DIOCESE DE CAÇADOR - TEXTOS, ESTUDOS E COMENTÁRIOS

FRATERNIDADE E SAÚDE PÚBLICA

O tema que a Igreja Católica propõe para a quaresma de 2012 segue na direção do que foram as campanhas da fraternidade desde 1985, isto é, voltada para situações existências do povo brasileiro. Sob esta ótica as campanhas organizadas pela  CNBB, algumas delas em parceria com outras Igrejas Cristãs, dizem respeito à vida de todos os cidadãos independente de religião, credo, ou filosofia de vida. Pode-se dizer que elas tocam no âmago das relações humanas e das relações da humanidade com o transcendente.  Também, por isso, elas ganham uma importância muito maior.
A criatura humana, que se distingue dos outros animais por que possui “polegar indicador e tele-encéfalo altamente desenvolvido” sabe também que sua existência é muito mais complexa  do que a sua forma biológica, genética, fisiológica. Simultâneo às grandes descobertas científicas o ser humano tem consciência que depois da 13ª. partícula, que os estudiosos denominam “bóson de Higgs” e que, não sem razão, foi popularmente batizada de “partícula de Deus”, ainda sobra grandes desafios para se compreender o princípio primeiro que Aristóteles denominou de “motor não movido”.
Neste sentido ganha ainda mais importância o vocábulo Fraternidade, no sentido de “sororidade”, de responsabilidade para com o outro que é “frater” independente dos laços de sangue.  Eis porque o convite à conversão e à fraternidade com um olhar na saúde pública é uma responsabilidade da qual nenhum cidadão brasileiro tem o direito de se furtar.
Não é a primeira vez que uma campanha da fraternidade enfoca as questões da saúde, pelo menos outros três temas trataram especificamente da questão. Em 1981: “Saúde e fraternidade”; em 1984: “Fraternidade e vida”; 2008: “Fraternidade e defesa da vida”. Entretanto no contexto das campanhas dos últimos 20 anos, de algum modo, os temas apontaram a mesma direção.
O texto base de 2012, começa fazendo uma relação entre saúde, doença, salvação e bem-estar e para isso  cita uma definição: “saúde é um processo harmonioso de bem estar físico, psíquico, social e espiritual, e não apenas a ausência de doença, processo que capacita o ser humano a cumprir a missão que Deus lhe destinou, de acordo com a etapa e a condição de vida em que se encontre”(GPS, 2010, nn.6-7).
Isto significa dizer que saúde não é o estado daquele que não está doente, mas é o estado daquele experimenta a sensação de bem-estar, neste sentido,  o tema tem uma estreita relação com a educação, trabalho, remuneração, promoção das igualdades, do meio ambiente, da sustentabilidade, etc. Em outras palavras ser fraterno no que diz respeito às questões de saúde implica no exercício da caridade que impulsionou Jesus de Nazaré, cuja ação foi sempre voltada para o bem estar de todos por onde andava.
Assim a fraternidade ganha um componente ainda não claramente compreendido e que se denomina princípio da subsidariedade, ou seja da cooperação construtiva, razão pela qual todas as instituições precisam dar sua parcela de participação e o estado por sua vez permitir que esta cooperação lhe seja útil naquilo que é sua responsabilidade: garantir o acesso universal ao bem estar de toda a população. A subsidariedade de que fala a CF 2012 aponta para a colaboração de todos na implementação das políticas de saúde e do seu efetivo controle social.
As palavras dos Bispos do Brasil, como um apelo para a Igreja, podem ser entendidas como missão e tarefa de todos os cidadãos, quando afirmam:
“A Igreja no Brasil sabe que ‘nossos povos não querem andar pelas sombras da morte. Têm sede de vida e felicidade em Cristo’. Por isso proclama com vigor que ‘as condições de vida de muito abandonados, excluídos e ignorados em sua miséria e dor, contradizem o projeto do Pai e desafiam os discípulos missionários a maior compromisso a favor da cultura da vida”. (DGAE n.66)
Esta expressão dos bispos pode ser sintetizada na célebre frase do saudoso Ulisses Guimarães quando em 1988, ao promulgar a constituição brasileira, proclamou: “Mais miserável do que a miserabilidade é uma sociedade que não consegue acaba com ela”, e que o atual governo adota como seu slogan: “Pais Rico é País sem Pobreza”.  De algum modo estas três afirmações apontam para a fraternidade na sua relação com a saúde entendida como “bem estar”.
A campanha da fraternidade encontra sua sustentação desde a ótica sociológica nas oito (8) metas que a ONU, em 1990, estabeleceu para o milênio:
a)    Reduzir pela metade o número de pessoas que vivem na miséria e passam fome;
b)    Educação básica de qualidade para todos;
c)    Igualdade entre os sexos e mais autonomia para as mulheres;
d)    Redução da mortalidade infantil;
e)    Melhoria da saúde materna;
f)    Combate a epidemias e doenças;
g)    Garantia da sustentabilidade ambiental;
h)    Estabelecer parcerias mundiais para o desenvolvimento.
O texto base grifa as metas D,E,F e G em estreita sintonia com o tema desta campanha,  cita também  dados da revista THE LANCET, que aponta o Brasil como um dos países  em que a mortalidade infantil teve maior redução nos últimos anos. Esta revista atribui este mérito ao SUS, todavia não pode ser olvidado o trabalho pioneiro e consistente da Pastoral da Criança. As metas, D, E, e F, são bases de todo o trabalho dos voluntários da Pastoral da Criança praticamente desde a sua fundação, não sem razão em todos eles nota-se avanço significativo.
O  sétimo objetivo (G) sustentabilidade ambiental, ainda parece ser o que mais exige um comprometimento por parte das instituições e da própria Igreja, e porque não dizer de todos os cidadãos. A sociedade vive um paradoxo em relação a esta questão que não foi  absorvida pela consciência coletiva. Ou seja, ao mesmo tempo em que muito mais gente tem acesso às tecnologias de ponta, celulares de última geração, carros de último modelo, mais de um carro por família, substituição freqüente de eletro-eletrônicos, não se dá conta que esta desenfreada corrida consumista é ao mesmo tempo um agravante no que se refere à saúde e ao bem estar do ser humano na atualidade e causa um grave comprometimento da vida futura no planeta.
O atual panorama da saúde no Brasil dispensa outros comentários e considerações, embora o texto base faça uma boa explanação, mas no que se refere propriamente à fraternidade  a saúde não se pode deixar de ter em conta que o Brasil é um dos poucos países do mundo que mantém um programa universal de saúde, não obstante seus limites e fragilidades. Do ponto de vista da caridade operativa, como se tem  denominado a atitude de Jesus de Nazaré, é importante ter em conta que o atual sistema de saúde peca ainda por não colocar ao alcance de todos os cidadãos os avanços, tecnologias, e conhecimentos que a  ciência medica já tem disponível no  Brasil.
Interiorizar, a saúde pública, os recursos, os profissionais de saúde, naturalmente com a correspondente valorização de todos é um desafio que o poder público precisa aceitar como subsidariedade das instituições e da iniciativa privada e neste sentido se torna uma questão de fraternidade e promoção da vida como tarefa de todos os cidadãos.
Outras grandes preocupações relativas à saúde pública são apresentadas pelo texto base da CF 2012 em seis áreas que se caracterizam como necessitadas de cuidados urgentes:
a)    Doenças não transmissíveis;
b)    Doenças Transmissíveis;
c)    Fatores de Risco modificáveis;
d)    Dependência Química;
e)    Causas externas;
f)    Saúde bucal.
Não fogem da preocupação da CF 2012 os números do atual sistema de saúde, dando particular importância para o empenho e acompanhamento da chamada PEC 29, que quando o texto base da CF teve sua redação final, ainda não estava aprovada. Neste sentido há que se considerar um avanço no que se refere a determinantes sociais na saúde, sobretudo, em relação ao financiamento sem a criação de um novo imposto.
A PEC 29 ao definir as despesas que integram e não integram os serviços públicos de saúde aponta para  a possibilidade de mais amplo acesso aos recursos da saúde que é um dos princípios constitutivos do SUS .

