terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A TÍTULO DE PROVOCAÇÃO...


ÉTICA, MORAL E CULTURA[1]

Para tratar das questões éticas e do comportamento moral do seres humanos certamente é preciso fazê-lo no contexto das transformações culturais pelas quais as sociedades passam no decorrer da história. Muito mais urgente compreender a relação que existe entre estas três realidades no contexto da metamorfose civilizatória.
A exclamação de Cícero[2]: “tempora! o mores!” (Oh que tempos, oh que costumes), pode ser aplicada para se referir à estreita relação que existe entre ética, moral e cultura. A primeira ideia que precisa ser melhor compreendida é da própria existência do ser humano e sua condição de criatura. Uma deficiente interpretação do relato bíblico da criação fatalmente conduz ao determinismo e à fatalidade do destino. Lendo na Sagrada Escritura, a criação do ser humano como homem e mulher, não se pode encarar como uma realidade pronta e acabada. Muito pelo contrário é preciso entender a criatura no sentido metafórico do que representa o número 7 na bíblia: Infinito, incapaz de ser calculado ou mensurado. É sob esta ótica que a obra criada no contexto dos 7 dias é uma obra não acabada com a qual o ser humano também inacabado é convidado a colaborar.
Ao longo das eras, com o surgimento de culturas e povos um sem número de “hábitos”, foram sendo cultivado, o resultado deles resultou em princípios éticos aceito em diferentes épocas por distintos povos e culturas. Assim, por exemplo, num lado totalmente oposto do que pode ser considerado ético para a cultura ocidental cristã/católica não comer carne vermelha se constitui numa prática de abstinência louvável; por sua vez para a cultura Hindu, nunca comer carne se traduz num princípio ético impossível de ser violado. Para os primeiros o consumo de carnes e sua correta distribuição para todos se torna uma prática louvável, responsável e, portanto, conveniente. Para os últimos uma afronta que deve ser evitada a qualquer preço.
Esta simples analogia pode nos ajudar a melhor compreender toda a relação da ética com a cultura aparecendo aqui as relações no mundo do trabalho, da família, da educação, dos serviços públicos e assim por diante. Fatalmente e sob a ótica capitalista somente se constitui uma relação de trabalho aquela que resulta em remuneração. Dito isto se reduz o conceito de trabalho para a compreensão capitalista de “situação de quem produz”. Parece um simples jogo de palavras, mas aí entra toda a questão da valorização do ser humano: “só interessa para a sociedade capitalista aquele que produz” de onde velhos, deficientes, crianças, etc... são desprezíveis e uma segunda categoria, uma espécie de “quase nem gente”.
Se aplicadas as devidas proporções ao campo da educação não será difícil compreender que o método didático/pedagógico baseado na prática de “ler,copiar, decorar e repetir” se constituiu por longos anos numa violência e afronta ao princípio ético da liberdade e da responsabilidade. Neste contexto somente se considera bom aluno aquele que repete conceitos e conteúdos anteriormente expostos pelo professor. Os educandos se tornam espectadores mudos.
A lista dos comportamentos humanos que mereceria ser comentada fazendo parte desta relação ética, moral e cultura se estenderia a todas as realidades humanas. Parece importante compreender que estamos diante daquilo que chamamos “Metamorfose civilizatória” e é partir desta ótica que a compreensão de ética ganha outros contornos e abragência maior.
No contexto da pós-modernidade, aplica-se a expressão: “águas paradas são profundas” para dizer que muitas vezes o indivíduo cuja conduta moral se apresenta como “bonzinho, obediente, correto”, nem sempre é sinônimo de atitude ética, a isto se aplica outro provérbio “está tudo certinho, tudo correto, mas que está estranho está”.
Dentre os desafios apresentados pelo trinômio em questão reside o da capacidade de perceber que valores éticos não se restringem a uma única cultura e um único modo de vida, procedendo deste modo a sociedade caminha para o que se chama cerceamento da liberdade e cegueira em relação à diferença resultando na indiferença para com o diferente.
É neste sentido que se aplicam as palavras de San Suu Kyi[3], em relação aos recentes escândalos da moral pessoal levantados pela mídia sob a pessoa do Primeiro Ministro Italiano e suas diferentes aventuras amorosas:

Existem mulheres e Mulheres. Existe, isso que diz: “Uma existência significativa vai além da mera satisfação de necessidades materiais. Nem tudo pode ser comprado com dinheiro, nem todos os dispostos a ser comprados. Quando penso num país muito rico, nao penso na sua riqueza em dinheiro. Penso no menor sofrimento das pessoas, no respeito às leis, na segurança de todos, na educação valorizada e capaz de ampliar os horizontes. Isto é que faz a diferença de uma nação.

Esta indignação poderia ser aplicada a todos os casos de “mensalões, mensalinhos” e outros formas de corrupção ativa e passiva que se tem tomado conhecimento no Brasil recente.
E como já se afirmou acima a lista de relativação da ética é interminável e patrocinada por quem muitas vezes deveria ser promotor de outros valores. O texto a seguir dispensa outras considerações além de reforçar o que vemos caracterizando a morte da Cultura e da ética.

