terça-feira, 10 de maio de 2011

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO III


RESENHA DO CAPÍTULO
OS PROFESSORES: INSTRUTORES OU EDUCADORES?[1]
Elcio Alberton
O autor parte da afirmação que educar se constitui numa tarefa muito mais excelsa do que o simples processo de instruir.  Ao longo do texto leva a compreender que a missão de educador equivale a um sacerdócio que transforma o professor em verdadeiro mestre de vida.  Desde esta perspectiva também a escola tem uma função muito além de local para a instrução. E educar consiste em transmitir valores, posturas, condutas, comportamentos, ao passo que instruir é uma redução a produção de conteúdos e competências específicas.
Uma escola que reduza sua função ao campo da instrução poderá ser uma boa preparadora para o mercado de trabalho e até desenvolverá competências e habilidades, mas não formará para a vida. (Caso da Escola Municipal Tasso da Silveira – Realengo). Neste sentido já se expressou Paulo Freire e o fez com as seguintes palavras: “Transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formativo”[2]
Outro expoente que trata da educação sobre a mesma ótica é Gusdorf[3]: “Se a instituição escolar na sua totalidade tem por fim a aprendizagem da humanidade pela pessoa é evidente que o sistema pedagógico deveria ter como tal um valor formativo” (Apud. Juliatto, 2010, p. 58).
Algumas condições são indispensáveis para que a escola desenvolva mais plenamente seu potencial formativo e um deles será a capacidade de desenvolver no seu interior o conceito de comunidade seja no seu todo, seja em suas partes, compreendendo a sala de aula, os espaços de lazer, a biblioteca, sala dos professores e etc.
Ninguém pode por em dúvida que a realização do ser humano e o seu modo de SER e fazer no mundo se deve à formação que se estabeleceu no período escolar. A influência desta instituição sobre as pessoas é tal que todos os governos totalitários tomam como primeiras medidas o controle dos sistemas educacionais.
Neste sentido cabe com exatidão a qualificação de educador para designar a missão de ensinar e o papel do professor uma vez que este tem uma tarefa especial que consiste em formar o caráter dos seus alunos, em repassar-lhes valores e lições de vida. Não se excluí é obvio da tarefa do professor o papel de facilitador no processo de aprendizagem. Isso claro que é importante, mas a missão do professor é muito mais complexa e dele se espera muito mais do que capacidade técnica e preparo intelectual.
Parece claro que o professor que resume sua função à tarefa de transmitir e facilitar habilidades e competências tem seus dias contados, sobretudo diante dos inúmeros meios eletrônicos que vão paulatinamente ocupando esse espaço.  Mas há uma condição que nenhum recurso tecnológico é capaz de suprir: a condição de educador, aquele que inspira, orienta e influência.
É o mesmo Gusdorf, na obra Professores para que? Quem afirma que do professor - instrutor se espera apenas conhecimento, do mestre educador se pede que seja capaz de interpretar o que ensina aplicando o saberes ao cotidiano das relações.
A ideia de professor como “un insegnante” é de longe comparada com a figura do “maestro de vita”  presente nas pequenas comunidades interioranas do norte da Itália pré-unificada. Aliás, foi esta figura que mais tarde acompanhou os imigrantes na saga de “colonizar o Brasil” no final do século XIX.
Por aí se pode ver que educação se constitui num sacerdócio, ou seja, é um elemento de vocação, mais que de simples profissão, para ser tal exige-se virtude e cultivo de hábitos que moldem o coração.
George Steiner[4] afirma que “ensinar seriamente é tocar no ponto mais vital de um ser humano... É buscar um acesso à integridade mais viva e íntima de uma criança ou de um adulto... Um ensino de má qualidade é um assassinato e, metaforicamente, um pecado” (Apud Juliatto, 2010, p.62).
Considerando este quesito há de se compreender que nunca nenhum docente está pronto na sua condição de educador, assim como também nenhum estudante é perfeito discípulo. Em ambos os casos a vida pede abertura para um aprendizado constante. Neste sentido não se pode falar de uma educação para o futuro, mas sempre sob a ótica presentista.
As instituições educacionais, escolas e universidades tem uma responsabilidade insubstituível que consiste em oferecer educação integral, a qual como se disse é muito mais do que facilitar a produção de saberes. Dentre os educadores de renome, merece citação o popular: Tristão de Ataíde, (Alceu Amoroso Lima) o qual declarou que o compromisso da Universidade “é promover a humanização integral entre pessoas, também entre classes e povos” (LIMA, 1961, p.12).
Já se disse que a função do professor é mais uma vocação do que uma tarefa a ser exercida e nesta direção já falava também Gandhi, afirmando que a verdadeira educação consiste em fazer aflorar o que há de melhor dentro das pessoas. A isso se denomina cultivar valores, que no dizer de Juliatto 2010, “são aqueles elementos que dão significado à vida. E o trato com os valores é responsabilidade do educador. Ele não considera importante somente proporcionar uma formação integral e humanista do futuro profissional, mas, sobretudo, sabe que tem o  compromisso de melhorar a alma humana” (p.65-66).
Nesta mesma direção se expressou o papa João Paulo II, falando aos universitários em Roma: “Como homens de ciência interrogai-vos continuamente sobre o valor da pessoa humana” (nove set. 2010). O descuido no que se refere ao cultivo de valores favorece a deformação dos alunos passando assim uma ideia que eles não são importantes. Neste sentido fica bem falar de educação integral como integradora da educação profissional.
