segunda-feira, 12 de outubro de 2009

LITURGIA E BÍBLIA

APROFUNDANDO UM POUCO MAIS A PALAVRA DE DEUS NA LITURGIA

Assim como Cristo foi enviado pelo Pai, também enviou os apóstolos não só para serem transmissores dos ensinamentos de Jesus, mas também para levarem a efeito o que anunciavam: a obra da salvação por meio do sacrifício e dos sacramentos, sobre os quais gira toda a liturgia. Proclamando a palavra de Cristo, que lhes havia enviado, celebrando a fração do pão em memória daquilo da obra que Jesus tinhas realizado os apóstolos transmitiram aos primeiros cristãos a sua convicção que Jesus tinha ressuscitado. Aos poucos as primeiras comunidades foram assimilando também o que os apóstolos realizavam e a palavra foi ganhando terreno. Assim nós lemos num texto de São Justino, escrito aproximadamente por volta do ano 150:

“No dia chamado do Sol, nós nos reunimos todos em um mesmo lugar vindo das cidades e dos campos. Lemos as memórias dos apóstolos e dos profetas, tanto quanto o tempo permite. Aquele que preside exorta à imitação destas coisas. Depois nos levantamos todos juntos e recitamos orações. Quando terminamos de orar , apresenta-se pão, vinho e água. Aquele que preside, segundo o poder que nele existe, eleva orações e ações de graças. O povo aclama dizendo AMÉM. E cada um recebe e é feito participante das coisas eucarístizadas e aos ausentes estas coisas são levadas pelos diáconos. Os que querem segundo a sua vontade, dão o que lhes parece e aquele que preside socorre os órfãos, as viúvas e os doentes. E celebramos esta reunião geral no dia do sol, por ser o primeiro dia em que Deus transformando as trevas e a matéria, fez o mundo, e também o dia em que Jesus Cristo Ressuscitou e venceu as trevas da morte."
Infelizmente esta importância dada à Palavra de Deus no início do cristianismo não teve longa duração e aos poucos foi perdendo seu espaço e importância dando lugar à prática de devoções e outra práticas piedade. A palavra foi substituída pela história da vida dos santos os quais deixaram de ser vistos como modelos a serem imitados para se tornarem uma espécie de “quebra galho” entre o mundo necessitado e “Deus distante e quase surdo” ou que pelo menos não tinha disposição para ouvir e atender a multidão de pedintes. Neste contexto os santos foram colocados como uma espécie próxima a quem cada um se dirige segundo a sua necessidade, o santo pede pra Deus. Deus dá ao Santo que alcança ao fiel devoto.

Só com a reforma litúrgica do Vaticano II a Palavra de Deus voltou a ocupar o lugar que lhe cabe nas nossas liturgias e lá os padres conciliares escreveram: “Para que apareça claramente que na liturgia as cerimônias e as palavras estão intimamente unidas:1) Nas celebrações litúrgicas seja mais abundante, variada e bem adaptada a leitura da Sagrada Escritura”(Sacrossanto Concílio 35, 1). Já dissemos que a Palvra havia perdido seu lugar na história da Igreja e sito sedeu por diversas razões, agora o concílio insiste na sua restauração e da as devidas explicações para esta soliçitação. “Portanto, como Cristo foi enviado pelo Pai, assim também ele enviou os apóstolos, cheios do Espírito Santo, não só porque, pregando o Evangelho a todos os homens anunciassem que o Filho de Deus com a sua morte e ressurreição nos livrou do poder de satanás e da morte e nos transferiu para o reino do Pai, mas também para que levassem a efeito, por meio do sacrifício e dos sacramentos, sobre os quais gira toda a vida litúrgica, a obra de salvação que anunciavam. Assim pelo batismo os homens são inseridos no mistério pascal de Cristo: com ele mortos, sepultados, e ressuscitados; recebem o espírito de adoção de filhos, “no qual clamam: Abba, Pai ” (Rm 8,15), e se tornam assim verdadeiros adoradores que o Pai procura” ( Sacrossanto Concílio 6).

As declarações do concílio são bastante claras para fundamentar esta solicitação: “Indiquem as rubricas o momento mais apto para a pregação, que é parte da ação litúrgica, quando o rito a comporta. O ministério da palavra deve ser exercido com muita fidelidade e no modo devido. Deve a pregação, em primeiro lugar, haurir os seus temas da Sagrada Escritura e da liturgia, sendo como que o anúncio das maravilhas divinas na história da salvação, isto é, no mistério de Cristo, que está sempre presente em nós e opera, sobretudo nas celebrações litúrgicas” (Sacrossanto Concílio 35, 2).

Se a Palavra deve ocupar um lugar importante é natural que os padres concilaires também tivessem uma palavra sobre o tempo no qual se proclama a Palavra: “Para que a mesa da Palavra de Deus seja preparada, com a maior abundância, para os fiéis, abram-se largamente os tesouros da Bíblia, de modo que, dentro de certo número de anos, sejam lidas ao povo as partes mais importantes da Sagrada Escritura” (Sacrossanto Concílio 51)

Depois que os livrso litúrgicos foram revistos como pediu o Concílio n´so lemos na introdução do leiconário das missas: “A compreensão da salvação, que a palavra de Deus não cessa de recordar e prolongar, alcança seu mais pleno significado na ação litúrgica, de modo que a celebração litúrgica se converta numa contínua, plena e eficaz apresentação desta palavra de Deus. Assim, a palavra de Deus, proposta continuamente na liturgia, é sempre viva e eficaz pelo poder do Espírito Santo, e manifesta o amor ativo do Pai, que nunca deixa de ser eficaz entre as pessoas” (Introdução ao lecionário 4).

