quarta-feira, 25 de agosto de 2021

HOMILIA PARA O DIA 29 DE AGOSTO DE 2021 - 22º DOMINGO COMUM - ANO B -

 

SENHOR, QEM MORARA EM VOSSA CASA?

Nos últimos dias pelo menos três situações chamaram a atenção do mundo todo. A tomada de poder pelos grupos fundamentalistas no Afeganistão, ameaçando a vida e os direitos das pessoas em nome do respeito a lei e do cumprimento da vontade divina.

O último terremoto no Haiti que se soma a pobreza e a corrupção deixando milhares de pessoas desprotegidas e relegadas à própria sorte.

O medo que ainda ronda o mundo vitimado pela pandemia, não obstante o sucesso das campanhas de vacinação e o aparente controle da COVID 19.

Em ambas as situações o problema não está na letra da lei, nem precisamente no cumprimento ou descumprimento de regras e normas, mas no cuidado com a vida como um dom a ser preservado e valorizado em qualquer circunstância.

É sobre cuidado e valorização da vida que tratam as leituras da Palavra de Deus nesse domingo. A lei de Deus que está no livro do deuteronômio tem um objetivo muito claro: “Moisés falou ao povo, dizendo: 'Agora, Israel, ouve as leis e os decretos que eu vos ensino a cumprir, para que, fazendo-o, vivais e entreis na posse da terra prometida pelo Senhor Deus de vossos pais”.

A lei é o indicativo de um caminho para a vida plena, não se esgota no cumprimento da regra pela regra ou de ritos e práticas vazias. Cumprir os mandamentos é um processo de conversão e de compromisso de quem ama a Deus e aos irmãos: “Vós os guardareis e os poreis em prática, porque neles está vossa sabedoria e inteligência perante os povos. Pois, qual é a grande nação cujos deuses lhe são tão próximos como o Senhor nosso Deus, sempre que o invocamos? E que nação haverá tão grande que tenha leis e decretos tão justos”. Em resumo, praticar a lei é condição para a felicidade e vida plena!

No Evangelho, mais uma vez Jesus se defronta com o legalismo dos fariseus: “Os fariseus e alguns mestres vieram de Jerusalém e se reuniram em torno de Jesus e lhe perguntaram 'Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos”. Na resposta Jesus retoma as profecias bem conhecidas dos doutores da lei: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam, pois, as doutrinas que ensinam são preceitos humanos'. Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens”. Para dar uma resposta à altura do questionamento Jesus apela ao justo valor que se deve dar às leis e normas na medida em que elas servem como meio para o respeito às pessoas e a Deus: “Escutai todos e compreendei: o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior. Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo”. Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem”.

O ensinamento que Jesus dá aos fariseus de outrora pode ser aplicado a nós e as nossas comunidades. O mais importante não é a prática de todas as leis e regras, mesmo aquelas propostas pela igreja. O mais importante não é o cumprimento escrupuloso dos ritos, regras e normas, mas é verdadeiramente cristão acolher as pessoas como um gesto de gratidão a Deus. É importante celebrar e participar da vida comunitária na medida em que essa prática se torne amor partilhado. A verdadeira preocupação de quem acredita deve ser moldar o seu coração na prática do amor e da caridade como se reza no salmo: “Senhor, quem morará em vossa casa É aquele que caminha sem pecado e pratica a justiça fielmente; que pensa a verdade no seu íntimo e não solta em calúnias sua língua. Que em nada prejudica o seu irmão, nem cobre de insultos seu vizinho; nem se deixa subornar contra o inocente”.

E Tiago na sua carta que é a segunda leitura dá uma lição objetiva. Escutar e contemplar a Palavra sem colocá-la em prática é ritualismo estéril e que não serve para nada: “Recebei com humildade a Palavra que em vós foi implantada, e que é capaz de salvar as vossas almas. Todavia, sede praticantes da Palavra e não meros ouvintes. Com efeito, a religião pura e sem mancha diante de Deus Pai, é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações

Como indicativo para a nossa vida é importante que nos perguntemos: nossas práticas litúrgicas, nossas práticas de piedade nos comprometem com a promoção, cuidado e valorização da vida na construção de relações humanas respeitosas e inclusivas, ou se resumem a práticas legalistas.