QUE A SAÚDE SE DIFUNDA SOBRE A TERRA (Eclo. 38,8)
Servindo-se da sabedoria popular o livro do Eclesiástico aponta para uma atitude de responsabilidade e resistência às formas de não valorização da auto-estima  e sabedoria popular. Dentre todos os tópicos apontados no texto base para justificar a escolha deste lema, preferimos nos ater ao que se chama “paradigma do cuidado”.  Tal condição é aplicável a todos os que se dedicam ao serviço de promoção da vida sejam eles profissionais do campo da saúde, do sistema político de gerenciamento, daqueles que se empenham a educação, na assistência social, e na preservação e sustentabilidade do planeta.
A ninguém é dado o direito de ficar inerte diante de alguém que necessita de acolhimento, de cuidado e de proteção. É neste sentido que a Parábola do bom Samaritano (narrada no evangelho de Lucas capítulo 21)  é aplicável a todos os que se reconhecem “irmãos”  não obstante as diferenças  e  motivações sociológicas que redundam em tal condição. As palavras do Beato João Paulo II, citadas no texto base, são suficientes para compreender o alcance sociológico do que significa este paradigma:
“Esta parábola, em si mesma, exprime uma verdade profundamente cristã e, ao mesmo tempo, muitíssimo humana universalmente. Não é sem motivo que até na linguagem corrente se designa  obra de bom samaritano qualquer atividade em favor dos homens que sofrem ou precisam de ajuda” (SD, n. 29).
Para os cristãos, particularmente católicos, participar da liturgia da Igreja e não se deixar “enxarcar” pelo comprometimento com o sofrimento alheio se constitui numa falsa religiosidade e numa oração que pode ser caracterizada como carente de espiritualidade e desprovida de mística.  Sob a ótica do cuidado específico com os doentes e sofredores a Igreja, e todos os seus membros, é chamada a fazer aquilo que inspira o sacramento da Unção dos enfermos:
“A unção dos enfermos não é um sacramento pontual e isolado, que se celebra de forma quase mágica, numa UTI, a um moribundo totalmente inconsciente. Pelo contrario, é um sacramento eclesial que, além de comprometer toda a Igreja, é também o ápice de um processo em favor e a serviço dos irmãos enfermos de uma comunidade. Faz parte do ministério de cura que atualiza e significa a presença do Reino no hoje das pessoas” (Texto Base 2012, n.215).
Certamente à medida que esta compreensão do sacramento da unção for mais clarificada na dinâmica da evangelização e da pastoral, aos poucos, a Igreja adotará uma nova postura em relação a este sacramento no que se refere à sua dimensão de promoção da vida.

TRANSFORMAR-SE PARA TRANSFORMAR

O que em outras edições da CF se chamava Agir, nesta campanha se adota a expressão indicações para a ação transformadora. Obviamente que para que existam ações transformadoras há que se transformar primeiro as pessoas. Vale aqui o provérbio popular: “O mundo muda se nós mudamos”. Reconhecer-se irmão de todos é muito mais do que professar a mesma fé, freqüentar a mesma Igreja, fazer juntos as mesmas orações.
Compreender-se membro desta comunidade “sororal” implica atitudes de comprometimento:
a)    Pela construção de uma sociedade solidária;
b)    Pela dimensão comunitária;
c)    Pela dimensão político institucional.
Todos e cada um precisam desenvolver o conceito de viver e morrer com dignidade. Tal conceito aparece na citação:
“A missão de ser testemunhas do amor de Deus através da proximidade, do diálogo, da oração, do acompanhamento e exercício da caridade é a de todo batizado e, de maneira especial, dos que professam o carisma da misericórdia” (Texto Base CF 2012, n. 248).
A guisa de conclusão é necessário afirmar que fazer a experiência da fraternidade em relação à saúde consiste na capacidade de unir todos os seres humanos, mesmo que estes não percorram os mesmos caminhos, mas sejam capazes de se reconhecer filhos do mesmo Pai, ou tendo origem se assim se preferir na chamada “Partícula de Deus”.
Na perspectiva da utopia da construção do Reinado de Deus também por meio de um adequado funcionamento dos programas públicos de saúde, que no texto base se lê: “Em nossas terras o SUS tem que funcionar muito bem e devemos colaborar nesta direção” (Texto Base CF 2012, n. 257).
Por isso mesmo como indicação transformadora que a CF sugere pede que se organize, ou reorganize a Pastoral da Saúde levando em conta três dimensões:
a)    Solidária;
b)    Comunitária;
c)    Político institucional.
Do ponto de vista da solidariedade sugere-se uma presença junto ao enfermo em seu leito de dor, atitude típica de Jesus de Nazaré e expressa na parábola do Bom Samaritano. Sob a ótica comunitária aparece o indicativo para um trabalho educativo e preventivo em relação às enfermidades comuns e à valorização da sabedoria popular. Na dimensão política a Pastoral da Saúde precisa desenvolver um trabalho de conscientização dos direitos e deveres, com uma adequada aproximação com as instituições de ensino e saúde. Neste particular um indicativo interessante será o conhecimento da cartilha publicada pelo Tribunal de Contas da União, com o título:  “Orientações para conselheiros de Saúde”, na página 15 desta cartilha se lê: "Sabemos que a participação popular é difícil, mas a construção de uma sociedade melhor, mais justa e democrática se faz com a participação de todos. É por isso que o controle social deve ser incentivado e vivido no dia a dia, como exemplo de cidadania para a comunidade".
As indicações em relação à morte com dignidade, à formação dos agentes da Pastoral da Saúde, à Cooperação com o Sistema Público de Saúde, a integração da família no plano da saúde preventiva, o estabelecimento de canais de efetiva participação nas entidades representativas, dentre elas, os Conselhos Municipais da saúde e de modo imediato o acesso e atendimento dos doentes da rede pública de saúde, na gestão do sistema de saúde pública, e o financiamento e correta aplicação dos recursos destinados à saúde.
Certamente, se pelo menos algumas destas ações forem assumidas com coerência pela Igreja não faltarão resultados positivos e sinais evidentes de conversão, os quais serão testemunhas da conversão que a penitência, o jejum, a oração e a esmola, gesto típicos a quaresma, podem realizar na vida dos fiéis e de toda a sociedade em geral.

ABREVIATURAS E SIGLAS
CF – Campanha da Fraternidade.
CNBB -  Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
DGAE – Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora.
GPS – Guia Para a Pastoral da Saúde na América Latina e no Caribe.
ONU – Organização das Nações Unidas
PEC 29 – Proposta de Emenda Constitucional.
SD – Carta Apostólica Salviciti Doloris.
SUS – Sistema Único de Saúde.

Texto elaborado pelo Padre Elcio Alberton a partir do Texto Base da CF 2012.


PROPOSTA PARA FORMÇÃO INICIAL DAS EQUIPES DA MATRIZ
PARÓQUIA IMACULADA CONCEIÇÃO  VIDEIRA

Objetivos: Proporcionar, para as equipes da matriz, formação básica sobre o trabalho de equipe e os passos para a preparação da liturgia.
                    Facilitar às equipes o conhecimento teológico da liturgia e da celebração contribuindo para a superação dos conceitos: “pode não pode”, “certo x errado”, “litúrgico não litúrgico”.
                    Promover o conhecimento das partes da missa com a devida compreensão da Missa como Memória da Jesus na vida da assembleia celebrante.

Estratégias: Realização de quatro encontros com duração de 2 horas cada encontro, durante quatro semanas, com a apresentação dos conteúdos e exercício de preparação da celebração seguinte a partir do conteúdo estudado.

Cronograma: Novembro/ dezembro 2011.

Metodologia: Durante 90 minutos os cursistas interagem à exposição do professor em seguida, por 30 minutos, preparam a celebração do domingo seguinte fazendo uso do conteúdo aprendido.