Além desta importância para a compreensão da revelação de Deus o catecismo da Igreja católica ensina que a presença real de Jesus está sim na Eucaristia e de um modo muito extraordinário, mas sua presença nã ose reduz ou se limita a isso. Diz o catecismo que Cristo está realmente presente na Palavra Proclamada, na Assembléia Reunida, na Pessoa daquele que preside e na Eucaristia. Na constituição Sacrossanto Concilio estas quatro formas estão mais claramente explicadas: “Ele está presente pela sua virtude nos sacramentos, de tal modo que, quando alguém batiza, é o próprio Cristo quem batiza. Está presente na sua palavra, pois é ele quem fala quando na Igreja se lêem as Sagradas Escrituras. Está presente, por fim, quando a Igreja ora e salmodia, ele que prometeu: “onde se acharem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles” (Mt 18,20).Realmente, nesta grandiosa obra, pela qual Deus é perfeitamente glorificado e os homens são santificados, Cristo sempre associa a si a Igreja, sua amadíssima esposa, que invoca seu Senhor, e por ele presta culto ao eterno Pai.

Com razão, portanto, a liturgia é considerada como exercício da função sacerdotal de Cristo. Ela simboliza através de sinais sensíveis e realiza em modo próprio a cada um a santificação dos homens; nela o corpo místico de Jesus Cristo, cabeça e membros, presta a Deus o culto público integral.

Por isso, toda celebração litúrgica, como obra de Cristo sacerdote e do seu corpo, que é a Igreja, é uma ação sagrada por excelência, cuja eficácia nenhuma outra ação da Igreja iguala, sob o mesmo título e grau” (Sacrossanto Concilio 7). Estaverdade estabelece entre o mundo e Deus um diálogo de comunhão com o mesmo que fez aliança com nossos pais na fé.

A igreja insistiu em afirmar que o cuidado com a Palavra de Deus não éalgo secundário ou modismo dos nossos tempos e no documento sobre a Palavra no número 21 lemos: “A Igreja sempre venerou a Sagrada Escritura da mesma forma como sempre venerou o próprio Corpo do Senhor, porque, de fato, principalmente na sagrada liturgia, não cessa de tomar e entregar aos fiéis o pão da vida, da mesa da palavra de Deus como do corpo de Cristo” Uma vez mais vamos sendo conmvidados a compreender que temos duas formas de alimento e dois modos de fazer memória de Jesus: Palavra e Eucaristia. Estas afiramnçõs da Igreja não são, como dissemos, resultados de modismos, mas uma verdadeira vontade de voltar às fontes. São muitos os textos de autores cristãos que apresentam a importância da Palavra que agora estava perdida. Vejamos algumas citações importantes: “Quanto a mim, penso que o Evangelho é o corpo do Cristo e que a Sagrada Escritura é sua doutrina. Quando o Senhor fala em comer sua carne e beber seu sangue, é certo que fala do mistério (da Eucaristia). Entretanto, seu verdadeiro corpo e seu verdadeiro sangue são (também) a palavra da Escritura e sua doutrina”(Jerônimo +419/420).
E este outro “Eu lhes pergunto, irmãos e irmãs, digam o que, na opinião de vocês, tem mais valor: a palavra de Deus ou o Corpo de Cristo? Se quiserem dar a verdadeira resposta, certamente deverão dizer que a palavra de Deus não vale menos que o Corpo de Cristo. E por isso, todo o cuidado que tomamos quando nos é dado o Corpo de Cristo, para que nenhuma parte escape de nossas mãos e caia por terra, tomemos este mesmo cuidado, para que a palavra de Deus que nos é entregue, não morra em nosso coração enquanto ficamos pensando em outras coisas ou falando de outras coisas; pois aquela pessoa que escuta de maneira negligente a palavra de Deus, não será menos culpada do que aquela que, por negligência, permitir que caia por terra o Corpo de Cristo” (Cesário de Arles)

Claro também precisa ficar para todos que a compreensão da Palavra de Deus não é resultado da nossa própria inteligênica e sabedoria, membros de um único corpo e guiados pelo mesmo Espírito é necessário “Para que a palavra de Deus realmente produza nos corações aquilo que se escuta com os ouvidos, requer-se a ação do Espírito Santo, por cuja inspiração e ajuda a palavra de Deus se converte no fundamento da ação litúrgica e em norma e ajuda de toda a vida. Assim, a atuação do Espírito Santo não só precede, acompanha e segue toda a ação litúrgica, mas também sugere ao coração de cada um tudo aquilo que, na proclamação da palavra de Deus, foi dito para toda a comunidade dos fiéis; e, ao mesmo tempo que consolida a unidade de todos, fomenta também a diversidade de carismas e a multiplicidade de atuações” (Introdução do lecionário 9).

Feitas estas considerações podemos nos aprofundar melhor na proclamação da Palavra, isto nos exercícios de meditação e proclamação da Palavra.

MISSÃO DA IGREJA


A PALAVRA DE DEUS NA VIDA E NA MISSÃO DA IGREJA

Dentre as formas humanas de expressar o pensar, o agir e o fazer humano, destaca-se a Palavra. Mas se devêssemos perguntar exatamente qual a função da palavra e sua importância nas relações sociais nem sempre saberíamos responder com precisão. Em toda e qualquer situação a palavra é o meio privilegiado e comunicação humana, mas muitas vezes por mais clara que seja a palavra ela pode ser fonte de confusão, sobretudo, se mal interpretada, mal pronunciada, mal compreendida.

Usamos o recurso da palavra para esclarecer, pedir, sugerir, informar, agradecer, etc... Quase sempre usamos a palavra estabelecendo um diálogo cuja finalidade é comunicar e formar relações. Muitas vezes damos importância diferenciada às palavras de acordo com a circunstância em que foram ditas ou por quem foram verbalizadas.