Peçamos a graça de nos deixar transformar pela Palavra, pela oração e pela Eucaristia a fim de evitar toda forma de desprezo, discriminação, ou condenação das pessoas. Que a Eucaristia nos ensine a não somar regras, mas sim multiplicar a caridade.

 

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

HOMILIA PARA O DIA 22 DE AGOSTO DE 2021 - 21º DOMINGO COMUM - ANO B

 

A QUEM IREMOS?

A facilidade de acesso às Novas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (NTDIC) é uma das extraordinárias conquistas da atualidade. Ninguém pode duvidar que a expressão: “O mundo é uma aldeia global” cunhada pelo filósofo canadense McLuhan em 1962 se potencializou com a popularização da internet nessa segunda década do século XXI.  Com o domínio das tecnologias surgiu a figura dos “influenciadores digitais” os quais se utilizando das facilidades da comunicação abrem mão de todos os recursos para se fazer notar e angariar seguidores e compartilhamentos das suas ideias e opções não se importando com a veracidade e as implicações que suas opiniões oferecem às pessoas em todos os cantos do planeta.

Por sua vez a Palavra de Deus desse domingo nos sugere não ter medo de utilizar todos os esforços para que a boa notícia alcance todos os rincões do mundo e seja sustentada por decisões firmes e inspiradas em fatos e pessoas que mereçam credibilidade.

Na primeira leitura Josué faz memória da ação de Deus em favor do seu povo: “Porque o Senhor, nosso Deus, ele mesmo, é quem nos tirou, a nós e a nossos pais, da terra do Egito, da casa da escravidão. Foi ele quem realizou esses grandes prodígios diante de nossos olhos, e nos guardou por todos os caminhos por onde peregrinamos, e no meio de todos os povos pelos quais passamos”. E propõe que a comunidade de Israel faça uma escolha e diante dos fatos. A resposta não poderia ser outra: “Longe de nós abandonarmos o Senhor, para servir a deuses estranhos. Portanto, nós também serviremos ao Senhor, porque ele é o nosso Deus”. Essa adesão não significa facilidade e livramento de provações e desafios, pelo contrário implica em perceber como Deus caminha com eles em todas as provações e dificuldades.

No Evangelho temos duas situações muito claras e que mostram dois grupos de discípulos com mentalidades muito distintas em relação às propostas de Jesus. O primeiro grupo prisioneiro da lógica do mundo marcada pela ambição, pela glória, pela fama, o outro aberto para a novidade do seguimento e que não tem medo de manifestar suas decisões e escolhas: “Sabendo que seus discípulos estavam murmurando, Jesus perguntou: 'Isto vos escandaliza? Então, Jesus disse aos doze: 'Vós também vos quereis ir embora”.  Ao contrário dos influenciadores digitais do nosso tempo que procuram seguidores e pessoas dispostas a compartilhar suas ideias a qualquer custo, Jesus pede daqueles que o escutem, a firmeza para viver e anunciar a boa notícia. Este último grupo serve também de modelo para cada pessoa e para as comunidades contemporâneas: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus”.

Obviamente que essa decisão precisa vir acompanhada de algumas atitudes e compromissos que se renovem diariamente. Tais atitudes são descritas por São Paulo na carta aos efésios: “Vós que temeis a Cristo, sede solícitos uns para com os outros”. E no contexto cultural em que vivia Paulo descreve atitudes bem particulares para todas as pessoas dentro do núcleo familiar. Naturalmente se a carta fosse escrita nos dias de hoje as palavras seriam diferentes, porém sem perder a intenção e finalidade: “Ninguém jamais odiou a sua própria carne. Ao contrário, alimenta-a e cerca-a de cuidados, como o Cristo faz com a sua Igreja; e nós somos membros do seu corpo! Este mistério é grande, e eu o interpreto em relação a Cristo e à Igreja”.

Não restam dúvidas que aceitar Jesus Cristo é uma escolha que começa no espaço da família e ali vão se construindo os valores do Reino. As palavras que Paulo utiliza nessa carta são próprias da cultura a quem ela se destina. Noutra carta e em outra situação Paulo escreve: "não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem e mulher, porque todos são um só em Cristo Jesus" (Gal 3,28).

