sábado, 31 de março de 2012

POR UMA IGREJA MAIS HUMANA

O TEXTO A SEGUIR É PARTE DE UM ARTIGO MAIOR NO QUAL TRATO DE QUESTÕES ÉTICAS DENTRO E FORA DA IGREJA.  TODAVIA,  APROVEITANDO A SEMANA SANTA E FACILITANDO A LEITURA COLOCO A SUA DISPOSIÇÃO APENAS UM TÓPICO DO TEXTO MAIOR, CUJA REFLEXÃO PODE AJUDAR A TODOS, LEIGOS, PADRES, CATÓLICOS E NÃO CATÓLICOS CELEBRAR A SEMANA SANTA COMO GRANDE MISTÉRIO DA FÉ CRISTA. tAL MISTÉRIO  DIZ RESPEITO AO MILHÃO DE HABITANTES DO PLANETA QUE ACEITA A VERDADE SOBRE JESUS EMBORA MUITAS VEZES, E COM TODA A RAZÃO, NÃO ACEITA A PALAVRA DA IGREJA.

Tratar das questões de moral pessoal sempre foi um marco forte de toda a doutrina da Igreja. O Concílio Vaticano II e recentemente a  Conferência de Aparecida insistem que a Igreja precisa e pode ir muito além desta dimensão no processo de instrumento a servilço do Reinado de Deus no mundo.

Certamente a Igreja tem olhado e aventado tais situações e possibilidades. Na mesma proporção em que tem silenciado sobre os escândalos no que se refere à moral pessoal, ela evita de fazer aparecer a crise ética que afeta outras instâncias e que alcança a moral social. Silenciar não é sinônimo de não enxergar, pelo contrário, muitas vezes buscar respostas no interior de si mesma ou com a ajuda da sociedade. Nessa direção se pode aplicar as palavras de VIESENTEINER 2010:

"Por fim, pensemos também na condição do homem consigo mesmo. Vivenciamos um processo de esgotamento generalizado de novas possibilidades com a vida, ou ainda, a falência da potencialidade humana em criar novas estimativas de valor. Através das palavras do “Adivinho” em Assim Falou Zaratustra, Nietzsche descreve muito bem o sintoma niilista de esgotamento de vida: “E vi uma grande tristeza descer sobre os homens. Os melhores deles cansaram-se de suas obras. Proclamou-se uma doutrina: ‘tudo é vazio, tudo é igual, tudo foi’. [...] Inútil foi todo o trabalho, veneno tornou-se o nosso vinho, um mau-olhado engelhou e amarelou nossos campos e nossos corações. Tornamo-nos todos secos; e, se caísse fogo sobre nós, seríamos reduzidos a cinza... Todas as fontes se nos enxugaram, também o mar retirou-se. O solo quer fender-se, mas o abismo não nos quer tragar! ‘Ah, onde há um mar, ainda, no qual possamos afogar-nos?’: assim soa o nosso lamento... Em verdade, já estamos cansados demais para morrer; agora continuamos acordados e vivendo – em câmaras mortuárias!” (Z, “O adivinho”). Nessa condição, o homem não apenas compra uma vida artificial ou violenta a natureza, mas também banaliza a si mesmo, tornando-se incapaz de resistir e inventar novas formas de vida. Incapazes de construir nossa própria felicidade, preferimos comprá-la em cápsulas na farmácia! Impotentes para criar nossos próprios valores, preferimos a massificação ditatorial e perversa dos valores com valor de nada!"