Quanto mais importante haverá de ser a Palavra de Deus. E esta Palavra é única sendo muitas e proferida de muitos modos. São Paulo, nas suas cartas, (que são Palavra de Deus), usa muitas vezes expressões que dão maior peso às suas palavras. Encontramos, por exemplo, citações mais ou menos assim: “de muitos modos deus nos falou, mas nos últimos tempos veio até nós na pessoa do seu Filho Jesus”; e ainda “a boa noticia que eu anuncio não é uma invenção humana. Eu não recebi de ninguém e ninguém o ensinou a mim, mas foi o próprio Cristo que o revelou para mim”. E São Tiago escreveu assim: “Não se enganem; não sejam apenas ouvintes dessa Palavra, mas a ponham em prática”.

Nos documentos da Igreja temos muitas referências à Palavra de Deus e ao modo como podemos conhecê-la e praticá-la. Lemos pois assim: “Na assembléia do domingo a Igreja lê aquilo que em todas as escrituras se refere a Cristo e celebra a Eucaristia como memória da morte e ressurreição do Senhor, até que Ele venha”.

Popularmente chamamos a Bíblia de Palavra de Deus, a rigor ela não é exatamente a Palavra, pois que esta é a interpretação ou a verbalização daquilo que está escrito. Em todo o caso podemos sim chamar a Bíblia de Palavra de Deus no sentido que ela não é um simples de registro de intenções. A Bíblia é o registro do diálogo realizado entre o Criador e a criatura, isto é, a concretização do desejo de Deus que se realizou com toda a plenitude na pessoa de Jesus. Deste modo podemos dizer que aquilo que está escrito na Bíblia é ao mesmo tempo Palavra e realidade. Ou seja ‘DITO E FEITO”.

Se estudamos um pouco de língua portuguesa e literatura nos deparamos que existem diversas formas de linguagem. Do mesmo modo quando vimos um filme, uma novela, um conto, etc... Conforme a intenção do autor ele usa uma figura de linguagem. Sabemos que existe a linguagem da poesia, da ficção, da narração, e muitos outros. Os compositores musicais se servem das diversas formas de compreender a palavra para dizer, por meio da música, muitas realidades que seriam mais difícil expressar com palavras as vezes duras e frias. Assim também se dá com a Bíblia. Nos textos sagrados encontramos narração, lei, profecia, sabedoria, poesia, carta, previsões.

Mas o que isso tem a ver com liturgia?

Antes de tudo é importante responder qual o significado da Palavra liturgia. De origem grega a expressão é leitourgia. Traduzido literalmente, leitourgia significa “serviço feito para o povo”, ou, “serviço diretamente prestado para o bem comum”. Com este conceito somos forçados a compreender a palavra liturgia não exclusivamente como uma palavra restrita ao uso religioso. A rigor a poderia se usar este termo para indicar todo e qualquer serviço feito por alguém em favor de outro ou de uma comunidade.

Mas é preciso ter muito claro que quem primeiro fez uma liturgia e a completou de forma perfeita foi Deus. Na obra da criação Ele realizou um maior serviço em favor de todas as criaturas. O serviço, a liturgia, de Deus teve sua forma mais perfeita no sacrifício redentor de Jesus que se deu como vítima pelos nossos pecados.

Como toda boa ação costuma ser recordada, recontada, valorizada, e muitas vezes permanece presente de geração em geração. Do mesmo modo fazemos com a liturgia que Deus realizou por nós e isto nós chamamos de CELEBRAÇÃO. Aquilo que é julgado importante acaba ficando na memória e no coração.

A liturgia recorda e prolonga a história da salvação as ações (o serviço) que Deus realizou e continua realizando em favor do seu povo. Aquilo que lemos na liturgia, não se resume como dissemos acima em uma carta de boas intenções, trata-se na realidade de palavras e fatos muito unidos entre si. A história em que Deus revela e realiza a salvação é uma história em relação com a palavra, nela a palavra se faz história e a história se faz palavra.

Ora, está mais do que claro que aquilo que se lê na liturgia é Palavra de Deus, portanto se pode dizer que é Ele mesmo quem fala pela liturgia. Logo mais veremos como é importante o papel dos leitores nas celebrações na medida em que se compreende que não são eles mesmos quem falam mas com a sua voz proclamam a Palavra de Deus a quem se pode dizer que emprestam as suas forças e dons para que sua Palavra seja conhecida.

Em outubro de 2008 o Papa convocou um grupo de Bispos do mundo inteiro para refletir sobra a Palavra de Deus e sua importância na liturgia. O encontro chamado de “Sínodo dos Bispos”, teve como objetivo procurar caminhos para que a Palavra de Deus seja melhor compreendida, esteja mais ao alcance da pessoas e mais eficazmente vivida. No documento conclusivo do “Sínodo” (encontro) se lê assim: “... A voz divina. Ela soa na origem da criação, rompendo o silêncio do nada e dando origem às maravilhas do universo. É uma voz que penetra na história ferida pelo pecado humano e envolvida no sofrimento e na morte. Ela concerne também ao Senhor, que caminha com a humanidade para oferecer-lhe sua graça, sua aliança, sua salvação. É uma voz que desce às páginas das Sagradas Escrituras, que agora podemos ler na Igreja sob a guia do Espírito Santo, dado a ela e aos seus pastores como luz da verdade” (Gianfranco Ravasi. Síntese da mensagem final do Sínodo).

Bem sabemos que Bíblia tem duas grandes partes às quais chamamos de Antigo e de Novo Testamento. Todo o Antigo Testamento é um grande canto e uma imensa narrativa das ações do Senhor em favor do povo eleito. A grande experiência religiosa do povo eleito foi precisamente a de ter pouco a pouco descoberto – foi lhe sendo revelado! – Deus como Aquele que, através de fatos, acontecimentos, pessoas, profetas, sábios etc., age na história em favor do seu povo e o salva.