Para que estas realidades sejam reconhecidas não é difícil compreender o conceito de praticidade que envolve o processo de ensino/aprendizagem. É por meio desta condição que alunos e professores têm condições de se adaptar às novas situações e enfrentá-las com serenidade. O educador é uma espécie de engenheiro do conhecimento, neste sentido estando preparado para fazer sempre novas articulações.
Os problemas existem para serem resolvidos e esta é a segunda ótica que precisa ser reconhecida na função do professor, diante das urgências e dificuldades o professor pragmático adora postura positiva, isto é, olhar clinico e sereno de quem sabe que poderá encontrar a solução de descontinuidade para o problema.
A terceira arte do professor educador reside na capacidade de organização, e neste sentido também ele é digno de ser imitado. A organização é o que se pode chamar de princípio de clareza entre aquilo que sabe e o que sabe fazer e dizer.
Seria também ilusório tratar a educação só a partir dos aspectos pragmáticos e presentistas, ou seja, o processo se dá no presente, mas com um olhar no horizonte e neste sentido o educador é um semeador de utopias. Nesta direção se expressa a escritora mexicana Monique Zepeda:
A escolha de ser professor supõe sonhos e riscos. O sonho de moldar o outro, quase criá-lo segundo o próprio desejo, transformando-o para que se pareça o mais possível a uma imagem ideal de ser humano, (...) para que chegue mais longe do que ele próprio tem chegado, para que alcance o que ainda não conseguiu (...) O risco de desconhecer que o desejo é motor de toda a ação pedagógica; o perigo de atuar com os olhos fechados. Existe o sonho de uma comunicação fluída com os alunos e o temível desencanto de não consegui-lo (Apud Juliatto, 2010, p. 69).
Educar para a utopia é muito diferente de formar a partir do viés ideológico, quem, verdadeiramente educa, assim o faz, bem sabendo em que direção faz. O que na linguagem de Rubem Alves consiste em plantar esperanças. Essa realidade faz do educador  um sedutor, e aquele que seduz também encanta e vai alimentando a dimensão espiritual e mística que acompanha o ato de educar.
Educar com a perspectiva de transformar o homem e a sociedade implica dar vazão à sensibilidade social  capaz de olhar com carinho para os mais necessitados seja econômico seja necessitado de solidariedade, neste sentido cabe o provérbio Hindu: “É quando o discípulo está pronto que o mestre aparece”.
O que se chama em outra linguagem de professores marcantes é que se denomina aqui de modelos e isso não exatamente porque sabem muito, dominam todas as técnicas pedagógicas ou conhecem todo o conteúdo, mas pelo contrário são educadores que cultivam o entusiasmo, a alegria e o otimismo.
Não sem razão retornamos ao início da Filosofia Grega quando o velho e sábio Sócrates  compara a função de ensinar ao trabalho da parteira. Ou seja o mestre facilita o crescimento do amor pelo saber e incentiva relações que facilitem o “dar a luz”. Na esteira da clássica afirmação socrática “Só sei que nada sei” destaca-se Picasso ao dizer: “Meu orgulho aos 80 anos é saber a metade do que pensava saber aos 20 anos...”.
Nada nem ninguém diz Paulo Freire pode sepultar o sonho de novos tempos para a educação e isso se pode compreender na afirmação: “divinizar ou diabolizar a tecnologia ou a ciência é uma forma altamente negativa e perigosa de pensar errado”(Freire, 2001, p. 37). Ao lado da tecnologia e das novas formas de ensinar o educador é desafiado a associar a sensibilidade para tratar as pessoas.
Na arte de educar alguns perigos são iminentes e um deles deixar-se dominar pelo dogmatismo, ou seja por certezas absolutas, do outro lado está o relativismo, posição que considera tudo como certo e correto dependendo do interesse e da ocasião. Nem tampouco pode se deixar envolver pelo ceticismo o qual reduz ao niilismo e incapacidade de saber e conhecer qualquer coisa.
Não se pode pensar educação sem compreender a missão da instituição e a filosofia que ela cultiva, ou seja, qual a ideia de ser humano é cultivada no seu interior. Muitas questões não tem necessidade de ser tratada, basta que sejam executadas. Entre elas o senso de justiça, que fala muito mais forte o fato de o professor ser uma pessoa justa do que todos os demais discursos.
Educar é uma questão de apontar para o bom, o bem o justo e o correto e isso se faz não exatamente pela titulação, como se expressa o reitor da PUCPR  “nós formamos o cidadão para ser bom profissional e para ser  gente boa” (Juliatto). Ou com outra formulação “As palavras serão vãs se o aluno não perceber, na vida do mestre, dentro e fora da universidade, o exemplo que arrasta” (apud, Juliatto,  2010, p. 87).
Com todas essas afirmações não há como fugir da compreensão de que a espiritualidade precisa fazer parte da atmosfera da educação. Aqui entra o desejo de Kant, que a educação produza pessoas civilizadas. Deixar de cultivar Deus e a concepção de pessoa ética e transcendente é deformar a educação.  Sem ilusão, abrir-se ao transcendente não pode ser entendido como negação da racionalidade pelo contrário esta abertura significa a expressão da capacidade mistagógica do próprio educador.
A mistagogia do educador está muito mais presente no modo como ele encara a vida do que nas distintas maneiras de como pode falar sobre ela. Neste sentido cabe a expressão de Einstein:
Não é suficiente ensinar ao homem uma especialidade. Através dela ele poderá tornar-se um tipo de máquina útil, mas não uma personalidade  harmoniosamente desenvolvida. É essencial que o estudante tenha uma compreensão e um sentimento vivo em relação aos valores. Ele deve adquirir um senso vivo do belo e do moralmente bom  (Apud Juliatto, 2010, p.92).