I – CONCEITOS
A palavra liturgia tem sua origem numa expressão grega que significa “serviço de alguém em favor de outro”. Neste sentido as equipes de liturgia merecem ser constituída e compreendidas na condição de pessoas que se colocam a serviço das comunidades para executar um serviço que faça bem, que seja do interesse de todos. Sob esta ótica é a equipe quem devem se adequar às necessidades, capacidades, interesses, desejos e condições da comunidade e não o contrário.
O vocábulo “Celebração”, de origem Latina significa: “tornar célebre”. Neste sentido o serviço prestado pela equipe litúrgica não se constitui em um serviço qualquer. Pelo contrário, a ação destes é uma atividade que precisa levar a comunidade reunida “celebrar”, ou seja, tornar inesquecível uma determinada ação.
Dito isto, tem-se a resposta para os primeiros questionamentos e angústias das equipes. O que é certo ou errado? O que é litúrgico ou não é litúrgico? A resposta que precisa ser buscada é a seguinte: “A comunidade que estava reunida celebrou o mistério para o qual se encontrou? Aqueles que participaram da reunião comunitária sentiram arder seus corações ao final do evento? O Serviço litúrgico prestado pela equipe foi um ato célebre? Memorável?”.
Só depois disto se leva em conta as normas e orientações litúrgicas que tem sua função na medida em que são uma resposta para estas necessidades.
Conforme escreveu São Paulo: “A letra mata, o Espírito vivifica” (Cf. 2Cor 3-6). É ainda extraordinária a resposta que Jesus dá à Mulher Samaritana quando esta lhe interroga sobre o lugar onde se deve adorar: “Acredite-me mulher, dias virão em que nem neste monte nem em Jerusalém... os verdadeiros adoradores adoram o Pai em Espírito e em Verdade...” (Cf. Jo 4, 1-30).
            Ainda que limitadas, estas duas citações ajudam a responder a angústia sobre quem é o responsável ou qual é a melhor regra para esta ou aquela celebração. Ou se é o padre, o cantor, o ministro, o sacristão ou o coroinha o responsável pelo êxito ou pelo fracasso da uma determinada ação litúrgica.
            Para ajudar na compreensão do papel da equipe e a finalidade da celebração é sugestivo conhecer melhor o texto dos discípulos de Emaús.
II -  FUNDAMENTAÇÃO BIBLICA
LUCAS 24, 13-35
PARTES DA MISSA
No primeiro dia da semana, dois homens iam de Jerusalém para Emaús...
No domingo as comunidades se reúnem, as pessoas vêm de todos os lugares para a Igreja.
Enquanto caminhavam conversavam sobre tudo o que havia acontecido naqueles dias...
Cada pessoa traz suas motivações, intenções, necessidades, agradecimentos, preocupações...
De repente o próprio Jesus se aproxima...
A celebração tem inicio com acolhida de todos por parte da equipe.
Jesus explica as escrituras, desde Moisés até os profetas...
A Igreja proclama a Palavra (Fazem-se as leituras); Deus fala!
Jesus fez de conta que iria mais para frente, mas os dois insistiram: “Senhor fica conosco!”
A assembleia eleva as preces  e orações comunitárias.
Jesus entrou e se pôs à mesa com eles, elevou as orações de ações de graças.
A comunidade apresenta as oferendas, prepara o altar e faz ação de graças.
Jesus Partiu o pão e os olhos dos discípulos se abriram
Aquele que preside Parte o Pão e a comunidade reconhece o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo!
Os discípulos sentiram arder seu coração...
Os que estão reunidos sentem uma alegria profunda. Cristo lhes tocou o coração.
Imediatamente se levantam e voltam à Jerusalém e contam o que viram e ouviram.
A assembleia se desfaz, cada pessoa vai para a sua casa, para o seu trabalho, para a sua “Jerusalém” e contam o que viram e ouviram.

            Ora, para que a ação litúrgica se torne célebre e  que as pessoas voltem para suas casas com o coração ardendo é preciso ter em conta algumas regras. Ou seja,  levar em consideração algumas condições básicas de comunicação e ter presente algumas orientações litúrgicas, as quais muito mais do que regras e normas servem de balizas para uma mais coerente ação das equipes e que leve a comunidade celebrar “consciente, ativa e frutuosamente” conforme lembra o Concílio Vaticano II.

III – A MISSA PARTE POR PARTE         
PARTES
ELEMENTOS
SUGESTÕES
RITOS
INICIAIS
Acolhida...
Procissão de abertura...
Canto...
Saudação do Presidente...
Ato penitencial...
Hino de louvor...
Oração do dia...
Equipe de acolhida - Distribuem os folhetos, cumprimentam as pessoas, dão informações, preparam lugar para pessoas com necessidades especiais.
Animador – Cumprimenta os presentes com alegria, dando as “manchetes” da celebração. Não conta o enredo, nem dá explicações sobre o filme, muito menos dá lições de moral ou bronca nas pessoas.
Cantores – Entoam um hino que toda a assembleia se sinta envolvida e participante. Comunicam-se com os presentes e param de cantar assim que a assembleia estiver sintonizada.
Presidente – Saúda a comunidade. Não faz discurso, nem repete o que já  foi dito pela pessoa que fez a animação. É Muito sugestiva a fórmula proposta no Missal: Sinal da Cruz e saudação apostólica. Depois desta fica bem desejar as boas vindas aos presentes e introduzir o pedido de perdão em forma de oração.
Cantores – Em perfeita sintonia com o presidente entoam o Hino de Louvor sem outras interrupções, explicações ou monições. Afinal o hino de louvor é a assembleia repetindo o canto dos Anjos que louva o Pai e o Filho enaltecendo-lhes as qualidades que lhe são próprias.
Oremos – O presidente faz o convite para a oração, ao qual a assembleia responde em silêncio. Em seguida o que preside faz a oração
RITO DA
PALAVRA
Acolhida do Livro (opcional)
Primeira Leitura
Salmo
Segunda Leitura
Aclamação
Evangelho
Homilia
Preces
Leitores – (pode ser também um grupo preparado para isso) Este(s) em sintonia com a equipe de canto pode fazer uma coreografia para valorizar o livro da Palavra que é levado até a “Mesa da Palavra” de onde se proclama as leituras.
Salmo – A palavra significa ‘Oração cantada’. Bom seria que fosse sempre entoado por um solista da mesa da palavra. A ação deste pelo seu porte do corpo, seus gestos, seu semblante, sua voz, convida a assembleia para a repetição do refrão.

Evangelho – O presidente, o diácono, o concelebrante proclama o Evangelho que é seguido da homilia.
Entre cada uma das leituras um singelo, mas significativo momento de silêncio.
É muito sugestivo que ao passar diante do altar aqueles que realizam alguma ação litúrgica façam a inclinação. O altar representa o Cristo cabeça da Igreja.
Oração dos fiéis – A comunidade precisa se sentir valorizada e ver seus pedidos incluídos neste momento.
RITO
EUCARÍSTICO
Apresentação das oferendas
Ação de graças
Pai Nosso
Comunhão
Preparação do altar – Aquele que preside, ou seu auxiliar prepara o altar. É muito sugestivo que receba as oferendas sobre as quais serão dado graças e depois repartidas.
Cantores – Entoam um hino de bendição.
Presidente – Proclama a ação de graças da qual a assembleia participa com o canto do santo, as respostas da oração eucarística, a aclamação memorial e o Amém Final.
Presidente – (pode ser o diácono ou um concelebrante) convida para a oração do Pai Nosso. Proclama a oração da paz; parte o pão e convida para a mesa eucarística.
Cantores Entoam um hino que estimule o convite para a mesa.
SILÊNCIO – Depois da comunhão é muito sugestivo calar. Caso o grupo de cantores se sinta preparado pode sussurrar alguma canção que ajude rezar. Pode ser também o toque suave de algum instrumento, sobretudo nas missas pelo rádio.
Oremos – A comunhão se encerra com a oração proclamada pelo presidente. Antes desta oração não é oportuno fazer mensagens, comentários, avisos, etc.
FINAIS
Homenagens...
Avisos...
Bênção...
Despedida...
Canto...
Se houver alguma homenagem, (ao santo padroeiro; para pessoas em diferentes circunstâncias; mensagem aos dizimistas, etc.).
Avisos...
O Canto de despedida, não é adequado ser denominado de canto final. Final é a saudação do presidente, ou do diácono, em seguida sem outras palavras ou anúncios a equipe faz o canto.