As primeiras narrativas bíblicas revelam a obra (liturgia) criadora de Deus. Digamos que se tratam de narrativas cósmicas. No princípio, Deus criou o céu e a terra e tudo o que neles contém. Depois vamos observando como se desenrola a ação de Deus para garantir que nada daquilo que havia criado se perca. Vejamos por exemplo o texto do salmo 8:

“Teu nome é, Senhor, maravilhoso,
Por todo o universo conhecido;
O céu manifesta a tua glória,
Com teu resplendor, é revestido.
Olhando este céu que modelaste,
A lua e as estrelas a conter,
Que é, ó Senhor, o ser humano
Pra tanto cuidado merecer?
A um Deus semelhante o fizeste,
Coroado de glória e de valor;
De ti recebeu poder e força
De tudo vencer e ser senhor.
Dos bois, das ovelhas nos currais,
Das feras que vivem pelas matas;
Dos peixes do mar, dos passarinhos,
De tudo o que corta o ar e as águas.
A ti seja dada toda a glória
Deus, fonte de vida e verdade,
Amor maternal que rege a história,
Vem, fica pra sempre ao nosso lado”.

Num segundo momento temos conhecimento da obra (liturgia) da escola e da aliança. A Palavra de Deus se manifestou não somente na criação, mas na própria eleição e constituição do povo eleito. Primeiro Deus escolher Abraão, em seguida Moisés, chama os profetas: Deus disse a Abrão: ‘Sai da tua terra, da tua parentela e da casa do teu pai, para a terra que te mostrarei. Eu farei de ti um grande povo, eu te abençoarei, engrandecerei teu nome; sê uma bênção. (Gn 12,1ss) Para dar continuidade a obra criada e escolhida Deus chama Moisés: Deus disse: Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor por causa dos opressores; pois eu conheço as suas angústias. Por isso desci a fim de libertá-lo... e para fazê-lo subir daquela terra a uma terra boa e vasta, terra que mana leite e mel... Agora, o clamor dos filhos de Israel chegou até mim... Vai, pois, e que te enviarei a Faraó, para fazer sair do Egito o meu povo, os filhos de Israel”. (Ex 3,1ss). E o povo celebra cantando. Veja-se êxodo 15. A escola que Deus fez se consolida com a aliança no Sinai. Ex. 19, 5 e seguintes e confirmada em Josué 24,14- 24. A experiência do êxodo é típica e paradigmática. Deus foi sendo descoberto sempre mais intensamente, sobretudo pelos sábios e profetas, como Aquele que, fielmente e com eterna misericórdia (Sl 136), opera a salvação do povo.
Um Deus libertador, solidário, misericordioso, fiel, um Deus perdão, um Deus que ama a vida do seu povo, um Deus que tudo faz para que o povo tenha salvação, isto é, vida plena. E tanto quanto o povo percebeu a presença e aliança cantou esta certeza. (Salmo 136 – ao Senhor dos Senhores Cantai...).

A terceira parte da obra (liturgia) de Deus nós a percebemos na vocação e missão dos profetas. “...Só por um instante eu te desamparei; mas imensa compaixão volto a reunir-te. Numa explosão súbita de cólera, por um momento, escondi de ti o meu rosto, mas é com amor eterno que eu te mostro minha ternura...” (Is 54,7-9)

Os profetas são os propagadores da Palavra de Deus. Eles tem experiência pessoal desta Palavra. A Palavra de Deus é colocada na boca dos profetas. Ele se torna a boca do Senhor. A Palavra de Deus proclamada pelos profetas dirige a história, comunicando e interpretando os acontecimentos da salvação. Os profetas recebem o envio no contexto celebrativo do povo escolhido. O núcleo da liturgia antiga de Israel estava concentrado na celebração da palavra divina.

As liturgias de outrora eram compostas de alguns elementos comuns, que alias são também constitutivos das nossas liturgias. Parece importante destacar pelo menos 4 elementos muito claros das assembléias vetero-testamentárias:
• Convocação divina, por meio de seus ministros (Moisés, Josué...) – iniciativa é divina;
• Presença de Deus que fala pelos seu representante ou por outors sinais (arca, Santo dos Santos, ou livro da Lei);
• Proclamação da Palavra Divina na assembléia;
• O sacrifício – resposta do povo – encontro entre Deus e seu povo.

E finalmente como, escreve São Paulo, Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher... assim o Verbo fez-se carne e habitou entre nós... (Gl 4,4; Jo 1,14). A esta fase da revelação, da aliança, da obra (liturgia) de Deus chamamos de etapa da encarnação. Em Jesus Cristo nenhuma barreira mais existe. Deus que se faz humano rompe todas as barreiras que poderiam ainda existir entre Deus e a sua criatura. O Verbo Divino feito carne se tornou a expressão pessoal de Deus Pai em forma humana. Ele é o mediador! (Hebreus 1, 1 -3). É São Paulo quem nos faz rezar reconhecendo a pessoa de Jesus com todas as qualidades e modo de se encarnar e viver a realidade humana. (Filipenses 2, 6 -11). Toda a evocação da história da salvação gira em torno dele e é a partir dele que é realizada a leitura e interpretação da Sagrada Escritura – 1º e 2º Testamento. Em Cristo tudo tem sentido, tudo fica esclarecido e tudo se orienta para ele, pois, principalmente pelo mistério pascal de sua sagrada paixão, ressurreição dos mortos e gloriosa ascensão, completou a obra da redenção humana e da perfeita glorificação de Deus.

