DAI AO NOSSO CORAÇÃO, SABEDORIA!
Algumas realidades cotidianas são
muito simples e nos dão a ilusão de extraordinárias. Um dos exemplos é a
diferença entre a janela e o espelho. A primeira por sua transparência permite
que se veja o mundo exterior com a clareza que ele tem. Se uma fina camada de
prata for aplicada no lado externo do vidro a gente só consegue enxergar a si
mesmo e corre o risco de realizar consigo o mito de Narciso que morreu de sede
admirando a própria beleza espelhada no fundo da água.
Em nosso cotidiano não são poucas
as vezes que nos iludimos admirando e supervalorizando as próprias conquistas,
realizações, feitos extraordinários e até riquezas acumuladas e que muitas
vezes anoitecem e não amanhecem. São comparados a riscos na camada de prata do
espelho, impedem de enxergar as próprias realizações e não permitem de ver para
além do próprio reflexo.
No Evangelho desse domingo temos
duas lições para ser aprendidas e que mostram como as riquezas acumuladas se
comparam ao espelho. No primeiro caso é um fato real que trata da divisão de
bens entre irmãos herdeiros. No segundo caso é uma parábola sobre a insensatez
de quem gasta todas as forças para acumular tesouros que desaparecem tão rápido
como chegam: “E disse Jesus: Atenção!
Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha
muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens... louco!
Ainda esta noite, pedirão de volta a tua vida. E para quem ficará o que tu acumulaste?
’ Assim acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não é rico diante
de Deus”. Nos dois casos o que estava em jogo era o apego excessivo
aos bens materiais que em nenhuma situação respondem as mais profundas
necessidades humanas! Quando temos nossa preocupação centrada nessas coisas que
podem desaparecer rapidamente construímos deuses que desumanizam, ou seja
passamos uma fina camada de prata na janela de nossa vida, transformando-a num
falso espelho de felicidade. Sempre que agimos assim não temos escrúpulo de
explorar, escravizar, cometer injustiças contra quem quer que seja tudo em nome
de “ampliar a própria riqueza”.
O livro do Eclesiastes, de onde é
tirada a primeira leitura desse domingo é todo ele uma crítica à maneira tola
de viver a vida cuja existência termina num piscar de olhos: “Vaidade das vaidades, diz o Eclesiastes,
vaidade das vaidades! Tudo é vaidade”. Por exemplo: um homem que
trabalhou com inteligência, competência e sucesso, vê-se obrigado a deixar tudo
em herança a outro que em nada colaborou. Também isso é vaidade e grande
desgraça”. As constatações do autor desse livro se assemelham às
afirmações dos filósofos existencialistas modernos quando afirmam que a vida
humana não tem nenhum sentido na medida em que a pessoa vive pensando só na
efêmera realidade terrestre.
Para onde vai a nossa vida, se não
tiver o horizonte em Deus? Ele é a única razão a qual se pode ver mediante a
janela da nossa existência terrena. Daí sim tem razão o salmo que rezamos: “Ensinai-nos a contar os nossos dias, / e dai
ao nosso coração sabedoria! / Senhor, voltai-vos! Até quando tardareis? / Tende
piedade e compaixão de vossos servos”
Na segunda leitura São Paulo faz um convite para
que todos nos identifiquemos com Cristo e deixemos os ‘deuses’ que construímos
através do espelho das nossas falsas seguranças: “Se ressuscitastes com Cristo,
esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à
direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas
terrestres. Pois vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com
Cristo, em Deus”.
Peçamos a graça de nunca cruzar os
braços e nos iludir fazendo de conta que não precisamos enxergar além das
nossas próprias seguranças. É certo que elas são efêmeras e apenas espelham a
própria fragilidade. Façamos de nossa vida o que cantamos no salmo de hoje:
Vós fostes, ó Senhor, um refúgio para nós.