ISTO É MEU CORPO COMEI...
“Após ir a uma missa comecei a pensar a respeito da Eucaristia, pois ao ir comungar o Padre falou o seguinte:
Jesus Cristo, ao qual respondi Amém.
Na Eucaristia nós recebemos o corpo e o sangue de Jesus Cristo, o qual nós ingerimos.
Gostaria de saber se é ou não canibalismo, pois estamos comendo o Corpo e Sangue de Cristo?
Se puderem, esclareça a minha dúvida.
ass: Jhordan 12 anos”

            O comentário a cima recebi no meu blog e preferi não publicá-lo no texto em que foi postado, mas procurarei ajudar o “inquieto” Jhordan a melhor compreender a Eucaristia. Quem sabe esta dúvida seja comum a muitos na sua idade. Espero poder responder com palavras simples um tema tão complexo. A preocupação do Jhordan não deixa de ter fundamento a partir do significado da palavra canibalismo, na medida em que esta é entendida desde a raiz grega da palavra antropofagia.                                                Anthropos = Homem;  Phagein = Comer.
  No uso comum a palavra foi sendo substituída pelo termo em questão: canibalismo que significa o ato de consumir parte dos corpos dos seus amigos e parentes mortos. Todavia, na medida em que o termo antropofagia é aplicado no contexto cerimonial ou religioso ele não pode ser entendido como canibalismo. Em distintas tribos o costume de comer a carne dos seus semelhantes tem se constituído num ritual religioso de prestar culto, respeito e desejo de adquirir as características da pessoa cuja carne serve de alimento.
             Pois é neste sentido que convido o Jhordan e a todos quantos se inquietam com a pergunta feita por ele  a me acompanhar nesta breve reflexão. Vamos lá!
             Comer o corpo de Cristo pode ser considerado canibalismo?
Antes de tudo canibalismo consiste em devorar com ferocidade o semelhante que se encontra indefeso ou morto. Não é este o caso que se dá em relação ao Corpo de Cristo, pelo contrário ele mesmo se dá em comida e bebida e se dá livremente. Ele mesmo declarou: “Ninguém tira a minha vida eu a dou livremente”.
A segunda verdade a ser compreendida em relação à Eucaristia consiste em compreendê-la no contexto da memória do sacrifício oferecido por Cristo ao Pai. Na celebração da Eucaristia não se faz um novo sacrifício do Filho de Deus, cujo corpo ser recebe em comunhão. A Missa é uma celebração memorial, que não é também uma simples lembrança, trata-se de viver na plenitude todo o significado de oferenda feita por Jesus do seu corpo e sangue, mas, sobretudo, da sua vida inteira ao Pai por causa da humanidade.
Terceiro, o corpo de Cristo que se comunga não pode ser reduzido à dimensão física, por isso mesmo parece muito sugestivo que na hora da comunhão o ministro que lhe entregou a Eucaristia tenha lhe apresentado o pão consagrado e lhe feito, quase em forma de pergunta: Isto é Jesus Cristo, você aceita? E você respondeu Amém, cuja palavra significa, “é isso mesmo, eu aceito”.
De modo que na comunhão o que se recebe não é o corpo de Cristo no seu sentido estritamente carnal, mas o Corpo de Cristo na sua totalidade, isso é, na sua dimensão humana, mas também divina, transcendental, que vai muito além da sua condição física.
Comer o Corpo de Cristo, de modo nenhum se constitui uma atitude antropofágica, canibal. Muito pelo contrário, é possível dizer que a comunidade cristã se alimenta do Corpo de Cristo para lhe prestar uma homenagem em relação ao que Ele fez pela humanidade, é ao mesmo tempo uma disposição para fazer o que ele mesmo fez: “Se Eu, o mestre e Senhor, lavei os seus pés, vocês devem fazer a mesma coisa que eu fiz”. Ou seja, receber o Corpo de Cristo é colocar-se a serviço de todos em vista de um mundo melhor e mais fraterno.
           Neste sentido longe de ser uma atitude feroz e violenta, comungar Jesus Cristo é um gesto de ternura o qual matem uma íntima relação com toda a razão de ser da Igreja, isto é, Vocação para o serviço.
          Caro Jhordan espero ter sido claro e ajudado a compreender melhor a Missa que você participa e a Eucaristia que lhe serve de alimento, a fim de ser sempre melhor e mais fiel discípulo de Jesus a serviço da vida e da esperança.






LITURGIA E ESPIRITUALIDADE:
RELAÇOES DE GÊNERO E COMPROMISSO SOCIAL.
Elcio Alberton[1]
RESUMO
O tema deste artigo é objeto da participação do autor no Congresso de Teologia, Gênero e Expressões na PUCPR em outubro de 2011. Fazendo uma retrospectiva desde a origem do termo liturgia, o artigo faz um percurso sobre a espiritualidade e o compromisso social nas relações de gênero. Tendo como base a liturgia realizada por Deus e por Jesus, sugere que as liturgias da Igreja, em concordância com os documentos e estudos teológico-litúrgicos ao longo dos séculos sejam verdadeiramente experiências espirituais comprometedoras e transformadoras uma vez que elas pertencem ao povo sacerdotal independente de gênero e pela qual os seres humanos mortos para o pecado e conformados com Cristo “já não vivam para si mesmos, mas para aquele que morreu e ressuscitou por eles” (2 Cor 5, 15).

Palavras-Chave: Espiritualidade, Liturgia, Compromisso social, Relações de gênero.



ABSTRACT

LITURGY AND SPIRITUALITY:
GENDER RELATIONS AND SOCIAL COMMITMENT.

The theme of this article is subject of the author’s participation in the congress of – Theology, Gender and Expressions – at PUCPR in October, 2011. Making a retrospective from the origin of the liturgy word, the article deals with spirituality and social commitment in regard to gender. Having its support in the liturgy carried out by god and Jesus, it suggests that the church’s liturgies, in accordance with theological/liturgical documents and studies, throughout the centures, might be truly committing and transforming spiritual experiences, since they belong to the people who participates of the Christ’s priesthood, irrespective of gender. By these committing and transforming experiences the human beings are dead for the sin and conformed in Christ since: “He indeed died for all, so that those who live might no longer live for themselves but for him who for their sake was raised” (2nd Cor 5,15).

Keywords: spirituality, liturgy, social commitment, relations of gender.
INTRODUÇÃO
A origem grega da Palavra Liturgia – λειτουργία - nos remete ao conceito mais elementar do termo.  Na medida em que o significado é compreendido como serviço público em favor de alguém se entende como um “serviço indispensável”.  É também sob esta ótica que dizemos ser Deus o primeiro liturgo, isto é, quem primeiro executou uma obra. A liturgia realizada por Deus é narrada no primeiro capítulo do Gênesis, culminando com a criação do ser humano como sua imagem e semelhança a quem atribuiu a responsabilidade de continuar o serviço que Ele mesmo havia começado. No capítulo 1, 28 do Gênesis se lê: “Deus os abençoou, dizendo: Tenham muitos filhos, espalhem-se por toda a terra e a dominem”. Erroneamente aquele que foi criado para ser parecido com Deus, não precisamente no seu aspecto físico, mas no compromisso e interesse pela obra da qual foi feito parceiro, interpretou, ao longo do tempo, a expressão dominar não na condição de parceiro que trata com responsabilidade. E em lugar de fazer λειτουργία, comeu da árvore cuja atitude lhe fez experimentar a morte, a dor e o sofrimento (Gênesis 2,17) cuja consequência o texto a seguir destaca:

Esse enunciado bíblico indica ao homem e à mulher que podem usufruir dos bens do jardim, desde que mantenham a ordem que é de caráter superior e aponta para a justiça e a solidariedade, dentro da terra em vista da coletividade. A não observância desta advertência implica em morte. Comer da árvore não recomendada significa que as pessoas se fazem dominadoras, instalam um sistema destruidor, e na condição de senhores e senhoras do bem e do mal, acabam destruindo tudo, inclusive a si mesmos, instalando um conflito no lugar de uma vida solidária (CF 2011, p.64).

Deus, entretanto, não se deu por vencido, nem tampouco desistiu da sua vocação de liturgo. Repassando todo o Antigo Testamento é possível reconhecer a ação de Deus e seu compromisso com o gênero humano em inúmeras ocasiões. O profeta Isaias anuncia a pré-disposição litúrgica de Deus ao afirmar: “Será que uma mãe pode esquecer o seu bebê? Será que pode deixar de amar o seu próprio filho? Mesmo que isso acontecesse, eu nunca esqueceria vocês” (ISAIAS 49, 15).
E Deus completa sua obra quando envia o seu próprio Filho, sendo este o maior serviço – λειτουργία que o criador fez em favor da espécie humana.

Antes de ser criado o mundo, aquele que é a Palavra já existia. Ele estava com Deus e era Deus. Desde o princípio a Palavra estava com Deus. Por meio da Palavra Deus fez todas as coisas e nada do que existe foi feito sem ela (JOÃO 1, 1-3).

No exercício da sua função de liturgo Deus, desde o princípio, estabeleceu sempre uma relação muito próxima com a sua criatura, valorizando a contribuição de ambos os Gêneros que havia concebido. Deste modo São Paulo afirma sobre o nascimento do Filho: 

Mas quando chegou o tempo certo, Deus enviou o seu próprio filho, que veio como filho de mãe humana e viveu debaixo da lei, para libertar os que estavam debaixo da lei, afim de que nós pudéssemos nos tornar filhos de Deus (GÁLATAS 4, 4- 5).