No documento Sacrossanto Concilio, que trata da renovação da liturgia, se lê: Deus, o qual “quer salvar todos os homens e fazer com que cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,4), “havendo outrora falado muitas vezes e de muitos modos aos pais pelos profetas” (Hb 1,1), quando veio a plenitude dos tempos, mandou o seu Filho, Verbo feito carne, ungido pelo Espírito Santo, para anunciar a boa nova aos pobres, curar os contritos de coração, “médico da carne e do espírito”, mediador entre Deus e os homens. Com efeito, sua humanidade, na unidade da pessoa do Verbo, foi o instrumento de nossa salvação. Pelo que em Cristo “deu-se o perfeito cumprimento da nossa reconciliação com Deus e nos foi comunicada a plenitude do culto divino”. Esta obra da redenção humana e da perfeita glorificação de Deus, que tem o seu prelúdio nas maravilhas divinas operadas no povo do Antigo Testamento, completou-a o Cristo Senhor, especialmente pelo mistério pascal de sua sagrada paixão, ressurreição dos mortos e gloriosa ascensão; por este mistério, Cristo “morrendo, destruiu a nossa morte e, ressurgindo, deu-nos a vida”. Pois, do lado de Cristo agonizante sobre a cruz nasceu “o admirável sacramento de toda a Igreja”.

Desta certerza nós podemos afirmar que cada vez que nos reunimos a Igreja celebra o mistério pascal, isto é a vida toda de Jesus, sua paixão, morte, ressurreição e ascenção ao céu. Isto deixa mais claro ainda a afirmação que o Concílio Vaticano II faz: “A obra de Cristo continua na Igreja e é coroada pela celebração litúrgica”.

Um último e sempre renovado dado da revelação, ou melhor da obra (liturgia) de Deus se realiza na Igreja. Este tempo nós chamamos de período eclesial.A igreja que tem sua origem na cruz e se estendeu pela experiência da comunidade primitiva pode ser chama de A CASA DA PALAVRA a qual, como sugere Lucas (At 2,42) se ergue sobre quatro colunas idealizadas. Em primeiro lugar, o “ensinamento”, ou seja: ler e compreender a Bíblia no anúncio feito a todos, na catequese, na homilia, por meio de uma proclamação que envolve mente e coração. Em outras palavras a atualização, a memória da aliança se realiza mais plenamente na medida em que os fiéis ouvem a Palavra e a compreendem. É na igreja e por meio dela que se dá o Anúncio - a didaqué (O eco) apostólica, ou seja, a pregação da Palavra de Deus. O Apóstolo Paulo admoesta-nos que «a fé provém da escuta, e a escuta diz respeito à Palavra de Cristo» (Rm 10, 17). O Papa Bento XVI insiste que a fé não é resultado de explicações racionais mas de um encontro pessoal com Jesus. Este naturalmente se dá quando o crente ouve a Palavra e a comrpreende como sendo Palavra do próprio Cristo ou Ele mesmo quem continua falando. É da Igreja que sai a voz do pregador, que a todos propõe o querigma, ou seja, o anúncio primário e fundamental que o próprio Jesus proclamara no início do seu ministério público: «O tempo já se cumpriu, e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e acreditai no Evangelho»(Mc 1, 15) A liturgia e a catequese tem uma finalidade muito clara: aprofundar no vida do fiel o conhecimento e a experiênica do mistério de Cristo a fim de que todos sejam iluminados e naturalmente guiados pela Palavra.

O que já dissemos até aqui deixa mais do que claro a importância e a necessidade da proclamação da Palavra de Deus nas nossas assembléias litúrgicas. E atenção que estamos falando de proclamação e não simplesmente leitura. É claro que para que isto aconteça serão necessárias algumas condições a fim de não continuar repetindo as mesmas práticas que pouco ou nada ajudam quando se trata de proclamar a Palavra e não simplesmente de ler.

Seguida da proclamação outro ponto fundamental na liturgia é a homilia, que ainda hoje para muitos cristãos é o momento principal do encontro com a Povo de Deus. Neste gesto, o ministro deveria transformar-se também em profeta. De fato, com uma linguagem nítida, incisiva e substanciosa, e não apenas com autoridade, ele deve «anunciar as obras admiráveis de Deus na história da salvação» (SC 35) – oferecidas primeiro através de uma clarividente e viva leitura do texto bíblico proposto pela liturgia – mas deve também atualizá-las nos tempos e nos momentos vividos pelos ouvintes, e fazer desabrochar no seu coração a exigência da conversão e do compromisso vital: «O que temos que fazer?» (At 2, 37).

Na pregação cumpre-se, deste modo, um dúplice movimento. Com o primeiro, remonta-se à raiz dos textos sagrados, dos acontecimentos e dos ditos geradores da história da salvação, para os compreender no seu significado e na sua mensagem.

Com o segundo movimento, volta-se a descer até ao presente, ao hoje vivido por aqueles que ouvem e lêem, sempre à luz de Cristo que é o fio luminoso destinado a unir as Sagradas Escrituras. Foi precisamente isto que o próprio Jesus fez – como já se disse – no itinerário de Jerusalém para Emaús, em companhia de dois dos seus discípulos. E também o fará o diácono Filipe, no caminho de Jerusalém para Gaza quando, com o funcionário etíope, empreenderá um diálogo emblemático: «Entendes o que estás a ler? (...) E como poderia eu compreender, sem alguém que me oriente?» (At 8, 30-31). E a meta será o encontro completo com Jesus Cristo no sacramento. Assim, apresenta-se a segunda coluna que sustém a Igreja, casa da palavra divina.
Se estas duas condições forem realmente convincentes as assembléias cristãs poderão repetir como os discípulos de Emaús – não estava nosso coração ardendo quando nos explicava as escrituras. Nossas assembléias serão locais da partilha onde pelo gesto litúrgico do partir do pão os participantes, de modo muito vivo, reconhecerão o Cristo ressuscitado e por este reconhecimento sentir-se hão habilitados para anunciá-lo como verdadeiros discípulos missionários.

Celebrar a Eucaristia é o momento do diálogo íntimo de Deus com o seu povo, é o ato da nova aliança selada no sangue de Deus (cf. Lc 22, 20), é a obra suprema do Verbo que se oferece como alimento no seu corpo imolado, é a fonte e o ápice da vida e da missão da Igreja.

