segunda-feira, 2 de maio de 2011

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO I


COMENTÁRIOS AO TEXTO DE : A. I. PÉREZ GOMES
AS FUNÇÕES SOCIAIS DA ESCOLA DA REPRODUÇÃO À RECONSTRUÇÃO CRÍTICA DO CONHECIMENTO E DA EXPERIÊNCIA

Elcio Alberton[1]


1-      PAPEL DA ESCOLA
Ninguém duvida da função da escola e do lugar que ela ocupa como elemento de humanização das relações na sociedade. Para a função clássica de transmitir conquistas e saberes, tradicionalmente se deu o nome de educação, função reconhecida como tarefa primordial da escola.
Entretanto não há como negar que a complexidade da sociedade exige a instalação de um  sistema de educação, o qual, segundo Tescarolo (2004).

Implica o desenvolvimento de relações interpessoais de natureza cooperativa que deverá levar em conta as histórias das pessoas que agem em seu interior, além da realidade cultural, social, política e econômica do entorno da escola, e dos reflexos do confronto entre essas instâncias (p.105).

Dentre os papéis importantes da escola, um deles consiste em atender e socializar as pessoas envolvidas no processo, porém a escola corre o risco de se reduzir a reprodutora de um sistema e de ideologias, na medida em que simplesmente atua para garantir a sua função enquanto instituição.
Concordando que uma das tarefas da escola é a que já se descreveu, está também claro que esta tarefa não é uma exclusividade da escola, pelo contrário, outras instâncias também cumprem essa tarefa, mas nenhuma delas tem a força da escola. Força que se concretiza na estrutura mesma do complexo sistema escolar e no caráter sistemático das suas atividades, condição que é respaldada pela própria comunidade e por todas as demais instâncias em forma de delegação.
A escola é tanto mais complexa quando mais se compreende que sua função exige manter um equilíbrio entre conservação e mudança.

2-                 CARÁTER PLURAL E COMPLEXO
O objetivo básico da escola consiste em preparar os alunos para o mundo do trabalho, essa é uma ideia que, embora, não pareça ser o ponto central da vida escolar está incorporada por todos os sistemas sociais e pela grande maioria das pessoas. Para a grande parte da população, frequentar a escola é condição “para ser alguém na vida”, para ter “um trabalho melhor”, para “ganhar mais dinheiro” e assim por diante. Essa suposta responsabilidade da escola ganhou muito mais peso com o crescimento econômico dos chamados países emergente, entre eles o Brasil. É pública e do conhecimento de todos a máxima da atualidade: “Sobram vagas e faltam pessoas qualificadas”.
As mudanças aceleradas na sociedade tecnológica colocaram em xeque a função da escola aumentando ainda mais a complexidade da sua condição. No mundo das Novas tecnologias de comunicação e informação (NTCI), parece que a preparação para “SER PESSOA”, fica relegada a uma condição pouco importante em detrimento do desenvolvimento das competências. Eis aí um grande desafio da escola: equilibrar este sistema.
Não se pode ter em pouco caso a tarefa de preparar os cidadãos para a vida pública garantindo o respeito e a liberdade, características de um estado democrático o qual deve valorizar princípios de ética, solidariedade e honradez.
A contradição evidente na instituição que se torna sempre mais explícita na relação pessoa X mercado encontra-se sempre mais acentuada por conta do escândalo entre aqueles que têm e a significativa parcela daqueles que não apenas não tem, mas estão literalmente excluídos da possibilidade de ter.
A igualdade legal, defendida em larga escala, não é senão igual na esfera política, no sentido que todos os cidadãos de todas as classes e condições têm acesso ao voto como um exercício democrático (Um gato, um voto, um voto um gato), entretanto, tal igualdade não se dá na esfera econômica.
Na medida em que a escola se aceita na sua condição de reprodutora de um sistema ideológico e de conformismo social ao mesmo tempo macula a sua imagem e se configura numa instituição elitista, competitiva e anti-solidária. Concorda com o conformismo social e com a legitimação de uma sociedade desigual e contraditória.
Dentre as características excludentes da escola uma delas é constituído pelo sistema de “notação” por meio do qual aqueles que “sabem” são promovidos e os demais “bochados”. Facilmente as pessoas aceitam como natural esse processo de seleção que se pode chamar da “Darwinismo educacional”, não percebem que a escola não é tão aberta como parece e que se confirma como uma realidade promotora de exclusão social.