Na celebração deste domingo peçamos a graça de compreender o que rezamos no salmo:

Bendirei o Senhor Deus em todo o tempo,
seu louvor estará sempre em minha boca.
Minha alma se gloria no Senhor;
que ouçam os humildes e se alegrem!


sexta-feira, 13 de agosto de 2021

HOMILA PARA O DIA 15 DE AGOSTO DE 2021 - ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA - ANO B

 

EIS AQUI A SERVA DO SENHOR!

Se tem imagens que comovem qualquer pessoa é ver uma mãe cuidando dos seus filhos, quando ela estende a mão para que a criança dê os primeiros passos, quando abre os braços para acolher a criança que chora, quando acalenta ao colo garantindo-lhe segurança. E de outra parte quando um filho adulto toma a mãe pela mão, acolhe em sua casa, acompanha nas lidas difíceis que o peso dos anos normalmente impõe, dedica suas vitórias e realizações à presença da mãe na sua vida. Essas imagens são edificantes e comoventes por si mesmas, dispensam comentários e explicações.

Não sem razão a Igreja nos coloca a figura de Maria como mãe que acolhe no ventre a Palavra que se fez  filho, que caminha com ele pelas difíceis estradas da Palestina antiga, que foge com ele para o Egito, que o procura perdido no templo, vai com Ele para o casamento em Caná da Galiléia, o acompanha durante a missão terrena e o segue até o  Calvário. No derradeiro momento da cruz aceita ser mãe do discípulo amado e fica com os discípulos no cenáculo aguardando o Espírito Santo prometido. No outro extremo da vida é o Filho Glorificado pelo Pai que acolhe Maria pelas estradas do céu e que a Igreja chama de Assunção de Maria dando-lhe também o título de Rainha do Universo.

A Virgem elevada aos céus junto do Filho a Igreja reconhece na figura da mulher relatada na primeira leitura deste domingo do livro do apocalipse:  Então apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas”.  E depois de narrar todas as durezas que a vida lhe impõe simbolizados no dragão cor de fogo e com outras amedrontadoras características o autor conclui: “Agora realizou-se a salvação, a força e a realeza do nosso Deus, e o poder do seu Cristo".

O evangelho não poderia ser mais claro para entender a missão terrena de Maria de levar o Deus Homem pelas estradas da vida: “Naqueles dias, Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judéia. Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel”. A velha e piedosa prima reconhece nos sinais da carne a extraordinária presença do Homem Deus: “Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar”. E Maria confirma a convicção que lhe brota do coração e que todos temos a mesma certeza: Deus nunca se esqueceu da humanidade: “A minha alma engrandece o Senhor, e se alegrou o meu espírito em Deus, meu Salvador, pois, ele viu a pequenez de sua serva, eis que agora as gerações hão de chamar-me de bendita”. A sequencia do cântico de Maria é a confirmação de tudo o que Deus havia realizado em favor do seu povo ao longo da história de Israel.

Dois mil anos depois as diversas aparições de Maria confirmam que a Mãe de Jesus continua a tarefa que iniciou na visita que fez a Isabel, ou seja, que consiste em levar o Deus homem ao mundo! E não sem razão nós continuamos repetindo com outras palavras a mesma exclamação de Isabel: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!" Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido, o que o Senhor lhe prometeu”.

E a promessa do Senhor se concretiza na pessoa de Jesus sobre quem São Paulo fala na segunda leitura: “Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram. Assim também em Cristo todos reviverão”.

Usando outras palavras e uma infinidade de títulos temos a absoluta certeza que Maria é “advogada nossa nesse vale de lágrimas aquela que desata os nós do nosso cotidiano”. A reconhecemos com hinos e cânticos na certeza que tudo o que nela se realizou foi por mérito do seu Filho Jesus, inclusive quando a chamamos de Rainha, fazemos porque Jesus Cristo é o Rei dos céus!