[1] JULIATTO, Clemente Ivo. Parceiros Educadores, Curitiba: Champagnat, 2010,  p. 55 – 91.
[2] FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. P.37
[3] Filósofo e epistemólogo Francês falecido no ano 2000.

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO II

CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO TEMA:
A EDUCAÇÃO QUE TEMOS
E A EDUCAÇÃO QUE QUEREMOS[1]

Elcio Alberton

I - PÉS NO CHÃO E OLHAR NO HORIZONTE
A proposição de educação para o futuro está calcada nas imagens do passado e na realidade presente. Já se falou que a educação é reprodutora de sistemas, mas que, entretanto, sua face moderna consiste em construir homens e mulheres melhores e com mais qualidade de vida.
Olhar para o futuro da educação é abrir-se para um horizonte metafórico, pois ele ainda não existe, ou seja, não é mais do que uma projeção. É também verdade que as mudanças atuais, decorrentes da globalização tecnológica apontam para um futuro sempre mais iminente e que urge ser perseguido.
Por outro lado não se pode menosprezar que a Educação tem sempre uma perspectiva presentista, posto que a partir desta realidade se construa o futuro. A dimensão futurista da educação igualmente apressa o presente e diminui o passado apontando para o mundo que não está ao alcance de qualquer controle. Por conta da utopia modernista, o ser humano é um ser insatisfeito.
Pensar a educação que queremos consiste em projetar o que não foi sonhado, em outras palavras significa dizer que popularizar a educação tornou-se um sonho real e que há muito deveria ter sido concretizado. É papel da educação no hoje pensar o sujeito de amanhã de modo que seja capaz de controlar suas ações desde a experiência.
A aprendizagem não é uma exclusividade da escola, de modo que o SER do indivíduo é uma condição “sine qua non” para o terceiro milênio. Sob a ótica futurista é imprescindível recordar as origens e revitalizar as esperanças. Kant já ensinou alguns critérios que permitem reconhecer um modelo educacional presentista que seja também garantidor do futuro:
a)     Homens disciplinados – condição capaz de submeter a barbárie;
b)     Homens cultivados -  faculdade capaz de levar a alcançar os fins;
c)     Homens civilizados – prudentes e capazes de adaptação;
d)    Homens moralizados – capazes de escolher distinguindo entre o que é bom e o que é mau.
O desenvolvimento dos indivíduos e sua adequação a estas condições é um fator cultural subjetivado graças à indeterminação da natureza humana. Neste sentido é importante superar o conceito de educação como preparação para o depois (Estudar para ser alguém na vida – ou educar a criança para ser um adulto bom, etc.) e compreendê-la como formação para o agora.
O indivíduo não nasce educado, ele vai se fazendo, isso não é sinônimo de dizer que é uma “tabula rasa”, mas vai adequando os seus saberes com os outros com os quais vai se socializando e fazendo a interação de saberes e valores.  Não é bom falar em acumulação de saberes, mas em saber de acordo com o tempo. Por isso mesmo não existe uma etapa na vida em que o processo de aprendizado tenha um fim (Já terminei meus estudos). Só um processo de aprendizado contínuo permite não limitar o horizonte da vida.
II - EIXO DE UM PROJETO PARA O FUTURO
Dentre as condições básicas para um projeto de educação maduro e coerente dois elementos são indispensáveis:
1)                 Ler e escrever – somente por meio deles pode haver uma reconstrução cultural e social. Pela leitura o indivíduo estabelece um processo de desenvolvimento da racionalidade e na medida em que escreve desdobra os significados. Ler é o que se pode chamar de transcendência da escola, naturalmente que esta precisa cultivar no aluno o gosto pela leitura, superando os paradigmas de que leitura é castigo.