3-                 MECANISMOS DE SOCIALIZAÇÃO
Não poucas vezes o currículo se configura num mecanismo ideológico e que muitas vezes é também “oculto”. Poucas vezes se percebe que o processo ensino-aprendizagem é um processo muito mais sinuoso e complexo conforme Fernández Enguita (1990b):

A escola é uma trama de relações sociais e  materiais que organizam a experiência cotidiana e pessoal do aluno/a com a mesma força ou mais que as relações de produção podem organizar as do operário na oficina ou as do pequeno produtor no mercado. Por que não continuar olhando o espaço escolar como se nele não houvesse outra coisa em que se fixar além das ideias que se transmitem (apud Sacristán, 1998, p. 17).
A trama de relações a que se refere o autor em questão não é senão resultado do processo de socialização na escola que se constitui no reflexo do processo presente em todas as relações sociais. O estabelecimento de um “currículo fechado” – tradicional, conservador, não é estimulante para refletir sobre as preocupações sociais, ele é imposto pronto e acabado, vindo de fora para dentro e cuja finalidade é preparar para o próximo exame. (ENADE, PROVINHA BRASIL, ENEM, etc.).
Urge pensar num currículo subliminar que valorize a interação social aproximando os diferentes e diminuindo as diferença. É necessário levar em consideração que o aluno aprende  muito além do currículo, daí que a consideração de Tescarolo (2004) ganha notoriedade:
A escola, por exemplo, funciona integrando-se ao subsistema curricular, por sua vez interconectado a outros sistemas específicos, como o conteúdo, a formação, o planejamento e a avaliação, nessa malha funcional que promove a organização social. Isso garante que ela evolua em sensibilidade, no caminho inverso ao da incerteza e do desequilíbrio, vinculando-se ao tempo, levando o sistema e seus subsistemas a se integrarem sob a ação das pessoas que vivem e se esbarram umas nas outras em seu interior, o que condiciona sua existência (p.95).
Neste sentido, estabelecer um parâmetro curricular implica compreender:
a)                  Que a seleção de conteúdos indicados pela proposta curricular intervém na modificação da sociedade;
b)                 Que o estabelecimento de uma proposta curricular implica num elevado grau de participação e nas diferentes formas de trabalhar;
c)                  A execução de uma proposta supõe uma reordenação do espaço;
d)                 Os mecanismos de recompensa incluídos na proposta;
e)                  As distintas formas de controle na sua execução;
f)                  Que a escola está inserida numa sociedade individualista e competitiva e que a proposta curricular precisará levar em conta a colaboração e a solidariedade.
g)      O grau de participação da comunidade escolar será determinante para o êxito de proposta curricular que tenha presente o necessário processo de socialização. Aqui cabe a preocupação de Paulo Freire: “ninguém educa ninguém”!.