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

HOMILIA PARA O DIA 08 DE AGOSTO DE 2021 - 19º COMUM - ANO B

 

PÃO EM TODAS AS MESAS

A letra de um canto litúrgico bastante apreciado por nossas comunidades tem as seguintes palavras: “Mesa pronta toalha limpa, flores luzes e canções, nos olhares um sorriso, muita paz nos corações. É a ceia partilhada nessa casa de irmãos páscoa sempre renovada recriando a comunhão”.

Esse canto nos remete à Palavra de Deus desse domingo de modo claro e profundo. Em pleno século 21, é inconcebível que milhões de pessoas ainda passem fome no mundo. Isso significa que não se pode prescindir de pão em todas as mesas para que as lutas diárias sejam enfrentadas com coragem e determinação. Simultâneo à saciedade do corpo as pessoas precisam matar outras fomes, entre elas do sorriso, da partilha, da comunhão e da coragem. Muitas vezes, como o profeta Elias também nós caímos sob o peso da incompreensão, do desespero, do desânimo e da falta de fé.

Quando isso nos acontece as palavras da primeira leitura nos ajudam perceber como Deus é sensível a todas as fomes da humanidade. Oferecendo ao profeta Elias o pão para alimentar o corpo sacia também a fome de coragem e devolve a determinação para continuar a missão de profeta: “Mas o anjo do Senhor veio pela segunda vez, tocou-o e disse: 'Levanta-te e come! Ainda tens um caminho longo a percorrer'. Elias levantou-se, comeu e bebeu, e, com a força desse alimento, andou quarenta dias e quarenta noites, até chegar ao Horeb, o monte de Deus”.

Nos embates que Jesus tem com os Judeus e as diversas categorias do seu tempo fica muito clara a dureza do coração dos judeus e sua incapacidade de “ver” em Jesus o pão de Deus que dá vida. Enxergando apenas as suas convicções e acomodados num sistema ritualista, instalados no seu orgulho e autossuficiência estão seguros que sua única fome é de pão material, e que, portanto, não precisam do “pão” de Deus.

A expressão “carne” de Jesus não se resume ao seu aspecto corporal, mas a sua pessoa, doutrina e mensagem. Os discípulos o reconhecem nos gestos de amor, bondade, solicitude, misericórdia. Na condição de “pão do céu” Jesus revela a direção certa para vida verdadeira e mostra como Deus ama as suas criaturas ao mesmo tempo que faz um convite para fazer da sua vida um serviço fraterno e acolhedor a exemplo do seu “pão”.

O Evangelho nos desafia a não colocar nossa esperança apenas no pão que sacia a fome do corpo. Reconhecer o Pão de Deus implica ser capaz de discernir entre o que é passageiro e muitas vezes ilusório daquilo que permanece e se eterniza.

Peçamos a graça de não nos deixar iludir por promessas fáceis e felicidade passageira, que não nos deixemos manipular aceitando como “pão” as propostas que a opinião pública dominante quase sempre nos oferece e facilita.

É importante que nos perguntemos sobre nossa missão e vocação profética que muitas vezes é carregada de incompreensões, calúnias, perseguições e sofrimento. Não tenhamos medo de nos levantar e continuar o caminho que é longo e para o qual Deus nos renova e fortalece todos os dias.

O Evangelho sugere que nos perguntemos sobre o lugar que Jesus ocupa em nossa vida, em que medida construímos nossa existência ao redor do seu projeto como “pão da vida”. Acreditar que Jesus é “o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo” significa empreender uma luta continua e coerente contra o egoísmo, a exploração, a injustiça e tudo aquilo que denigre e causa sofrimento às pessoas e ao mundo. Na condição de batizados estamos respondendo com coerência à fé que professamos?

Para que isso seja uma realidade em nossa vida, será necessário retomar os conselhos de Paulo na segunda leitura desse domingo: “Toda a amargura, irritação, cólera, gritaria, injúrias, tudo isso deve desaparecer do meio de vós, como toda espécie de maldade. Sede bons uns para com os outros, sede compassivos; perdoai-vos mutuamente, como Deus vos perdoou por meio de Cristo. Sede imitadores de Deus, como filhos que ele ama. Vivei no amor, como Cristo nos amou”.