E de fato em Jesus Cristo a humanidade pode conhecer o jeito de Deus fazer liturgia conforme Ele mesmo declarou: As coisas que eu faço, as quais o meu Pai me mandou fazer. Elas dão testemunho a favor de mim e provam que o Pai me enviou” (JOÃO 5, 36).
Fazer a vontade daquele que lhe enviou é a missão de Jesus, a qual Ele realiza com unção, com paixão, com determinação. A isso se denomina também espiritualidade. E do ponto de vista da liturgia se pode afirmar que se trata de espiritualidade litúrgica.

CONCEITOS E APLICAÇÕES DOS VOCÁBULOS
Para discorrer melhor sobre a Espiritualidade da Liturgia é importante também partir da raiz do termo latino "spiritus" que foi traduzida pela vulgata da expressão  grega  "pneuma” (πνευμα)  e  que se refere  a "alma", "coragem", "vigor". Pois foi neste sentido que o enviado de Deus, exerceu a sua liturgia num tempo histórico e num contexto sociológico conhecido, e que não é objeto deste artigo.
Para levar a efeito obra tão importante, o Filho de Deus constituiu um discipulado e se fez seguir por grupos significativos de pessoas que acreditavam e imitavam o seu modo de fazer liturgia. No que concerne às relações de gênero, são diversas as manifestações de disposição que homens e mulheres fazem declarando sua adesão projeto do enviado. Para enumerar apenas algumas: A mulher que sofria de hemorragia (Mateus 9, 18ss); A mulher estrangeira (Mateus, 15, 21ss);  Marta e Maria, irmãs de Lázaro (João 11, 38ss); e uma mulher sem nome, conhecida apenas como Samaritana (João 4, 1ss).
A partir da pessoa e da atitude da Mulher Samaritana  é possível fazer uma rápida, mas profunda reflexão sobre uma das dimensões importantes da liturgia no que concerne ao comprometimento social e às relações de gênero. No capítulo 4 de João, onde se lê a perícope fica claro o comprometimento de Jesus e da Mulher:

Jesus chegou a uma cidade da Samaria, chamada Sicar, perto do terreno que Jacó tinha dado ao seu filho José. 6 Era aí que ficava o poço de Jacó. Cansado da viagem, Jesus sentou-se junto ao poço. Era por volta do meio-dia. 7 Chegou uma mulher da Samaria para tirar água. Jesus lhe disse: 'Dá-me de beber'. 8 Os discípulos tinham ido à cidade para comprar alimentos. 9 A mulher samaritana disse então a Jesus: 'Como é que tu, sendo judeu, pedes de beber a mim, que sou uma mulher samaritana?' De fato, os judeus não se dão com os samaritanos. 10 Respondeu-lhe Jesus: 'Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é que te pede: 'Dá-me de beber`, tu mesma lhe pedirias a ele, e ele te daria água viva.' 11 A mulher disse a Jesus: 'Senhor, nem sequer tens balde e o poço é fundo. De onde vais tirar a água viva? 12 Por acaso, és maior que nosso pai Jacó, que nos deu o poço e que dele bebeu, como também seus filhos e seus animais?' 13 Respondeu Jesus: 'Todo aquele que bebe desta água terá sede de novo. 14 Mas quem beber da  água que eu lhe darei, esse nunca mais terá sede. E a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte de água que jorra para a vida eterna.' 15 A mulher disse a Jesus: 'Senhor, dá-me dessa água, para que eu não tenha mais sede e nem tenha de vir aqui para tirá-la.' A mulher disse a Jesus:  'Senhor, vejo que és um profeta! 20 Os nossos pais adoraram neste monte mas vós dizeis que em Jerusalém é que se deve adorar'. 21 Disse-lhe Jesus: 'Acredita-me,  mulher: está chegando a hora em que nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai.  22 Vós adorais o que não conheceis. Nós adoramos o que conhecemos, pois a salvação vem dos judeus. 23 Mas está chegando a hora, e é agora, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade. 25A mulher disse a Jesus: 'Sei que o Messias (que se chama Cristo) vai chegar. Quando ele vier, vai nos fazer conhecer todas as coisas'. 26 Disse-lhe Jesus: 'Sou eu, que estou falando contigo'. 28 Então a mulher deixou o seu cântaro e foi à cidade, dizendo ao povo: 29'Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz. Será que ele não é o Cristo?' 

No diálogo travado entre o Liturgo do Pai e a Mulher representante de um povo que tinha sede de conhecê-lo se realiza uma das mais bonitas e cativantes experiências de espiritualidade litúrgica, superando as relações de gênero e com amplo comprometimento social.
Na caminhada em questão o destino não era a Samaria, mas Ele fez questão de deter-se na região. Por conta do cansaço sentou-se num dos lugares mais cobiçados e freqüentados pelos samaritanos. Ali rompe as barreiras da pureza legal e das permissões de gênero. Trava um diálogo de saciedade na maior amplitude possível, um diálogo que vai muito além do que matar a sede de água. Jesus se dá a conhecer ao mesmo tempo em que revela como é possível encontrar Deus. Por sua vez a Mulher Samaritana não se envergonha da sua condição de “sedenta”, pede que o desconhecido lhe abra as portas de uma vida nova. Em retribuição proclama aos “quatro ventos” a novidade que havia encontrado junto ao poço de Jacó.
Neste diálogo, mais uma vez, Deus, aqui na pessoa de Jesus, realiza uma ação litúrgica que rompe as barreiras do possível. Com paixão e determinação cria condições para a vivência de uma autêntica espiritualidade que conduz para o compromisso, este não negligenciado pela mulher: “deixou ali seu pote, voltou até a cidade, disse a todas as pessoas...”. Esta é com certeza uma condição sine qua non existe uma verdadeira liturgia nem tampouco uma autêntica experiência de espiritualidade e de comprometimento.
As comunidades apostólicas viveram experiências semelhantes, porém de curta duração. Nessa linha está a exortação de São Paulo aos Romanos: 

Portanto, meus irmãos, por causa da grande misericórdia divina, peço que vocês se ofereçam completamente a Deus como um sacrifício vivo, dedicado ao seu serviço e agradável a ele. Esta é a verdadeira adoração que vocês devem oferecer a Deus. Não vivam como vivem as pessoas deste mundo, mas deixem que Deus os transforme por meio de uma completa mudança da mente de vocês. Assim vocês conhecerão a vontade de Deus, isto é, aquilo que é bom, perfeito e agradável a ele (12,1-2).

Semelhante situação foi também experimentada por algumas igrejas no início do cristianismo, como retrata a Primeira Carta de Pedro:

Do mesmo modo, também vós, como pedras vivas, formai um edifício espiritual, um sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por Jesus Cristo... Mas vós sois a gente escolhida, o sacerdócio régio, a nação santa, o povo que ele conquistou... (2, 5.9). 


LITURGIA E ESPIRITUALIDADE NAS COMUNIDADES PRIMITIVAS
                A expressão liturgia foi usada uma única vez em todo o Novo Testamento, entretanto a compreensão de que se tratava de ação muito superior do que ritualidade advinha da certeza de que a vida de Jesus foi toda ela uma λειτουργία. O seu serviço, cuja culminância se deu na morte e ressurreição pode ser entendido como verdadeira e única liturgia:

Jesus não deu sua própria vida em uma celebração litúrgica [...]. O Calvário não é uma liturgia religiosa, mas um pedaço de vida humana vivida por Cristo como culto. Aí está nossa redenção. Não fomos redimidos por um serviço especial de culto litúrgico, mas por um ato  da vida humana de Jesus, situado histórica e temporalmente (CASTELLANO, 2008, p.63).