4-                 CONTRADIÇÕES NO PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO
Não há dúvida que a escola, sob o ponto de vista institucional tem uma função que se pode chamar de “enquadramento” e isso não acontece sem conflitos, naturalmente compreensível em se tratando de lidar com pessoas, cujas vidas são distintas e diferentes.
Esse processo conflituoso nem sempre é explícito, pelo contrário, muitas vezes ele aparece disfarçado de “sadia convivência”, resultado da habilidade disciplinadora do professor. “Você finge que ensina e eu finjo que aprendo”.
Nesse processo acontece uma criação oculta da aceitação do poder disciplinador, da instituição o qual exige uma mediação negocial que supõe o respeito e valorização de diferentes situações e procedências dentro da comunidade escolar.
A preparação para o trabalho se mostra cada vez mais ineficiente diante das especializações do mundo do trabalho, razão porque sem esquecer esta a escola deve também preparar para o contato com o mundo. As demandas são sempre mais diferenciadas e contraditórias e fazer simplesmente corresponder ao mundo do trabalho seria permitir que a escola ficasse distante anos luz da sua verdadeira função.
Diante da realidade contraditória da instituição é possível perceber como cada vez mais o conceito de participação é muito mais abrangente do que exercício democrático do voto o qual sem a consciência corresponsável é apenas parte do exercício democrático sem uma face cidadã.
O viés ideológico, do qual é revestido a instituição e suas práticas apresentam para o aluno condutas dissociadas da realidade de fato. A aparente abertura para todos esconde o processo de exclusão muitas vezes camuflado (Ver a história do sapato de Pablo Gentili[2]).
Querer esconder as diferenças de origem, implica em camuflar as diferenças de destino, insistir na escola como lugar de igualdade é sinônimo de que ela socializada para a desigualdade.

5-                 SOCIALIZAÇÃO E HUMANIZAÇÃO
Por outro lado a escola tem uma tarefa humanizadora muito além da contraditória condição institucional. Por meio desta função a escola exerce sua condição de propulsora do progresso e da mudança. O caráter educador, na condição de administradora do conhecimento público faz da escola um instrumento em condições de desmascarar o viés reprodutor do Status Quo.
O caminho para que a escola se manifeste nesta condição é a mediação crítica da utilização do conhecimento. Na tensão dialética entre mantenedora e transformadora a escola pode oferecer sua condição pública de adequação das autonomias em vista do agir “adulto”. Em resumo: considerando as diversidades que compõe o ser da escola uma das tarefas imprescindíveis é a preparação da comunidade escolar para pensar e agir democraticamente numa sociedade que nem sempre é democrática.
A escola tem uma função compensatória mas não pode abusar dela, não se trata de esconder, nem de minimizar, mas de fazer viver apesar das dificuldades. Não se pode querer que a escola fosse um instrumento homogêneo e homogenizador, sendo diversa trabalha com a diversidade.
Eis a ideia fundamental para a superação do que se chama currículo único, para uma plataforma curricular que leve em conta o desenvolvimento de habilidades. Tratar com uniformidade é consagrar a desigualdade e a injustiça social.
Na sua condição compensatória reside a necessidade de um base curricular que esteja a serviço da flexibilidade e da diversidade capaz de dar crédito ao que se chama mobilidade patrocinada.
A uniformidade favorece grupos que já tem semelhança com a estrutura, aumentando assim o fosso da exclusão o qual exige percorrer um caminho inverso no sentido de adequar as diferenças o que fará da escola tanto mais eficaz e cumpridora da sua função compensatória.
Entre as práticas importantes para que esta realidade aconteça uma delas é a maior permanência no ambiente escolar, seja do ponto de vista etário, seja do ponto de vista diário.
Não se pode esperar da escola o estabelecimento de igualdades, este não é o seu papel, mas é sim sua função capacitar para viver no mundo das desigualdades. Neste sentido a democracia passa a ser vista em sua forma mais ampla do que simples forma de governo (Segundo DEWEI), mas será estimuladora de originalidades.

6-                 RECONSTRUIR O CONCEITO DESDE AS EXPERIÊNCIAS
O tempo é de superar as práticas consagradas de ser e fazer, isso também vale para a escola cuja função de distribuidora de informações foi de longe superada por outros meios, sobretudo, de comunicação de massa  os quais determinam também um modo de viver em sociedade, tarefa que foi, por longo tempo, ocupada pela escola.
Os MCS cumprem o papel de distribuidores informacionais, reproduzindo uma cultura dominante, cabendo a escola a reconstrução crítica do conhecimento. Segundo Bernstein (1987):
A escola deve transformar-se numa comunidade de vida e, a educação deve ser concebida como uma contínua reconstrução da experiência. Comunidade de vida democrática e reconstrução da experiência baseadas no diálogo, na comparação e no respeito real pelas diferenças individuais, sobre cuja aceitação pode se assentar um entendimento mútuo, o acordo e os projetos solidários. O que importa não é a uniformidade, mas o discurso. O interesse comum realmente substantivo e relevante somente é descoberto ou é criado na batalha política democrática e permanece ao mesmo tempo tão contestado como compartilhado (apud Sacristán, 1996, p. 25).