Escrever com prazer é um desafio que as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação apresentam e exigem de todos os que dela se aproximam. As NTCI podem ser qualificadas como uma espécie de segunda língua e quem delas se apropria necessariamente lê e escreve de um modo que se faz entender noutra linguagem. É verdade também que o acesso ou não às NTCI pode criar também um fosso abissal entre os que tem acesso e os excluídos digitais. Mas as NTCI estabelecem um alicerce para a educação permanente.
III - EDUCAÇÃO = ACERVO ACUMULADO
            Ao dizer que a educação é um acervo acumulado não se está afirmando que o processo de aprendizado seja um amontoado de conhecimentos, muito pelo contrário, trata-se de um processo que ultrapassa limites e espaços. A educação é plural (O saber não ocupa lugar). O acúmulo de saberes se dá muito mais por aquilo que se estabelece no seu entorno do que propriamente com aquilo que se julga possuir. Deste modo é importante que a escola e todas as outras instituições que de algum modo são veiculadoras do saber estabeleçam parcerias que se constituam em pluralismo de conhecimento.
Pluralismo consiste em defender a ideia de que há muitos fins distintos que o homem pode perseguir e mesmo assim ser plenamente racionais, homens completos, capazes de entender entre si e de simpatizar e extrair luz uns dos outros. Porque, se não tivéssemos nenhum valor em comum com essas personalidades remotas, cada civilização estaria encerrada em sua própria bolha impenetrável e não poderíamos entendê-la em absoluto. A intercomunicação das culturas no tempo e no espaço só é possível porque o que torna os homens humanos é comum a elas e age como ponte entre elas (Imbernon, 2000 p. 50).

Eis aí uma alternativa para reconhecer os espaços e tempos dos saberes, trata-se de estabelecer um diálogo que mantenha o estímulo, a liberdade e a independência. Tal processo se dá por meio de uma relação de abertura entre sujeitos que cultivam a razão e que atribuem autoridade a quem de fato tem: a Educação.
Não há dúvida que apesar de todos os mecanismos de aprendizado que a modernidade põe ao alcance do ser humano a escola continua insubstituível, todos os demais apenas ajudam para que esta se aperfeiçoe e se adeque aos novos tempos.
Somente a certeza de que a educação, que se constitui num direito de todos esteja efetivamente ao alcance daqueles a quem ela é de direito fará com que os saberes estejam ao alcance de todos. Tal profecia ou desejo já foi apontado por Comenius com sua Didática Magna, que faz uma das afirmações mais contundentes sobre a necessidade de ampliar o conceito de ensinar.

Processo seguro e excelente de instruir, em todas as comunidades de qualquer reino cristão, cidades, aldeias, escolas tais que toda a juventude de um e de outro sexo sem excetuar ninguém em parte alguma, possa ser formada nos estudos, educada nos bons costumes, impregnada de piedade, e, desta maneira, possa ser nos anos da puberdade, instruída em tudo o que diz respeito à vida presente e à futura, com economia de tempo e de fadiga, com agrado e com solidez. (Comênius, 1985, p. 43).

O método de Comenius propõe uma formação progressiva e ordenada na qual também seja dada atenção aos conteúdos. Sob esta ótica a didática deixa de ser ‘teológica’ isso é submissa à teologia e à igreja, para ser sociológica. Aqui aparece pela primeira vez a relação professor aluno, centrando a preocupação no último, condição que virá a ser reforçada com o movimento da escola nova. As posições de Comênius constituem o que se pode chamar de primeira revolução pedagógica.
Se se quer pensar numa educação para o futuro há que se reencantar a educação no presente atendendo as demandas atuais como caminho para superação do que se chama crise da educação.