O terceiro pilar, dos quais estamos falando e, que serviram de sustentação para as primeiras comunidades cristãs é a oração entrelaçada – como recordava São Paulo – por «salmos, hinos e cânticos espirituais» (Cl 3, 16). Um lugar privilegiado é ocupado, naturalmente, pela Liturgia das Horas, a oração da Igreja por excelência, destinada a cadenciar os dias e os tempos do ano cristão, oferecendo sobretudo mediante o Saltério o alimento espiritual quotidiano aos fiéis. Juntamente com ela e com as CELEBRAÇÕES COMUNITÁRIAS DA PALAVRA, a tradição introduziu a prática da leitura orante no Espírito Santo, capaz de abrir aos fiéis o tesouro da Palavra de Deus, mas também de criar o encontro com Jesus Cristo, palavra divina viva.

Finalmente e não menos importante a “comunhão fraterna”, pois para sermos verdadeiros cristãos não basta sermos “os que ouvem a Palavra de Deus”, mas devemos ser “os que a põem em prática” no amor eficaz (Lc 8,21).

MISSÃO: ACOLHIDA E TAREFA

DISCÍPULOS E MISSIONÁRIOS DE JESUS CRISTO


OBJETIVO: Motivar e impulsionar agentes de pastoral e ministros para a missão e evangelização a fim de promover o discipulado na espiritualidade de acolhida, testemunho e compromisso com o Reino de Deus.

O texto de João 1, 35ss, é altamente sugestivo para nos ajudar a refletir sobre o objetivo deste artigo. É certo que estamos preocupados com a qualidade do nosso serviço enquanto Igreja, e na condição de ministros dos diversos serviços.
A palavra serviço é bem compreendida por todos, isto é, bem sabemos o que significa executar um serviço, fazer um trabalho etc... Mas como podemos medir a qualidade do nosso trabalho. Há um provérbio popular muito antigo que nos vem do mundo do comércio e se expressa mais ou menos assim: “Se foi bem atendido diga aos outros, se for mal atendido diga a nós”.
Hoje mais do que em outros tempos as pessoas buscam qualidade de serviços, os direitos dos consumidores são divulgados por todos os meios de comunicação, o governo cria instituições e agências reguladoras com o objetivo de garantir a qualidade do atendimento.
Mas como medir a qualidade do atendimento dos serviços que prestamos na Igreja na condição de ministros e agentes de pastoral. Parece curioso isso mas vejamos o texto de João:
(Ler João, 1, 35ss...)
Neste caso quem foi colocado à prova e qual foi o resultado?
O povo de Israel e entre eles os discípulos de João viviam tempo de dureza e aguardavam uma nova ordem social. A vinda do Messias era facilmente entendida e esperada como um “salvador terreno”, isto é alguém que instaurasse uma nova forma de governar devolvendo ao povo sua soberania.
De repente João apresenta Jesus e dois dos seus discípulos se aproximam, inicialmente com medo e preocupação. Mas a intenção está muito clara, querem conhecer quem é Ele e quais são suas propostas.
O contato com Jesus é determinante. Eles voltam entusiasmados e começam a contar aos demais, apresentam a experiência que realizaram e convidam outros a seguir.
Ontem como hoje o desejo de conhecer Jesus e seu projeto continua sendo um desejo de multidões. Os meios de comunicação social identificam o nosso tempo como “Uma revanche de Deus”. Em outras palavras querem dizer Deus está recuperando o terreno perdido. De algum modo esta expressão pode ser considerada verdadeira. Nossas Igrejas estão cheias, o número de batizados vem aumentando, precisamos construir mais salas de catequese, mais Igrejas, as vocações estão aumentando.
Mas é também verdade que muitos vem e voltam, não perseveram. Nossos bispos na última assembléia geral em abril deste ano se expressaram dizendo: “Ficamos espantados quando ouvimos alguém que passou anos na Igreja de repente dizer, geralmente a partir da participação em algum movimento (mas às vezes até mudando de Igreja): “Encontrei Jesus!” E nos perguntamos: “Como pode ser isso? Jesus estava aqui o tempo todo, na Palavra, na Eucaristia, na Missão...”. Mas fica meio evidente que, mesmo que não tenha faltado a presença de Jesus, algo importante ficou ausente. Quem não encontrou Jesus de fato não foi iniciado na fé, mesmo que tenha estado junto de nós por muitos anos.
O que aconteceu que não houve o encontro com Jesus. No documento de Aparecida se lê uma citação do Papa Bento XVI “..não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande idéia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva.” (DAp 12).
Esta expressão do Papa não é uma afirmação nova. Já Santo Agostinho disse isto com outras palavras: “Tarde te amei, Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Tu estavas dentro de mim e eu te buscava fora de mim (...) Brilhaste e resplandeceste diante de mim, e expulsaste dos meus olhos a cegueira. Exalaste o teu Espírito e aspirei o teu perfume, e desejei-te. Saboreei-te, e agora tenho fome e sede de ti. Tocaste-me, e abrasei-me na tua paz”. (Santo Agostinho, Confissões X, 27,38).

Vejamos um comparativo entre o texto de João que tomamos por base e a realidade das nossas comunidades: (SACRAMENTOS E EVANGELIZAÇÃO)
JOÃO 1, 35ss
IGREJA HOJE
ž A comunidade de João vivia tempos de expectativa. E João estava ali com seus discípulos. Quando viu Jesus Passar

ž O mundo moderno vive em meio a crises e esperanças. Caminha em vista de tempos melhores. A Igreja está no mundo.

ž E João apontou pra Jesus dizendo: Eis o cordeiro de Deus aquele que tira o pecado do mundo. Ouvindo isso os discípulos de João aproximaram-se de Jesus

ž A Igreja é apresentada como esposa do cordeiro, sem mancha, resplandecente de beleza. Sinal e instrumento de Jesus Cristo em vista do Reinado de Deus. Muitos ouvindo isso dela se aproximam a fim de melhor conhecê-la.