A criticidade é uma garantia de superaração do viés ideológico reprodutor a qual, por sua vez facilita a percepção do contexto no processo de aprendizagem. Isso exige estabelecer um tipo de relações com intercâmbio de experiências de aprendizado. Nesta dimensão o aluno não pode ser visto como uma tabula rasa, o papel da escola será usar desta verdade com a tarefa primeira de  facilitar a leitura crítica dos seus saberes.
A título de conclusão é indispensável uma escola democrática capaz de empreender transformações radicais das práticas pedagógicas. A palavra de ordem pode ser: Participação ativa e crítica!

REFERÊNCIAS
GENTILI, Pablo. & ALENCAR, Chico. Educar Na Esperança Em Tempos De Desencanto. Petrópolis: Vozes, 2003.
SACRISTAN, j. Gimeno.  & GÓMEZ, A. I. Pérez. Compreender  e Transformar o Ensino. Porto Alegre: Artmed, 1998.
TESCAROLO, Ricardo. A Escola Como Sistema Complexo. São Paulo: Escrituras, 2005.



[1] Professor na UNOESC – Universidade do Oeste de Santa Catarina e na Rede Pública de Santa Catarina.
[2] Um sapato perdido (Ou quando os olhares “sabem” olhar)
“Naquela manhã, decidi sair com Mateo, meu pequeno filho, para fazer algumas compras. As necessidades familiares eram, como quase sempre, ecléticas: fraldas, disquetes, o último livro de Ana Miranda e algumas garrafas de vinho argentino, difíceis de encontrar no Rio de Janeiro por um bom preço. Depois de algumas quadras, Teo dormiu tranqüilamente em seu carrinho. Enquanto ele sonhava com alguma coisa provavelmente mágica, percebi que um de seus sapatos estava desamarrado e quase caindo. Decidi tirá-lo para evitar que, por um descuido, se perdesse. Poucos segundos depois, uma elegante senhora me alertou: “cuidado!, seu filho perdeu um sapatinho”.”Obrigado – respondi – mas fui eu mesmo que tirei”. Alguns metros à frente, o porteiro de um edifício, de sorriso tímido e poucas palavras, moveu sua cabeça em direção ao pé de Mateo, dizendo em um tom grave: “o sapato”. Levantei o polegar em sinal de agradecimento, e continuei meu caminho. Antes de chegar ao supermercado, dobrando a esquina da Avenida Nossa Senhora de Copacabana com a Rainha Elizabeth, um surfista igualmente preocupado com o destino do sapato de Teo disse: “ô, mané, teu filho perdeu a sandália”. Ergui o dedo novamente e sorri agradecendo, mas já sem tanto entusiasmo. No supermercado, as pessoas continuaram chamando minha atenção. A suposta perda do sapato de Mateo não deixava de gerar diferentes mostras de solidariedade e alerta. Chegando a nosso apartamento, João, o porteiro, orgulhando-se de sua habitual teatralidade, gritou despertando o menino: “Mateo! Seu pai perdeu o sapato outra vez”. O sol tornava aquela manhã especialmente brilhante. A preocupação das pessoas com o paradeiro do sapato de meu filho, mesmo que insistentemente, dava-lhe um toque solidário que a tornava mais ainda alegre ou, pelo menos, fraternal. Contudo, estando a salvo dos chamados de atenção, comecei a ser invadido por uma estranha sensação de mal-estar (Gentili, 2003 p. 27).

Nenhum comentário:

Postar um comentário