A espiritualidade litúrgica vivenciada pelas comunidades pós apostólicas aparece no Discurso a Diogneto, uma espécie de tratado apologético do início do século II,  em que o autor afirma: 

Os cristãos, na verdade, não se distinguem de outros homens, por suas terras ou seu discurso ou por seus costumes. Ou porque habitam cidades exclusivas, nem falam uma língua estranha, nem tem um gênero de vida para além de outros. Em verdade, esta doutrina não foi inventada  por talento ou especulação de homens curiosos, nem professam, como outros fazem, um ensinamento humano; mas, habitando cidades gregas ou bárbaras, de acordo com o destino adaptam-se no estilo de vestir, de se  alimentar e outros gênero de vida segundo usos e costumes de cada país, comportam-se de modo peculiar, e mantém uma conduta admirável e, por confissão surpreendente. Eles habitam seus próprios países, como se fossem estrangeiros. Eles participaram em tudo como cidadãos e a  tudo suportam o como estrangeiros; toda a terra é estranha para eles. São homens de todas as terras e patriotas em terra estranha. Casam-se como todos: como todos se reproduzem, mas não expõem aqueles que nascem. Comem em mesa comum, mas não dividem o mesmo leito. Eles estão na carne, mas não vivem segundo a carne. Moram na  terra, mas têm sua cidadania no céu. Obedecem a leis estabelecidas; mas com seu estilo de vida se sobrepõe a elas. A todos amam e por todos são perseguidos. Não são reconhecidos, mas são condenados. Se os matam, eles recebem a vida. São pobres e enriquecem a muitos. Tem falta de tudo e tudo lhes sobra. São desonrados e nas desonras são glorificados. Perdem a fama e recebem testemunho da própria justiça. Injuriados eles abençoam. São insultados e prestam honras. Eles fazem bem e são castigados como malfeitores. Enquanto castigados, alegram-se como quem recebe nova vida. Os judeus os tratam como  estrangeiros, entre os gregos são perseguidos e, no entanto, àqueles que os aborrecem não retribuem com ódio[2].

                Do texto em referência é possível concluir que o diferencial da comunidade cristã reside na sua liturgia espiritual e na eficácia das suas ações. Nas comunidades primitivas as questões relativas ao culto e à vida estavam em estreita sintonia e pertenciam a todo o povo independente de gênero. Este conceito que é explicito na carta aos Hebreus sendo também explícito no Apocalipse: “Ele nos ama, e pela sua morte na cruz nos livrou dos nossos pecados, e fez de nós um reino de sacerdotes a fim de servirmos ao seu Deus e Pai”(1,5b-6a). Desta afirmação decorre a convicção que

Interessa sublinhar: a) todos os batizados pertencem ao povo sacerdotal e são sacerdotes em Cristo e segundo a novidade de seu culto; b) esse sacerdócio permite fazer da própria vida uma oferenda, um sacrifício espiritual agradável a Deus em comunhão com Cristo e segundo seu modo de agir diante do Pai dos irmãos (CASTELLANO, 2008, p. 65).

                A compreensão que se desenvolveu durante todo o Antigo Testamento que a   liturgia se constituía em  sacrifício para aplacar a ira e apagar os pecados, em Jesus Cristo reassume o seu sentido original de serviço em favor de alguém. E neste caso trata-se de um serviço realizado pelo Filho de Deus. Deste modo as comunidades cristãs entenderam que fazer liturgia significava ter clara e expressa sintonia de vida em relação à vida de Jesus. 

O culto cristão não  consiste, portanto, em ritos materiais, mas em sacrifícios que são ao mesmo tempo espirituais e reais, isto é, sem sacrifícios que partem do fundo da alma, dócil ao Espírito Santo (sacrifícios espirituais) e se estendem a toda a existência (sacrifícios reais, existências). Em outros termos, trata-se de assumir, segundo a inspiração de Deus, todas as responsabilidades concretas (pessoais, familiares, sociais, internacionais) (CASTELLANO, 2008, p. 66).


LITURGIA E ESPIRITUALIDADE AO LONGO DA HISTÓRIA
                Este modo de fazer liturgia sofreu as influências do contexto em que estava inserido sendo logo sufocado por questões legais e de expansão e conquista de novos seguidores. Com o advento da paz constantiniana e a estreita relação do cristianismo ascendente com o império decadente, a dimensão de serviço, de espiritualidade, e de comprometimento foi sendo deixada de lado no cotidiano da Igreja que se organiza como sociedade perfeita, tendo seu auge na primeira metade do segundo milênio, cujas conseqüências também fogem dos objetivos deste artigo.
No contexto da Contra Reforma, definitivamente a idéia de liturgia como serviço desapareceu e conseqüentemente a espiritualidade cedeu lugar para a legalidade. Foi se quatrocentos anos, antes que novas vozes fizessem ouvir um novo grito semelhante ao de Francisco e de Clara de Assis. Trata-se do movimento litúrgico que plantou as bases da grande reforma realizada pelo Concílio Vaticano II.
No contexto do movimento litúrgico o Papa PIO XII publicou a encíclica Mediator Dei em cuja introdução se lê: 

O Divino Redentor quis, ainda, que a vida sacerdotal por ele iniciada em seu corpo mortal com as suas preces e o seu sacrifício, não cessasse no correr dos séculos no seu corpo místico, que é a Igreja; e por isso instituiu um sacerdócio visível para oferecer em toda parte a oblação pura, (4) a fim de que todos os homens, do oriente ao ocidente, libertos do pecado, por dever de consciência servissem espontânea e voluntariamente a Deus (2). 

Este que foi o primeiro documento totalmente dedicado às questões litúrgicas, depois do Concílio de Trento, não exita em afirmar que a função da liturgia é continuar o ofício sacerdotal de Cristo, o que se pode dizer: Sentar-se de novo ao lado do poço de Jacó a fim de saciar aos sedentos indicando-lhes o lugar onde mora Deus.
A afirmação de fundo em todo o documento do Papa PIO XII consiste em afirmar que a liturgia da Igreja realiza a presença de Jesus Cristo:

A Igreja, portanto, tem em comum com o Verbo encarnado o escopo, o empenho e a função de ensinar a todos a verdade, reger e governar os homens, oferecer a Deus o sacrifício, aceitável e grato, e assim restabelecer entre o Criador e as criaturas aquela união e harmonia que o apóstolo das gentes claramente indica por estas palavras: "Não sois mais hóspedes ou adventícios, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus, educados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, com o próprio Jesus Cristo por pedra angular, sobre a qual todo o edifício bem ordenado se levanta para ser um templo santo no Senhor, e sobre ele vós sois também juntamente edificados em morada de Deus, pelo Espírito".(21) Por isso a sociedade fundada pelo divino Redentor não tem outro fim, seja com a sua doutrina e o seu governo, seja com o sacrifício e os sacramentos por ele instituídos, seja enfim com o ministério que lhe contou, com as suas orações e o seu sangue, senão crescer e dilatar-se sempre mais - o que se dá quando Cristo é edificado e dilatado nas almas dos mortais, e quando, vice-versa, as almas dos mortais são educadas e dilatadas em Cristo; de maneira que, neste exílio terreno prospere o templo no qual a divina majestade recebe o culto grato e legítimo. Em toda ação litúrgica, junto com a Igreja está presente o seu divino Fundador: Cristo está presente no augusto sacrifício do altar, quer na pessoa do seu ministro, quer por excelência, sob as espécies eucarísticas; está presente nos sacramentos com a virtude que neles transfunde, para que sejam instrumentos eficazes de santidade; está presente, enfim, nos louvores e súplicas dirigidas a Deus, como vem escrito: "Onde estão duas ou três pessoas reunidas em meu nome aí estou no meio delas".(22) A sagrada liturgia é, portanto, o culto público que o nosso Redentor rende ao Pai como cabeça da Igreja, e é o culto que a sociedade dos fiéis rende à sua cabeça, e, por meio dela, ao Eterno Pai. É, em uma palavra, o culto integral do corpo místico de Jesus Cristo, ou seja, da cabeça e de seus membros (17).