[1] SACRSITAN, José Gimeno. In IMBERNÓN, F. A Educação no século XXI. Porto Alegre: Artmed, 2000.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

HOMILIA PARA O DIA 15 DEMAIO DE 2011


4° DOMINGO DA PÁSCOA
Leituras:  Atos dos Apóstolos  2,14a.36-41; Salmo22,1-3a.3b-4.5.6 (R.1);
1Pedro 2,20b-25; João 10,1-10

Nas relações sociais,  comunitárias,  institucionais, familiares,  e até mesmo no trabalho é bastante comum que algumas pessoas sejam identificadas e reconhecidas por suas habilidades e competências. Em função disso são qualificadas como se fosse seu próprio nome. É bem comum que por conta do modo como realizam alguma atividade elas sejam procuradas por todos dentro das instituições e comunidades em que vivem. Assim, por exemplo, reconhecemos a “D. Maria Benzedeira”, “O Seu João da Padaria”, “D. Joana da creche”. Quando se fala sobre alguma destas necessidades automaticamente vem à mente a pessoa que assim é identificada.
Ora, com a pessoa de Jesus Cristo, e na relação conosco e com seus conterrâneos não foi diferente. A comunidade de Israel  o reconhecia como Mestre, Messias, Filho de Davi, Carpinteiro e etc. No Evangelho de hoje ele mesmo se dá outros dois adjetivos: Bom Pastor e Porta do Redil.
Na condição de Bom Pastor se apresenta como aquele que cuida com a mais absoluta paixão por seu rebanho. Afirma com convicção tudo o que está disposto a realizar pelo seu rebanho: é capaz de entregar a própria vida.
Na condição de porta se apresenta como única passagem segura para a vida e para o encontro com o Senhor da vida.  E por isso mesmo tanto ele, quanto os que o seguem reconhecem  sua voz e se chamam pelo próprio nome.
Por causa dessa certeza os apóstolos não tiveram medo de proclamar que Ele foi o enviado do Pai, o que assumiu as dores e os riscos por causa daqueles que o mesmo Pai lhe havia confiado.
Já na segunda leitura a comunidade percebe que o jeito de ser de Jesus, pode ser também imitado por cada um dos seus seguidores. Ou seja, como o Mestre ter a coragem de carregar as dores e os sofrimentos na convicção de que eles fortalecem, purificam e garantem a realização do bem maior. Não se trata de procurar sofrimentos e provações, trata-se sim de compreender os sofrimentos que a vida exige como Cristo mesmo assumiu a cruz na perspectiva da ressurreição.
Eis a razão da Oração que fizemos no Salmo:  O Senhor é o pastor que me conduz; não me falta coisa alguma. Mesmo que eu passe pelo vale tenebroso, nenhum mal eu temerei;  estais comigo com bastão e com cajado; eles me dão a segurança!”.
Confiantes no cuidado do Pastor, também cada um de nós é novamente convidado a carregar a cruz de cada dia partilhando também as provações de cada pessoa com quem convivemos. Podemos ter certeza, Ele nos conhece pelo nome e se dá a nós na Palavra, na Eucaristia e está conosco na oração da Igreja reunida e “Pelos prados e campinas verdejantes ele nos leva a descansar”.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO I


COMENTÁRIOS AO TEXTO DE : A. I. PÉREZ GOMES
AS FUNÇÕES SOCIAIS DA ESCOLA DA REPRODUÇÃO À RECONSTRUÇÃO CRÍTICA DO CONHECIMENTO E DA EXPERIÊNCIA

Elcio Alberton[1]


1-      PAPEL DA ESCOLA
Ninguém duvida da função da escola e do lugar que ela ocupa como elemento de humanização das relações na sociedade. Para a função clássica de transmitir conquistas e saberes, tradicionalmente se deu o nome de educação, função reconhecida como tarefa primordial da escola.
Entretanto não há como negar que a complexidade da sociedade exige a instalação de um  sistema de educação, o qual, segundo Tescarolo (2004).

Implica o desenvolvimento de relações interpessoais de natureza cooperativa que deverá levar em conta as histórias das pessoas que agem em seu interior, além da realidade cultural, social, política e econômica do entorno da escola, e dos reflexos do confronto entre essas instâncias (p.105).

Dentre os papéis importantes da escola, um deles consiste em atender e socializar as pessoas envolvidas no processo, porém a escola corre o risco de se reduzir a reprodutora de um sistema e de ideologias, na medida em que simplesmente atua para garantir a sua função enquanto instituição.
Concordando que uma das tarefas da escola é a que já se descreveu, está também claro que esta tarefa não é uma exclusividade da escola, pelo contrário, outras instâncias também cumprem essa tarefa, mas nenhuma delas tem a força da escola. Força que se concretiza na estrutura mesma do complexo sistema escolar e no caráter sistemático das suas atividades, condição que é respaldada pela própria comunidade e por todas as demais instâncias em forma de delegação.
A escola é tanto mais complexa quando mais se compreende que sua função exige manter um equilíbrio entre conservação e mudança.