ž E Jesus lhes perguntou: o que vocês estão procurando?

ž A igreja estabelece um diálogo e ambiente acolhedor a fim de que o momento se torne envolvente. Propõe uma conversa espontânea sobre as razões pelas quais estão se aproximando da Igreja.

ž Eles disseram: Mestre onde moras?
ž Os fiéis respondem: queremos o dom da fé, da coerência, da alegria, o senso de justiça o conhecimento do reinado, etc.

ž E Jesus respondeu: Venham e vejam!
ž A igreja os acolhe abrindo as portas e lhes mostrando tudo o que tem de extraordinário para lhes oferecer apontando o caminho do Reinado.
ž Eles foram, viram onde Jesus estava morando e ficaram com ele o resto daquele dia. Isso aconteceu mais ou menos as quatro horas da tarde
ž Os que vem para a comunidade permanecem durante algum tempo no convívio dos irmãos.

ž André, irmão de Simão Pedro, era dos dois que tinham ouvido falar a respeito de Jesus e o havia seguido. A primeira coisa que fez foi procurar seu irmão e dizer: ACHAMOS O MESSIAS!

ž Aqueles que ouvem falar da Igreja e vem para a comunidade voltam entusiasmados, anunciam a boa noticia e continuam convidando outros a conhecerem. ENCONTRAMOS JESUS! (Deveriam voltar entusiasmados).

ž André levou o seu irmão a Jesus!

ž Os que foram acolhidos trazem outros e muitos outros para a Igreja e os Sacramentos.

ž Jesus olhou para Simão e disse: Você será chamado “Cefas” que quer dizer Pedra!

ž A igreja acolhe cada um pelo nome e os introduz no mistério da família de Deus denominando-os CRISTÃOS!


Mas qando esta realidade não acontece. Não será o momento de rever a qualidade do nosso testemunho. A alegria do nosso serviço. O testemunho de vida. Como diz a Carta de Pedro: É preciso dar razão da nossa esperança!
E o Papa Paulo VI dizia: “O mundo moderno ouve com melhor boa vontade os testemunhas do que os mestres e se ouve os mestres é porque eles também são testemunhas”.
No evangelho de Mateus, capítulo 28, 16 lemos o envio dos discípulos: “Vão e anunciem a boa noticia do Reino batizando-os em nome do Pai do Filho e do Espírito Santo e ensinando-os a observar tudo o que eu lhes anunciei”.
É claro cada um de nós tem qualidades diferentes, dons particulares e eles estão descritos na carta aos Coríntios que serve de motivação para o encontro de hoje:
(1Cor 12, 4-11)
Existem dons diferentes, mas o Espírito é o mesmo; diferentes serviços, mas o Senhor é o mesmo; diferentes modos de agir, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. Cada um recebe o dom de manifestar o Espírito para a utilidade de todos. A um, o Espírito a palavra de sabedoria; a outro, a palavra de ciência segundo o mesmo Espírito; a outro, o mesmo Espírito a ; a outro ainda, o único e mesmo Espírito concede o dom das curas; a outro, o poder de fazer milagres; a outro, a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, o dom de falar em línguas; a outro ainda, o dom de as interpretar. Mas é o único e mesmo Espírito quem realiza tudo isso, distribuindo os seus dons a cada um, conforme ele quer.”
No dia do nosso batismo fomos ungidos com oleo perfumado e aquele que nos batizou disse: “Você foi consagrado para ser no mundo sinal de Jesus Cristo, Sacerdote, Profeta e Pastor”. Hoje somos ministros servidores antes de tudo de Jesus Cristo e naturalmente da sua Igreja. Como Jesus somos colocados à prova todos os dias. As pessoas nos procuram com a finalidade de encontrar Jesus. Nossa missão está detalhada no documento de Aparecida:
“Os fiéis leigos são ‘os cristãos que estão incorporados a Cristo pelo batismo, que formam o povo de Deus e participam das funções de Cristo: sacerdote, profeta e rei. Eles realizam segundo sua condição, a missão de todo o povo cristão na Igreja e no mundo’. São ‘homens da Igreja no coração do mundo, e homens do mundo no coração da Igreja’.
Sua missão própria e específica se realiza no mundo, de tal modo que, com seu testemunho e sua atividade, eles contribuam para a transformação das realidades e para a criação de estruturas justas segundo os critérios do Evangelho.
Os leigos também são chamados a participar na ação pastoral da Igreja, primeiro com o testemunho de sua vida e, em segundo lugar, com ações no campo da evangelização, da vida litúrgica e outras formas de apostolado segundo as necessidades locais sob a orientação de seus pastores.
Para cumprir sua missão com responsabilidade pessoal, os leigos necessitam de uma sólida formação doutrinal, pastoral, espiritual e um adequado acompanhamento para darem testemunho de Cristo e dos valores do reino no âmbito da vida social, econômica, política e cultural”.
O texto sobre Missão Continental chega a dizer: “Nesta vivência, a renovação da conversão pastoral dos pastores e de todos os consagrados é elemento indispensável para que o testemunho coerente de vida se torne cimento pedagógico” [1].








[1] Celam. A Missão Continental para uma Igreja Missionária. Brasília: Edições CNBB, 2008, p.22.