BIG BROTHER BRASIL
(Luiz Fernando Veríssimo)
Que me perdoem os ávidos telespectadores do Big Brother Brasil (BBB), produzido e organizado pela nossa distinta Rede Globo, mas conseguimos chegar ao fundo do poço...A  décima primeira (está indo longe!) edição do BBB é uma síntese do que há de pior na TV brasileira. Chega a ser difícil,... encontrar as palavras adequadas para qualificar tamanho atentado à nossa modesta inteligência.
Dizem que em Roma, um dos maiores impérios que o mundo conheceu, teve seu fim marcado pela depravação dos valores morais do seu povo, principalmente pela banalização do sexo. O BBB é a pura e suprema banalização do sexo. Impossível assistir, ver este programa ao lado dos filhos. Gays, lésbicas, heteros... todos, na mesma casa, a casa dos ?heróis?, como são chamados por Pedro Bial. Não tenho nada contra gays, acho que cada um faz da vida o que quer, mas sou contra safadeza ao vivo na TV, seja entre homossexuais ou heterosexuais. O BBB é a realidade em busca do IBOPE...
Veja como Pedro Bial tratou os participantes do BBB. Ele prometeu um ?zoológico humano divertido? . Não sei se será divertido, mas parece bem variado na sua mistura de clichês e figuras típicas.
Pergunto-me, por exemplo, como um jornalista, documentarista e escritor como Pedro Bial que, faça-se justiça, cobriu a Queda do Muro de Berlim, se submete a ser apresentador de um programa desse nível. Em um e-mail que  recebi há pouco tempo, Bial escreve maravilhosamente bem sobre a perda do humorista Bussunda referindo-se à pena de se morrer tão cedo.

Eu gostaria de perguntar, se ele não pensa que esse programa é a morte da cultura, de valores e princípios, da moral, da ética e da dignidade.
Outro dia, durante o intervalo de uma programação da Globo, um outro repórter acéfalo do BBB disse que, para ganhar o prêmio de um milhão e meio de reais, um Big Brother tem um caminho árduo pela frente, chamando-os de heróis. Caminho árduo? Heróis? São esses nossos exemplos de heróis?
Caminho árduo para mim é aquele percorrido por milhões de brasileiros: profissionais da saúde, professores da rede pública (aliás, todos os professores), carteiros, lixeiros e tantos outros trabalhadores incansáveis que, diariamente, passam horas exercendo suas funções com dedicação, competência e amor, quase sempre mal remunerados..
Heróis, são milhares de brasileiros que sequer têm um prato de comida por dia e um colchão decente para dormir e conseguem sobreviver a isso, todo santo dia.
Heróis, são crianças e adultos que lutam contra doenças complicadíssimas porque não tiveram chance de ter uma vida mais saudável e digna.
Heróis, são aqueles que, apesar de ganharem um salário mínimo, pagam suas contas, restando apenas dezesseis reais para alimentação, como mostrado em outra reportagem apresentada, meses atrás pela própria Rede Globo.
O Big Brother Brasil não é um programa cultural, nem educativo, não acrescenta informações e conhecimentos intelectuais aos telespectadores, nem aos participantes, e não há qualquer outro estímulo como, por exemplo, o incentivo ao esporte, à música, à criatividade ou ao ensino de conceitos como valor, ética, trabalho e moral.
E ai vem algum psicólogo de vanguarda e me diz que o BBB ajuda a "entender o comportamento humano". Ah, tenha dó!!!
Veja o que está por de tra$$$$$$$$$$$$$$$$ do BBB: José Neumani da Rádio Jovem Pan, fez um cálculo de que se vinte e nove milhões de pessoas ligarem a cada paredão, com o custo da ligação a trinta centavos, a Rede Globo e a Telefônica arrecadam oito milhões e setecentos mil reais. Eu vou repetir: oito milhões e setecentos mil reais a cada paredão.
Já imaginaram quanto poderia ser feito com essa quantia se fosse dedicada a programas de inclusão social: moradia, alimentação, ensino e saúde de muitos brasileiros? (Poderiam ser feitas mais de 520 casas populares; ou comprar mais de 5.000 computadores!) Essas palavras não são de revolta ou protesto, mas de vergonha e indignação, por ver tamanha aberração ter milhões de telespectadores.
Em vez de assistir ao BBB, que tal ler um livro, um poema de Mário Quintana ou de Neruda ou qualquer outra coisa..., ir ao cinema..., estudar... , ouvir boa música..., cuidar das flores e jardins... , telefonar para um amigo... , visitar os avós.. , pescar..., brincar com as crianças... , namorar... ou simplesmente dormir.
Assistir ao BBB é ajudar a Globo a ganhar rios de dinheiro e destruir o que ainda resta dos valores sobre os quais foi construída nossa sociedade.




[1] Texto escrito como reflexão para a Unidade II do curso de tutoria da UNOESC, Xanxerê – SC, nos meses de fevereiro e março 2011.
[2]Filósofo, orador, escritor, advogado e político romano, viveu entre os anos 106 e 43 AC.

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