                O documento pontifício teve profundas repercussões para a espiritualidade litúrgica e para o compromisso social ao quais todos os participantes são chamados a se exercitar. Nele se lê:

Mas o elemento essencial do culto deve ser o interno. É necessário, com efeito, viver sempre em Cristo, dedicar-se todo a ele, a fim de que nele, com ele e por ele, se dê glória ao Pai. A sagrada liturgia requer que estes dois elementos estejam intimamente ligados; o que ela não se cansa jamais de repetir toda vez que prescreve um ato externo de culto. Assim, por exemplo, a propósito do jejum, nos exorta: "a fim de que se opere de fato em nosso íntimo o que a nossa observância professa externamente".(28) De outro modo, a religião se torna um formalismo sem fundamento e sem conteúdo. Sabeis, veneráveis irmãos, que o divino Mestre considera indignos do templo sagrado e expulsa dele os que crêem honrar a Deus somente com o som de bem construídas palavras e com atitudes teatrais e estão persuadidos de poder prover de modo adequado à sua salvação sem arrancar da alma os vícios inveterados".(29) A Igreja, portanto, quer que todos os fiéis se prostrem aos pés do Redentor para professar-lhe o seu amor e a sua veneração; quer que as multidões, como as crianças que andaram ao encontro de Cristo quando entrava em Jerusalém com alegres aclamações, acompanhem o Rei dos reis e o sumo autor de todos os benefícios, aclamando-o com o canto de glória e de agradecimento; quer que haja orações em seus lábios, ora súplices, ora alegres e agradecidas, com as quais, como os apóstolos junto ao lago de Tiberíades, possam experimentar o auxílio de sua misericórdia e de seu poder; ou como Pedro, no monte Tabor, a Deus se abandonem e a todas as suas coisas nos místicos transportes da contemplação (21).

A reprovação de atos rubricistas, sem compromisso com a vida e o consequente vazio de sentido espiritual aparece na sequência do documento quando o Papa pede cuidado com formalismo que ameaça a liturgia o qual não é  autêntica expressão de espiritualidade e serviço a modo do primeiro liturgo.

Não têm, pois, noção exata da sagrada liturgia aqueles que a consideram como parte somente externa e sensível do culto divino ou como cerimonial decorativo; nem se enganam menos aqueles que a consideram como mero conjunto de leis e preceitos com que a hierarquia eclesiástica ordena a realização dos ritos. Deve, portanto, ser bem conhecido de todos que não se pode honrar dignamente a Deus, se a alma não cuida de conseguir a perfeição da vida, e que o culto rendido a Deus pela Igreja em união com a sua Cabeça divina tem a eficácia suprema de santificação (22 e 23).

EM TORNO DO VATICANO II
            A eclesiologia subjacente na Mediator Dei vai se tornar explícita quase 20 anos depois com a publicação da Constituição Sacrossanctum Concilium, o primeiro documento do Concílio Vaticano II, evento cujo objetivo principal, se constituiu em promover o incremento da fé católica e uma saudável renovação dos costumes do povo cristão, e adaptar a disciplina eclesiástica às condições do nosso tempo.
            Dentre as primeiras e mais urgente renovação a que se propôs o Concílio foi em relação a liturgia, que redundou na constituição Sacrossanctum Concilium, a qual, como já se disse, solidifica um sadio retorno às fontes da verdadeira espiritualidade litúrgica e de um coerente compromisso social que dela decorre independente da função a ser exercida no próprio ato litúrgico e muito menos na hierarquia da Igreja. 

A Liturgia, pela qual, especialmente no sacrifício eucarístico, ‘se opera o fruto da nossa Redenção’ (1), contribui em sumo grau para que os fiéis exprimam na vida e manifestem aos outros o mistério de Cristo e a autêntica natureza da verdadeira Igreja, que é simultaneamente humana e divina, visível e dotada de elementos invisíveis, empenhada na ação e dada à contemplação, presente no mundo e, todavia, peregrina, mas de forma que o que nela é humano se deve ordenar e subordinar ao divino, o visível ao invisível, a ação à contemplação, e o presente à cidade futura que buscamos (2). A Liturgia, ao mesmo tempo em que edifica os que estão na Igreja em templo santo no Senhor, em morada de Deus no Espírito (3), até à medida da idade da plenitude de Cristo (4), robustece de modo admirável as suas energias para pregar Cristo e mostra a Igreja aos que estão fora, como sinal erguido entre as nações (5), para reunir à sua sombra os filhos de Deus dispersos (6), até que haja um só rebanho e um só pastor (7).  

            Ao afirmar que uma das funções da liturgia consiste em transformar aqueles que dela participam interiormente em templos do Senhor, dando forças para mostrar Cristo ao mundo, o documento faz uma belíssima atualização do que se sucedeu com a Mulher Samaritana. Uma vez encontrando-se com o liturgo, reconhecendo-o como enviado, tem sua “sede” saciada e como resultado mostra Cristo ao mundo.
            O número 7 da Sacrossanctum Concilium  apresenta as distintas maneiras que Cristo se faz presente na liturgia renova  uma afirmação que já havia sido feita por PIO XII na Mediator Dei trazendo aqui uma novidade ao dizer que Cristo está também presente na Palavra Proclamada. Logo em seguida apresenta a liturgia como o lugar para onde tende toda a ação da Igreja:

Neste âmbito é toda a liturgia que equipara, centra e assume a atividade da Igreja e se subordina a ela. Sobre isto, Vagaggini comenta: Com efeito, da liturgia, essencialmente da eucaristia, deriva para nós toda a graça de santificação e de ação que nos permite realizar de forma sobrenatural, as outras ações: além disso, o compromisso cristão em todos os campos da vida é exigido de todo aquele que participou na liturgia, com conseqüência e demonstração do amor efetivo de Deus (FLORES, 2006, p. 315).

                Na seqüência o documento fala de uma liturgia que seja frutífera, da qual os participantes se aproximam com disposição interior (SC 11), aponta para as disposições pessoais como condição para que a ação celebrativa seja eficaz. O documento não deixa de abordar a problemática da espiritualidade como realização pessoal e particular colocando, porém, uma estreita relação entre participar da liturgia comunitária e fazer a experiência de Deus na vida pessoal (SC 12). Nestes dois parágrafos é possível fazer nova alusão ao comportamento da Samaritana. Ou seja, encontrar-se com Jesus e reconhecê-lo, implica em dar frutos e se colocar em atitude de adoração, como adoradores em Espírito e Verdade.
            A verdadeira espiritualidade, segundo este documento conciliar, se realiza na liturgia, mas ao contrário do que muitas vezes se interpreta não consiste na observação das regras e das normas recebidas pela tradição, mas numa ação cultual  de onde emana e para onde caminha toda  a ação da Igreja.
            Compreender a espiritualidade litúrgica e seu alcance social consiste em fazer da oração da Igreja uma epifania que abrace todos os momentos do viver cristão, prolongando nas ações do cotidiano a Páscoa de Jesus.
             A verdadeira vida cristã é muito mais ampla do que conformar-se com a observância de preceitos, por força da sua condição o fiel é chamado para uma vida de santidade que consiste em maturidade espiritual consiste em assumir missões que sejam capazes de vencer todas as dificuldades interiores e exteriores.
            A liturgia se constitui num lugar da experiência de Deus sempre e na medida em que não subtrai esta mesma experiência quando se está sujeito às profundezas da vida. Como se constituiu o encontro da Samaritana: “Senhor dá-me desta água para que eu não tenha mais sede e nem tenha que vir aqui para buscá-la”. Neste particular a mulher queria uma água capaz de saciá-la de todas as sedes.
            Uma liturgia que não tem sintonia com a vida corre o risco de realizar ritos perfeitos mas vazios de significado. Sem a dimensão espiritual da celebração e sua conseqüente ação no cotidiano corre-se o risco de encontrar guarida a afirmação de K. Rahner: “O cristão do futuro ou será místico, isto é, pessoa que experimentou algo, ou não será cristão.
            É neste sentido que Stefano de Fiores define espiritualidade como experiência de Deus:
Para o crente é, pois um imperativo prestar conta de sua experiência religiosa, entendida como presença vivida e encontro de comunhão com Deus; ele deve demonstrar que fé não árida abstração, mas que constitui tecido conjuntivo de vida; de alguma forma, deve repetir com A. Frossard: “Deus existe e eu o encontrei”, sob pena de ver-se privado de toda força convincente em seu testemunho (Dicionário de Espiritualidade 1993).

                O Papa BENTO XVI insiste em que é preciso existir uma sintonia estreita entre a pessoa de Cristo e a vida da Igreja:
A relação entre Cristo, Palavra do Pai, e a Igreja não pode ser compreendida em termos de um acontecimento simplesmente passado, mas trata-se de uma relação vital na qual cada fiel, pessoalmente, é chamado a entrar. Realmente, falamos da Palavra de Deus que está hoje presente conosco: «Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo» (Mt 28, 20). Como afirmou o Papa João Paulo II, «a contemporaneidade de Cristo com o homem de cada época realiza-se no seu corpo, que é a Igreja (VERBUM DOMINI, 51).