2-                 CARÁTER PLURAL E COMPLEXO
O objetivo básico da escola consiste em preparar os alunos para o mundo do trabalho, essa é uma ideia que, embora, não pareça ser o ponto central da vida escolar está incorporada por todos os sistemas sociais e pela grande maioria das pessoas. Para a grande parte da população, frequentar a escola é condição “para ser alguém na vida”, para ter “um trabalho melhor”, para “ganhar mais dinheiro” e assim por diante. Essa suposta responsabilidade da escola ganhou muito mais peso com o crescimento econômico dos chamados países emergente, entre eles o Brasil. É pública e do conhecimento de todos a máxima da atualidade: “Sobram vagas e faltam pessoas qualificadas”.
As mudanças aceleradas na sociedade tecnológica colocaram em xeque a função da escola aumentando ainda mais a complexidade da sua condição. No mundo das Novas tecnologias de comunicação e informação (NTCI), parece que a preparação para “SER PESSOA”, fica relegada a uma condição pouco importante em detrimento do desenvolvimento das competências. Eis aí um grande desafio da escola: equilibrar este sistema.
Não se pode ter em pouco caso a tarefa de preparar os cidadãos para a vida pública garantindo o respeito e a liberdade, características de um estado democrático o qual deve valorizar princípios de ética, solidariedade e honradez.
A contradição evidente na instituição que se torna sempre mais explícita na relação pessoa X mercado encontra-se sempre mais acentuada por conta do escândalo entre aqueles que têm e a significativa parcela daqueles que não apenas não tem, mas estão literalmente excluídos da possibilidade de ter.
A igualdade legal, defendida em larga escala, não é senão igual na esfera política, no sentido que todos os cidadãos de todas as classes e condições têm acesso ao voto como um exercício democrático (Um gato, um voto, um voto um gato), entretanto, tal igualdade não se dá na esfera econômica.
Na medida em que a escola se aceita na sua condição de reprodutora de um sistema ideológico e de conformismo social ao mesmo tempo macula a sua imagem e se configura numa instituição elitista, competitiva e anti-solidária. Concorda com o conformismo social e com a legitimação de uma sociedade desigual e contraditória.
Dentre as características excludentes da escola uma delas é constituído pelo sistema de “notação” por meio do qual aqueles que “sabem” são promovidos e os demais “bochados”. Facilmente as pessoas aceitam como natural esse processo de seleção que se pode chamar da “Darwinismo educacional”, não percebem que a escola não é tão aberta como parece e que se confirma como uma realidade promotora de exclusão social.

3-                 MECANISMOS DE SOCIALIZAÇÃO
Não poucas vezes o currículo se configura num mecanismo ideológico e que muitas vezes é também “oculto”. Poucas vezes se percebe que o processo ensino-aprendizagem é um processo muito mais sinuoso e complexo conforme Fernández Enguita (1990b):

A escola é uma trama de relações sociais e  materiais que organizam a experiência cotidiana e pessoal do aluno/a com a mesma força ou mais que as relações de produção podem organizar as do operário na oficina ou as do pequeno produtor no mercado. Por que não continuar olhando o espaço escolar como se nele não houvesse outra coisa em que se fixar além das ideias que se transmitem (apud Sacristán, 1998, p. 17).
A trama de relações a que se refere o autor em questão não é senão resultado do processo de socialização na escola que se constitui no reflexo do processo presente em todas as relações sociais. O estabelecimento de um “currículo fechado” – tradicional, conservador, não é estimulante para refletir sobre as preocupações sociais, ele é imposto pronto e acabado, vindo de fora para dentro e cuja finalidade é preparar para o próximo exame. (ENADE, PROVINHA BRASIL, ENEM, etc.).
Urge pensar num currículo subliminar que valorize a interação social aproximando os diferentes e diminuindo as diferença. É necessário levar em consideração que o aluno aprende  muito além do currículo, daí que a consideração de Tescarolo (2004) ganha notoriedade:
A escola, por exemplo, funciona integrando-se ao subsistema curricular, por sua vez interconectado a outros sistemas específicos, como o conteúdo, a formação, o planejamento e a avaliação, nessa malha funcional que promove a organização social. Isso garante que ela evolua em sensibilidade, no caminho inverso ao da incerteza e do desequilíbrio, vinculando-se ao tempo, levando o sistema e seus subsistemas a se integrarem sob a ação das pessoas que vivem e se esbarram umas nas outras em seu interior, o que condiciona sua existência (p.95).
Neste sentido, estabelecer um parâmetro curricular implica compreender:
a)                  Que a seleção de conteúdos indicados pela proposta curricular intervém na modificação da sociedade;
b)                 Que o estabelecimento de uma proposta curricular implica num elevado grau de participação e nas diferentes formas de trabalhar;
c)                  A execução de uma proposta supõe uma reordenação do espaço;
d)                 Os mecanismos de recompensa incluídos na proposta;
e)                  As distintas formas de controle na sua execução;
f)                  Que a escola está inserida numa sociedade individualista e competitiva e que a proposta curricular precisará levar em conta a colaboração e a solidariedade.
g)      O grau de participação da comunidade escolar será determinante para o êxito de proposta curricular que tenha presente o necessário processo de socialização. Aqui cabe a preocupação de Paulo Freire: “ninguém educa ninguém”!.

