terça-feira, 27 de setembro de 2011

O CONHECIMENTO SILENCIOSO




O Caminho da espiritualidade é o caminho da sutilização, porque é a via para o refinamento do conhecer e do sentir.  No caminho, ou na busca por uma espiritualidade da contemplação contamos com a possibilidade de conhecer e de sentir a partir da mais completa gratuidade, sem buscar nada. Alias, porque já temos tudo.
Uma verdade não pode ser esquecida por nós. Trata-se da nossa condição de predadores, ou seja para viver necessitamos destruir outros seres, outras criaturas, vivemos como se estivéssemos num campo de caça, sempre a espreita. Mas igualmente, é verdade que podemos ser calor que transforma em luz diante do esplendor que nos rodeia.
Quando um ser viver necessitado, estruturado para viver de matar e depredar, aprende a conhecer e a sentir-se luz, dizemos que este ser se espiritualizou. Na medida em que o ser humano aprende a conhecer e a sentir gratuitamente ele é capaz de saber o que é o nada e qual a relação que tem com ele.
A oferta dos nossos mestres espirituais é totalmente alheia a essa nossa maneira de proceder. Sua oferta é para nós extremamente desconcertante  e nova. Eles propõem que aprendamos a conhecer, a sentir e a perceber sem o ponto de referência das necessidades do ego. Os mestres espirituais nos propõem a possibilidade de um conhecer e de um sentir não egoísta.
Isso é espiritualizar-se. Quando aquele que olha não olha como necessitado, quebra-se a dualidade que se formava entre o ego e o mundo. Entre aquele que caça e o campo de caça. Passa-se a viver na gratuidade.
A transformação a que convidam as tradições espirituais é a passagem do depredador à testemunha desinteressada e vibrante, em lugar daquele que depreda nasce o amante.  Nesse sentido acontece um conhecimento gratuito no qual toda a existência  é capaz de se comover e se transformar em coração, em amor.
Nesta altura nosso corpo passa a ser reconhecido não apenas como um ser vivo, mas também como um receptor, um fino sensor desinteressado e uma testemunha capaz de se comover até suas raízes como que há, não só porque nos serve, mas simplesmente porque está aqui, porque existe, por sua novidade sem fim e pela maravilha com a qual nos fala.
O caminho para a espiritualização é o caminho do silêncio. Silenciamento de todas as construções que nossa necessidade projeta sobre o que há. Silenciamento do contínuo movimento que o desejo imprime ao nosso pensar e ao nosso sentir: para trás as recordações, para adiante os projetos.
A noção de silenciamento é uma condição sine-qua para compreender as tradições religiosas, para interpretar a mística de todas as tradições, ela é também fundamental para lidar com o legado religioso do passado em determinada situação cultural.
A partir de Jesus Cristo, o silenciamento equivale a dizer consiste em “deixar-se morrer”, em perfeito estado de alerta. E não há maior silêncio interior do que o daquele que morreu. Por isso mesmo dizemos: silêncio sepucral!
De algum modo Maomé já havia se expressado afirmando que é preciso “morrer antes de morrer”. Aproximar-se morto, mas vivo, é aproximar-se silencioso, como o sujeito sem desejos, nem recordações nem projetos.
Os místicos costumam chamar esse silenciamento de “conhecimento não conhecimento”, de “conhecimento super essencial”, de “conhecer a essência da essência, de “luz tenebrosa”, de “conhecimento que não é um saber”.
O conhecer silencioso é só dom, dom real e verdadeiro, mas é dom de nada, é dom de ninguém a ninguém. O conhecimento silencioso é a presença absoluta, a presença da realidade absoluta, embora não seja presença de nada e de ninguém.  Tudo é forma do sem forma, lampejos do absoluto.
Tudo o que há e é, não é outra coisa senão o “não dois” ou seja o Deus absoluto, Ele é e pronto. Ele é experimentado no silênciamento.
O conhecimento silencioso é a única e verdadeira raiz do amor incondicional a todos os seres. Só há amor e verdadeiro interesse quando se está morto antes de morrer, quando nos deixamos plenamente morrer. De modo que o caminho do silenciamento interior é o único caminho para o amor, o resto é confusão de boa vontade.
O caminho de uma espiritualidade leiga, procedente das grandes tradições religiosas da história é o caminho do serviço aos outros e é o maior serviço que se pode prestar.
Uma ponte é uma ponte quando passamos por ela e a esquecemos. “Deus” é um símbolo útil quando nos conduz plena e totalmente a esta realidade daqui; quando nos deixamos guiar por ele para o que aponta e depois nos esquecemos como entidade, ele é uma ponte.
Uma espiritualidade que nos afaste do amor pelas realidades que nos rodeiam é uma das piores perversões humanas, porque além de edificar nossa humanidade na irrealidade, engendra o menosprezo pelo que realimente existe e, com isso, rega a dureza de coração.
O conhecimento real e verdadeiro, o autêntico conhecimento silencioso espiritual, só ocorre quando não foge da realidade que há, com imaginações apoiadas em crenças. Esta é a grande tarefa a que precisamos nos propor no final de um encontro de oração: não fugir da realidade, tal como se apresenta, mas respeitá-la e amá-la.
Concluo com as palavras que John Main que usei na abertura: “alguns quiseram estabelecer uma oposição entre oração e atividade pública, na vida de trabalho, nas lutas sociais ou nas conquistas políticas”.
Maria é o exemplo de perfeita sintonia entre tudo isso: guardava todas essas coisas e as meditava no seu coração.
Magnificat!  
(Lucas 1, 46 – 55)

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