                Neste sentido uma autêntica liturgia e espiritualidade nas relações de gênero  e compromisso social, consiste em:

Esforço desta ação pastoral, centrada na liturgia, deve orientar-se para exprimir-se vivendo o mistério pascal em que o Filho de Deus encarnado e obediente até a morte na cruz foi de tal maneira exaltado na Ressurreição e na Ascensão que pôde comunicar ao mundo sua vida divina, pela qual os seres humanos mortos para o pecado e conformados com Cristo “já não vivam para si mesmos mas para aquele que morreu e ressuscitou por eles”(2 Cor 5, 15; Flores,  2006, p. 434).

COM A PALAVRA OS TEÓLOGOS
É nessa perspectiva que merece ser interpretada e vivenciada as conclusões da Conferência de Aparecida, a qual segundo Kusma (2009): “evidenciou-se muito entre bispos e assessores do CELAM o fato de que o real futuro da Igreja passa obrigatoriamente pelo viés dos leigos”(p. 83). E dos leigos de um modo muito peculiar na relação de gêneros. Nessa direção continua Kusma (2009): ´”É um fato que a Igreja Católica Romana possui uma enorme dívida com a mulher, em diversos aspectos [...]. Eis aí uma situação que nos envergonha, pois vai totalmente contra o que exige um comportamento cristão” (p. 98; 99).
As afirmações acima podem ser entendidas como uma recuperação da preocupação descrita por outros teólogos do nosso tempo. Entre eles merece referência Leonardo Boff, José Comblin, Agenor Brighenti. Este último afirma: 

Sem cair na tentação da falsa segurança, do emocionalismo, a ‘religião do coração’ e a da interioridade também interpela o catolicismo no sentido de uma Igreja menos racional, com espaços também para uma experiência mais sensível do sagrado. A ‘religião do coração’ tem muito a dizer a um catolicismo pouco personalizado, com escassa experiência pessoal interior, centrado em ritos e práticas muitas vezes vazios, sem alma, sem convencimento. Mais do que nunca a Igreja carece de mestres espirituais, que tenham eles próprios experimentado o que aconselham, capazes de fazer síntese entre a experiência de Deus e a solidariedade com os irmãos. O ritualismo é religião sem alma (BRIGHENTI, 2001, p.44).

                Relendo a preocupação dos autores sob a ótica da liturgia, da espiritualidade e da pastoral na relação de gêneros é imprescindível compreender também que a liturgia da Igreja precisa abrir-se novamente para o que PIO XII já sinalizou em 1948: Liturgia é  muito mais do que ritos exteriores.
            A afirmação da liturgia como “fonte e cume” da vida da Igreja, descrita pela  Constituição Sacrossanctum Concilium  é interpretada por Brighenti (2006), desde a sua condição “ad intra” para a finalidade “ad extra”. Isso significa dizer que do ponto de vista da Pastoral a liturgia tem um antes e um depois, o que consiste admitir também que não existe verdadeiro serviço litúrgico sem abertura para o compromisso social, nas palavras de Brighenti (2006, p. 110): “implicações múltiplas e concretas”.
            Neste sentido estão as palavras dos bispos da América Latina e do Caribe, por ocasião da Conferência de Aparecida:

A Igreja é chamada a repensar profundamente e a relançar com fidelidade e audácia sua missão nas novas circunstâncias latino-americanas e mundiais... Trata-se de confirmar, renovar e revitalizar a novidade do Evangelho arraigada em nossa história, a partir de um encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo, que desperte discípulos e missionários. Isso não depende tanto de grandes programas e estruturas, mas de homens e mulheres novos que encarem essa tradição e novidade como discípulos de Jesus Cristo e missionários de seu Reino, protagonistas de uma vida nova para América Latina que deseja reconhecer-se com a luz e a força do Espírito (Aparecida 11).

            A título de conclusão não parece ser possível compreender espiritualidade e pastoral litúrgica fora de uma perspectiva de compromisso social e ampla abertura para todos os seres humanos chamados ao testemunho e a vida em Cristo sob pena de nossas liturgias  se constituírem de pompa excessiva, mas vazias de significados.

REFERÊNCIAS
AUGÉ, Matias. Liturgia: História, celebração, teologia, espiritualidade. São Paulo: Ave Maria, 1998.
BENTO XVI. Exortação Apostólica Pos-sinodal Verbum Domini. São Paulo: Paulinas, 2010.
BÍBLIA SAGRADA. Nova Tradução na Linguagem de Hoje. São Paulo: Paulinas, 2005.
BOOF, Leonardo. Ecologia, Mundialização e espiritualidade. Rio de Janeiro: Record, 2008.
_____, Igreja Carisma e Poder. São Paulo: Ática, 1994.
BRIGHENTI, Agenor. A Pastoral dá o que pensar: A inteligência da prática transformadora da Fé. São Paulo: Paulinas; Valência Esp: Siquem, 2006.
_____, A Igreja do Futuro e o Futuro da Igreja. São Paulo: Paulus, 2001.
CASTELLANO, Jesus. Liturgia e Vida Espiritual. São Paulo: Paulinas, 2008.
CELAM. Documento de Aparecida. Brasília: Edições CNBB, 2007.
CONSTITUIÇÃO CONCILIAR  SACROSANCTUM CONCILIUM SOBRE A SAGRADA LITURGIA. Disponível em:
http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19631204_sacrosanctum-concilium_po.html Acesso em 07/06/2011

DISCURSO A DIOGNETO. Disponível em: http://www.mercaba.org/TESORO/427-10.htm. Acesso em 07/06/2011
 FIORES, Stefano de. Espiritualidade contemporânea. in FIORES, Stefano de. Dicionário de Espiritualidade. São Paulo: Paulus, 1993.
FLORES, Juan Javier. Introdução à Teologia Espiritual. São Paulo: Paulinas, 2006.
KUSMA, Cesar Augusto. Leigos e Leigas: Força e esperança da Igreja no mundo. São Paulo: Paulus, 2009.
PIO XII, Carta Encíclica Mediator Dei.  Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/pius_xii/encyclicals/documents/hf_p-xii_enc_20111947_mediator-dei_po.htm Acesso em 07/06/2011.



           










[1] Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia, Especialista em Teologia Pastoral e em Gestão Educacional, Mestre em Teologia Dogmática pela Pontifícia Faculdade N. Sra. Da Assunção e Mestrando em Educação pela PUCPR. Professor na Rede Estadual de Santa Catarina e na Universidade do Oeste de Santa Catarina. Padre do Clero da Diocese de Caçador – SC. E-mail: elcio.alberton@unoesc.edu.br .
[2] Tradução livre do original espanhol: Los cristianos, en efecto, no se distinguen de los demás hombres ni por su tierra ni por su habla ni por sus costumbres. Por-que ni habitan ciudades exclusivas suyas, ni hablan una lengua extraña, ni llevan un género de vida aparte de los demás. A la verdad, esta doctrina no ha sido por ellos inventada gracias al ta-lento y especulación de hombres curiosos, ni profesan, como otros hacen, una enseñanza humana; sino que, habitando ciudades griegas o bárbaras, según la suerte que a cada uno le cupo, y adaptándose en vestido, comida y demás género de vida a los usos y costumbres de cada país, dan muestras de un tenor de peculiar conducta, admirable, y, por confesión de todos, sorprendente. Habitan sus propias patrias, pero como forasteros; toman parte en todo como ciudadanos y todo lo soportan como extranjeros; toda tierra extraña es para ellos patria, y toda patria, tierra extraña. Se casan como todos: como todos engendran hijos, pero no exponen los que les nacen. Ponen mesa común, pero no le-cho. Están en la carne, pero no viven según la carne. Pasan el tiempo en la tierra, pero tienen su ciudadanía en el cielo. Obedecen a las leyes establecidas; pero con su vida sobrepasan las le-yes. A todos aman y por todos son perseguidos. Se los desconoce y se los condena. Se los mata y en ello se les da la vida. Son pobres y enriquecen a muchos. Carecen de todo y abundan en todo. Son deshonrados y en las mismas deshonras son glorificados. Se los maldice y se los declara justos. Los vituperan y ellos bendicen. Se los injuria y ellos dan honra. Hacen bien y se los castiga como malhechores; castigados de muerte, se alegran como si se les diera la vida. Por los judíos se los combate como a extranjeros; por los griegos son perseguidos y, sin embargo, los mismos que los aborrecen no saben decir el motivo de su odio.




LITURGIA NAS DIRETRIZES GERAIS DA AÇÃO EVANGELIZADORA DA IGREJA NO BRASIL 2011 - 2015

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