A começar pelo Santo Padre não faltam considerações a respeito das divisões no interior de Igreja que denotam a crise ética pela qual está passando, embora, como se sabe ainda não explorada pela imprensa. Este tema foi tratado de modo explícito no discurso que o Papa fez aos Bispos catarinenses e gaúchos por ocasião da  Visita Ad Limina , no ano de 2010:  

"Neste sentido, amados Irmãos, vale a pena lembrar que em agosto passado, completou 25 anos a Instrução Libertatis nuntius da Congregação da Doutrina da Fé, sobre alguns aspectos da teologia da libertação, nela sublinhando o perigo que comportava a assunção acrítica, feita por alguns teólogos de teses e metodologias provenientes do marxismo. As suas seqüelas mais ou menos visíveis feitas de rebelião, divisão, dissenso, ofensa, anarquia fazem-se sentir ainda, criando nas vossas comunidades diocesanas grande sofrimento e grave perda de forças vivas. Suplico a quantos de algum modo se sentiram atraídos, envolvidos e atingidos no seu íntimo por certos princípios enganadores da teologia da libertação, que se confrontem novamente com a referida Instrução, acolhendo a luz benigna que a mesma oferece de mão estendida; a todos recordo que «a regra suprema da fé [da Igreja] provém efetivamente da unidade que o Espírito estabeleceu entre a Sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja, numa reciprocidade tal que os três não podem subsistir de maneira independente» (João Paulo II, Enc. Fides et ratio, 55). Que, no âmbito dos entes e comunidades eclesiais, o perdão oferecido e acolhido em nome e por amor da Santíssima Trindade, que adoramos em nossos corações, ponha fim à tribulação da querida Igreja que peregrina nas Terras de Santa Cruz"
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 Parece que vão nesta direção as indicações de ajuda vindas dos mais diversos setores da sociedade, proferidas por pessoas que já estivarem nas fileiras eclesiásticas e por tantos outros filósofos e teólogos contemporâneos. O limite deste artigo impede a citação de muitos textos e nomes, mas é oportuno citar BOFF 2007 :

"As guerras não existem apenas no mundo. Dentro da igreja há também uma guerra de baixa intensidade. Ela faz muitas vítimas, com os instrumentos adequados da guerra religiosa, escondidos sob palavras não raro, piedosas e espirituais".

E diante dessa afirmação continua:

"Há bondade no mundo, como há maldade na Igreja. Importa é dialogar, intercambiar e aprender um do outro. A Igreja que evangeliza deve ela mesma ser evangelizada por tudo aquilo que de bom, honesto, verdadeiro e sagrado puder ser identificado na história humana. Somos naturalmente sincréticos na convicção de que em todos os caminhos espirituais há bondade para além dos desvios e que, definitivamente, tudo acaba em Deus. Por isso, a Igreja precisa renunciar a certa arrogância, ser mais humilde e confiar que o Espírito e o Cristo cósmico dirijam seus passos e os da humanidade por caminhos com sentido e vida".

Ou como afirma o teólogo Victor Codina :

"Todos desejaríamos que a Igreja fosse jovem, forte, vigorosa, ousada, criativa, primaveril, atraente… mas nós a encontramos cansada, pressionada, silenciosa, medrosa, quase muda. Parece-nos muito velha, às vezes quase tememos que tenha Alzheimer: recorda o passado, repete-o, mas parece que o que ocorre no momento lhe escapa, é quase míope para compreender as novas luzes que brilham e que exigem resposta. Outras vezes nos parece surda, não escuta os gritos e o vozerio de um mundo agitado e turbulento. Os jovens a abandonam cansados de ver seu estado deplorável; tão calada, tão passiva, tão torpe, tão pouco acolhedora. Outros a atacam violentamente, ferem-na, inclusive anunciam sua morte próxima: "é questão de tempo, é do passado, é uma relíquia anacrônica, é um objeto de antiquário". Outros querem rejuvenescê-la com técnicas artificiais, antioxidantes, contra as rugas. Mas ela não se deixa. Outros a veem suja, manchada, descuidada, abandonada, desprezada, como se ninguém cuidasse dela, tentando ajudá-la com carinho, é tão velha a pobre… Mas ela fica calada, medita em seu interior, recorda o passado, quando era jovem e pobre, quando a perseguiram, quando a coroaram como rainha e mestra, quando a uniram a príncipes e reis, quando todos diziam ser seus filhos. E ela sorri, pois sempre quis ser como no começo, fiel ao Espírito, singela, pobre, transparente, aberta a todos, fecunda, livre, evangélica, como seu Esposo, o Senhor. Agradece a seus filhos que quiseram que ela voltasse às suas origens, aos seus filhos fiéis, que nunca procuravam seu próprio proveito senão o do Senhor. É sábia, cheia de experiência, experiente em humanidade, sabe que há primaveras e também invernos; agora é inverno".