4-                 CONTRADIÇÕES NO PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO
Não há dúvida que a escola, sob o ponto de vista institucional tem uma função que se pode chamar de “enquadramento” e isso não acontece sem conflitos, naturalmente compreensível em se tratando de lidar com pessoas, cujas vidas são distintas e diferentes.
Esse processo conflituoso nem sempre é explícito, pelo contrário, muitas vezes ele aparece disfarçado de “sadia convivência”, resultado da habilidade disciplinadora do professor. “Você finge que ensina e eu finjo que aprendo”.
Nesse processo acontece uma criação oculta da aceitação do poder disciplinador, da instituição o qual exige uma mediação negocial que supõe o respeito e valorização de diferentes situações e procedências dentro da comunidade escolar.
A preparação para o trabalho se mostra cada vez mais ineficiente diante das especializações do mundo do trabalho, razão porque sem esquecer esta a escola deve também preparar para o contato com o mundo. As demandas são sempre mais diferenciadas e contraditórias e fazer simplesmente corresponder ao mundo do trabalho seria permitir que a escola ficasse distante anos luz da sua verdadeira função.
Diante da realidade contraditória da instituição é possível perceber como cada vez mais o conceito de participação é muito mais abrangente do que exercício democrático do voto o qual sem a consciência corresponsável é apenas parte do exercício democrático sem uma face cidadã.
O viés ideológico, do qual é revestido a instituição e suas práticas apresentam para o aluno condutas dissociadas da realidade de fato. A aparente abertura para todos esconde o processo de exclusão muitas vezes camuflado (Ver a história do sapato de Pablo Gentili[2]).
Querer esconder as diferenças de origem, implica em camuflar as diferenças de destino, insistir na escola como lugar de igualdade é sinônimo de que ela socializada para a desigualdade.

5-                 SOCIALIZAÇÃO E HUMANIZAÇÃO
Por outro lado a escola tem uma tarefa humanizadora muito além da contraditória condição institucional. Por meio desta função a escola exerce sua condição de propulsora do progresso e da mudança. O caráter educador, na condição de administradora do conhecimento público faz da escola um instrumento em condições de desmascarar o viés reprodutor do Status Quo.
O caminho para que a escola se manifeste nesta condição é a mediação crítica da utilização do conhecimento. Na tensão dialética entre mantenedora e transformadora a escola pode oferecer sua condição pública de adequação das autonomias em vista do agir “adulto”. Em resumo: considerando as diversidades que compõe o ser da escola uma das tarefas imprescindíveis é a preparação da comunidade escolar para pensar e agir democraticamente numa sociedade que nem sempre é democrática.
A escola tem uma função compensatória mas não pode abusar dela, não se trata de esconder, nem de minimizar, mas de fazer viver apesar das dificuldades. Não se pode querer que a escola fosse um instrumento homogêneo e homogenizador, sendo diversa trabalha com a diversidade.
Eis a ideia fundamental para a superação do que se chama currículo único, para uma plataforma curricular que leve em conta o desenvolvimento de habilidades. Tratar com uniformidade é consagrar a desigualdade e a injustiça social.
Na sua condição compensatória reside a necessidade de um base curricular que esteja a serviço da flexibilidade e da diversidade capaz de dar crédito ao que se chama mobilidade patrocinada.
A uniformidade favorece grupos que já tem semelhança com a estrutura, aumentando assim o fosso da exclusão o qual exige percorrer um caminho inverso no sentido de adequar as diferenças o que fará da escola tanto mais eficaz e cumpridora da sua função compensatória.
Entre as práticas importantes para que esta realidade aconteça uma delas é a maior permanência no ambiente escolar, seja do ponto de vista etário, seja do ponto de vista diário.
Não se pode esperar da escola o estabelecimento de igualdades, este não é o seu papel, mas é sim sua função capacitar para viver no mundo das desigualdades. Neste sentido a democracia passa a ser vista em sua forma mais ampla do que simples forma de governo (Segundo DEWEI), mas será estimuladora de originalidades.

