De Magistro, Petrópolis: Vozes, 2009.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente, São Paulo: Cortez, 2000.
SAVIANI. Dermeval, Pedagogia Histórico Crítica, Campinas, Autores Associados, 2003.
SOLOMON, Robert C. Espiritualidade para Céticos, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
TESCAROLO, Ricardo. A escola como sistema complexo, São Paulo, Escrituras, 2004.
TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais, São Paulo: Atlas, 1997.
YUS, Rafael. Educação Integral: Uma educação holística para o século XXI, Porto Alegre, Artmed, 2002.



[1] Texto preparado pelo Professor Padre Elcio Alberton para os educadores da Escola N. Sra. do Sagrado Coração de Curitiba no dia 24 de janeiro de 2011. Disponível também no endereço eletrônico: www.padreelcio.blogspot.com
[2] Justificativa para o projeto de pesquisa “A Formação de Professores no Contexto da Metamorfose Civilizatória Contemporânea”. Programa de Mestrado PUCPR 2010.
[3] Escritor grego (125-50 AC.)
[4] O termo mistagogia tem sua origem em dois vocábulos gregos: mystes,   que significa mistério, e agein, que significa conduzir. A palavra ‘mistagogia’ também aparece nos cultos pagãos – conhecidos como cultos mistéricos - contudo, não podem ser concebidos como análogos à mistagogia dos Padres do III e IV séculos.