Certamente as palavras do teólogo em referência podem ser aplicadas a Igreja na atualidade:

"Quer abrir janelas, sacudir o pó de imperadores e reinos passados, quer respirar ares novos repletos de oxigênio mesmo sendo muito velha, mas muitos fecham apressados suas janelas, "com medo de que a velha se resfrie... Ainda que pareça silenciosa, muda e surda, no fundo escuta uma voz interior que lhe sussurra palavras de vida eterna. Quando nos parece cega, na realidade tem os olhos voltados para dentro, para o Senhor, seu Esposo que lhe dá força, dá-lhe seu Espírito para que nunca se desanime, não decaia, não perca a esperança, para aprender a viver novos tempos".

E Maria Clara Lucchetti Bingemer , escreve a partir das denuncias de pedofilia, sem deixar de fazer entender a amplitude da crise ética:

"Manter-se alerta e vigilante para agir de modo digno da vocação a que foi chamado é obrigação sua. Zelar para que tenha as condições objetivas de fazê-lo, não o expondo, nem à comunidade, a situações escandalosas é obrigação de seus superiores. Em situações como esta, impõe-se usar da mais total transparência, sem medo algum da verdade. Esta é a verdadeira caridade, que liberta o agressor no sentido de que faz apelo à sua consciência e preserva a comunidade de escândalos que só podem dividi-la e debilitá-la"

A proporção dos escândalos na Igreja é muito maior do que os noticiados referentes à pedofilia e exploração sexual de menores. Embora a imprensa não tenha tido acesso a essas informações elas merecem e algumas vezes são trabalhadas no interior da Igreja no sentido de serem corrigidas e coibidas. Todavia é isso que se denomina crise ética. São casos de improbidade administrativa como as que vez por outra é publicado  envolvendo dioceses e altas instâncias da Igreja, situações que colocam as dioceses à beira da falência, outras que não recolhem encargos sociais dos seus funcionários, enriquecimento ilícito, disputa de poder entre bispos, e no meio do clero; inveja e até falsidade ideológica. Todos esses casos preocupam e merecem ser tratados pelas instituições eclesiásticas.

Sobre as questões que envolvem inveja e disputa de poder na Igreja o Papa se pronunciou em suas alocuções no Vaticano e fora dele. Na audiência pública da quarta feira 03 de março 2010 Bento XVI falou sobre as virtudes de São Boaventura de Bagnoreggio recriminou  a inveja na Igreja dizendo: 

"Naqueles anos, em Paris, a cidade adotiva de Boaventura, começou uma violenta polêmica contra os Frades Menores de São Francisco de Assis e os Frades Pregadores de São Domingos de Gusmão. Discutia-se seu direito de lecionar na Universidade e se duvidava inclusive da autenticidade da sua vida consagrada. Certamente, as mudanças introduzidas pelas Ordens Mendicantes na forma de entender a vida religiosa, das quais falei nas catequeses anteriores, eram tão inovadoras que nem todos chegavam a compreendê-las. Acrescentavam-se também, como às vezes acontece entre pessoas sinceramente religiosas, motivos de fraqueza humana, como a inveja e o ciúme".