6-                 RECONSTRUIR O CONCEITO DESDE AS EXPERIÊNCIAS
O tempo é de superar as práticas consagradas de ser e fazer, isso também vale para a escola cuja função de distribuidora de informações foi de longe superada por outros meios, sobretudo, de comunicação de massa  os quais determinam também um modo de viver em sociedade, tarefa que foi, por longo tempo, ocupada pela escola.
Os MCS cumprem o papel de distribuidores informacionais, reproduzindo uma cultura dominante, cabendo a escola a reconstrução crítica do conhecimento. Segundo Bernstein (1987):
A escola deve transformar-se numa comunidade de vida e, a educação deve ser concebida como uma contínua reconstrução da experiência. Comunidade de vida democrática e reconstrução da experiência baseadas no diálogo, na comparação e no respeito real pelas diferenças individuais, sobre cuja aceitação pode se assentar um entendimento mútuo, o acordo e os projetos solidários. O que importa não é a uniformidade, mas o discurso. O interesse comum realmente substantivo e relevante somente é descoberto ou é criado na batalha política democrática e permanece ao mesmo tempo tão contestado como compartilhado (apud Sacristán, 1996, p. 25).

A criticidade é uma garantia de superaração do viés ideológico reprodutor a qual, por sua vez facilita a percepção do contexto no processo de aprendizagem. Isso exige estabelecer um tipo de relações com intercâmbio de experiências de aprendizado. Nesta dimensão o aluno não pode ser visto como uma tabula rasa, o papel da escola será usar desta verdade com a tarefa primeira de  facilitar a leitura crítica dos seus saberes.
A título de conclusão é indispensável uma escola democrática capaz de empreender transformações radicais das práticas pedagógicas. A palavra de ordem pode ser: Participação ativa e crítica!

REFERÊNCIAS
GENTILI, Pablo. & ALENCAR, Chico. Educar Na Esperança Em Tempos De Desencanto. Petrópolis: Vozes, 2003.
SACRISTAN, j. Gimeno.  & GÓMEZ, A. I. Pérez. Compreender  e Transformar o Ensino. Porto Alegre: Artmed, 1998.
TESCAROLO, Ricardo. A Escola Como Sistema Complexo. São Paulo: Escrituras, 2005.



[1] Professor na UNOESC – Universidade do Oeste de Santa Catarina e na Rede Pública de Santa Catarina.
[2] Um sapato perdido (Ou quando os olhares “sabem” olhar)
“Naquela manhã, decidi sair com Mateo, meu pequeno filho, para fazer algumas compras. As necessidades familiares eram, como quase sempre, ecléticas: fraldas, disquetes, o último livro de Ana Miranda e algumas garrafas de vinho argentino, difíceis de encontrar no Rio de Janeiro por um bom preço. Depois de algumas quadras, Teo dormiu tranqüilamente em seu carrinho. Enquanto ele sonhava com alguma coisa provavelmente mágica, percebi que um de seus sapatos estava desamarrado e quase caindo. Decidi tirá-lo para evitar que, por um descuido, se perdesse. Poucos segundos depois, uma elegante senhora me alertou: “cuidado!, seu filho perdeu um sapatinho”.”Obrigado – respondi – mas fui eu mesmo que tirei”. Alguns metros à frente, o porteiro de um edifício, de sorriso tímido e poucas palavras, moveu sua cabeça em direção ao pé de Mateo, dizendo em um tom grave: “o sapato”. Levantei o polegar em sinal de agradecimento, e continuei meu caminho. Antes de chegar ao supermercado, dobrando a esquina da Avenida Nossa Senhora de Copacabana com a Rainha Elizabeth, um surfista igualmente preocupado com o destino do sapato de Teo disse: “ô, mané, teu filho perdeu a sandália”. Ergui o dedo novamente e sorri agradecendo, mas já sem tanto entusiasmo. No supermercado, as pessoas continuaram chamando minha atenção. A suposta perda do sapato de Mateo não deixava de gerar diferentes mostras de solidariedade e alerta. Chegando a nosso apartamento, João, o porteiro, orgulhando-se de sua habitual teatralidade, gritou despertando o menino: “Mateo! Seu pai perdeu o sapato outra vez”. O sol tornava aquela manhã especialmente brilhante. A preocupação das pessoas com o paradeiro do sapato de meu filho, mesmo que insistentemente, dava-lhe um toque solidário que a tornava mais ainda alegre ou, pelo menos, fraternal. Contudo, estando a salvo dos chamados de atenção, comecei a ser invadido por uma estranha sensação de mal-estar (Gentili, 2003 p. 27).