Segundo a AFP , em cerimônia de ordenação de novos presbíteros para a Diocese de Roma, realizada no Vaticano no dia 20 de junho 2010 o Papa Bento XVI se expressou assim:

"O sacerdócio jamais pode representar um meio para alcançar uma segurança ou conquistar uma posição social, afirmou Bento XVI, que parecia tenso e cansado para os jornalistas que assistiram a missa celebrada na Basílica de São Pedro. "Quem aspira o sacerdócio para aumentar seu prestígio pessoal e seu próprio poder interpreta equivocadamente o sentido de seu ministério".

Estas situações, na medida em que não recebem providências adequadas podem levar à sociedade fazer afirmações do tipo: “Deus é um delírio”, na medida em que também estes confundem a instituição religiosa como se estas fossem as criadoras ou proprietárias de Deus. É neste sentido que se pode aplicar o conceito de morte de Deus atribuído a Nietzsche : 

"Não ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã acendeu uma lanterna e acorreu ao mercado, e se  pôs a gritar incessantemente: “procuro Deus! Procuro Deus”? E como lá se encontrassem muitos daqueles que não criam em Deus, ele despertou com isso uma grande gargalhada. Então ele está perdido? Perguntou um deles. Ele se perdeu como uma criança? disse outro. Está se escondendo? Ele tem medo de nós? Embarcou num navio? Emigrou? Gritavam e riam uns para os outros. O homem louco se lançou para o meio deles e trespassou-os com seu olhar. “Para onde foi Deus?, gritou ele, “já lhes direi! Nós o matamos – vocês e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como conseguimos beber inteiramente o mar? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte? Que fizemos nós ao desatar a terra do seu sol? Para onde se move ela agora? Para onde nos movemos nós? Para longe de todos os sóis? Não caímos continuamente? Para trás, para os lados, para frente em todas as direções? Existem ainda em cima e embaixo? Não vagamos como que através de um nada e infinito? Não sentimos na pele o sopro do vácuo? Não se tornou ele mais frio? Não anoitece eternamente? Não temos que acender lanternas de manhã? Não ouvimos o barulho dos coveiros a enterrar Deus? Não sentimos o cheiro da putrefação divina? Também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos! Como nos consolar a nós assassinos entre os assassinos?".

Como se disse a crise ética que assola a Igreja precisa ser tratada em outros  aspectos sob pena de ter a imagem de ícone da ética quebrada de modo irreparável. Esta imagem pode ser parafraseada à que faz Miguel Arroyo  referindo-se à figura do professor:

"As figuras dos professores(as) (leia-se dos ministros e da Igreja)  aparecem para além de uma docência (serviço neutro) neutra, Não dá para separar a imagem docente (de ministro) da imagem humana. Nem como separar os saberes apreendidos dos valores, dos comportamentos, das condutas e dos hábitos, da ética, da auto estima, do orgulho, ou da humilhação, do estímulo de do preconceito (ARROYO 2009, p.242).

Não sem razão escreveu Dr. Antônio Moser como resposta para os escândalos de pedofilia, o texto que aplicamos para toda a crise ética a que se está referindo:

"Este é, sem dúvida, um momento doloroso para a Igreja. Contudo, este não é só um momento de dor e de sofrimento purificador. É também um momento privilegiado para assumir novas atitudes e abrir novos caminhos. Se é a “verdade que nos liberta”, estamos livres da inconsciência. Sabemos dos fatos, da doença, o que nos possibilita o inicio de um processo de cura. Agora que os segredos foram “proclamados sobre os telhados”, é o momento privilegiado para a busca comunitária de soluções, não só para os problemas da Igreja, mas também para os da sociedade" (REB, 278, abril 2010, p.434).

Os últimos tempos foram muito promissores no campo de revelar e até punir políticos e empreiteiros que agiram de má fé nos diversos “mensalões” que a mídia apontou em quase todas as instâncias políticas, sociais e unidades da federação. Não será hora da Igreja também aproveitar este momento para ir a luta responsabilizando também os cúmplices por outras violações éticas que atingem duramente a imagem da instituição sob o ponto de vista da ética e da moral social?

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