HOMILIA

A HOMILIA É PARTE INTEGRANTE DA LITURGIA DA PALAVRA

Começo minha reflexão retomando o texto de Lucas 4, 16, quando na Sinagoga de Nazaré Jesus enrolou o livro e começou a explicar aquilo que havia lido. Remontando ao século II, em texto já amplamente conhecido, das apologias de São Justino, lemos:
“No dia chamado do sol, reunidos todos num mesmo lugar, fazemos a leitura dos profetas e da memória dos apóstolos tanto quanto o tempo permite depois o aquele que preside a comunidade explica aquilo que foi lido e exorta a assembléia a imitar estes bons exemplos”
Infelizmente, este modo de compreender a homilia rapidamente se perdeu. As razões que levaram a isso não fazem parte desta reflexão. Todavia parece que ao escopo deste evento será o bastante que saltemos para a Sacrosanctum Concílium à qual trata da homilia como exposição dos mistérios da fé a partir do texto sagrado. No número 35 desta constituição consta: “Seguida da proclamação outro ponto fundamental na liturgia é a homilia, que ainda hoje para muitos cristãos é o momento principal do encontro com o Povo de Deus. Neste gesto, o ministro deveria transformar-se também em profeta. De fato, com uma linguagem nítida, incisiva e substanciosa, e não apenas com autoridade, ele deve «anunciar as obras admiráveis de Deus na história da salvação”.
Nesta direção os bispos do Brasil no documento Animação da vida litúrgica no Brasil falam da homilia com as seguintes palavras: “Diferente do sermão ou de outras formas de pregação, a homilia é parte integrante da Liturgia da Palavra... É função da homilia atualizar a Palavra de Deus, fazendo a ligação da Palavra escutada com a vida e a celebração. É importante que se procure mostrar a realização da Palavra de Deus na própria celebração da ceia do Senhor. A homilia procura despertar as atitudes de ação de graças, de sacrifício, de conversão e de compromisso que encontram sua densidade sacramental na liturgia eucarística.
A insistência de todos os documentos pós conciliares afirmando que a homilia é parte integrante da liturgia da Palavra, não é sem razão posto que antes do Concílio ela aparecia quase que como um parênteses. Numa publicação da década de 1930, de autoria do Jesuita Pe. João Baptista Reus com o título “Curso de Liturgia,” encontramos um único parágrafo sobre o sermão e descrito realmente como um rito totalmente a parte do conjunto da celebração. “Nas rubricas do ano 1960 se disse que não se devia “sobrepor à celebração da missa, impedindo, assim, a participação dos fieis...”, mas devia-se “suspender a celebração da missa e não recomeçá-la até terminada a homilia”. De tal modo estava evidente que a homilia era uma peça à parte da liturgia que começava e terminava com o sinal da cruz ou com a aclamação Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo. O sermão, na língua do povo, era uma interrupção no meio da missa em latim.
A atual instrução geral do missal romano no número 55 coloca a homilia como conclusão da liturgia da palavra e afirma que nela é explicada as leituras, o que se repete depois no número 65 e pede que a homilia seja indispensável para nutrir a vida cristã e que seja a explicação de algum aspecto particular das leituras da Sagrada Escritura. Observe-se a sintonia desta orientação com a carta de São Justino.
Na Introdução do Lecionário, os números 24 a 27 tratam da homilia com o mesmo conceito do Concílio e literalmente apresentam-na com a finalidade que a Palavra de Deus anunciada seja uma proclamação das mirabilia Dei na história da salvação. O parágrafo se conclui com a afirmação: “Cristo está sempre operante na pregação da sua Igreja”. A função da homilia é levar a assembléia para uma ativa participação na Eucaristia, a fim de que vivam sempre de acordo com a fé que professaram. De novo recordo São Justino: Exorta a imitar esses bons exemplos.
Que a homilia seja realmente fruto da meditação, devidamente preparada (isto é importante) e nem muito longa nem muito curta, leve em conta os presentes escreveu o Papa João Paulo II no documento Catechesi Tradendae. Sobre a duração da Homilia evoco um monge do deserto, o qual falava da qualidade da homilia mais ou menos assim: “tenha um bom começo, um bom meio e um bom fim, tanto quanto possível o começo e o fim estejam muito próximos”.
Parece claro nos livros litúrgicos que a homilia indica três direções: A Palavra, a vida Sacramental e a vida da comunidade. Antes e acima de tudo a homilia quer servir a Palavra, isto significa dizer que seu primeiro conteúdo, como já foi dito, é a proclamação das maravilhas de Deus. Para que isto seja possível se exige do homiliasta que conheça o “elenco das leituras... compreenda muito bem a relação entre os diversos textos da liturgia da palavra... faça entender convenientemente o mistério de Cristo e sua obra. Os pregadores devem antes de tudo ser arautos da totalidade do mistério de Cristo”. Ela tem uma função mistagógica no sentido que conduz, ou pelo menos deve conduzir para a celebração sacramental.
A homilia tenta aplicar à vida a mensagem da palavra proclamada por isso é importante que os pastores dêem uma resposta apropriada às circunstâncias da vida e que seja tirada da Palavra de Deus. No número 41 do Elenco das leituras da missa nós encontramos um bom resumo das grandes direções da homilia: “compreensão saborosa da Sagrada Escritura, preparação para uma comunhão fecunda, e convite a praticar as exigências da vida cristã”.
É necessário acrescentar a esta fala as palavras do Papa Bento XVI na exortação Sacramentum Caritatis: “Pensando na importância da Palavra de Deus, surge a necessidade de melhorar a qualidade da homilia. E continua: Evitem-se homilias genéricas ou abstratas; de modo particular peço aos ministros para fazerem com que a homilia coloque a Palavra de Deus em estreita relação com a celebração sacramental e com a vida da comunidade”.
A homilia não é aula, não é uma conferência, um sermão temático, um discurso, um panegírico[1], um sermão fúnebre. Significa uma conversa familiar! É um serviço que o ministro presta para que os fiéis compreendam a Palavra.
De novo voltamos ao século II em cuja estrutura da ceia aparece a função do presidente como responsável para alertar a comunidade à vivência da palavra proclamada. É certamente o jeito mais genuíno de exprimir o hoje da palavra de Deus. Suas duas características fundamentais estão no fato de ser extraída dos elementos da celebração e consiste numa conversa familiar compreendida pelo povo.
Na síntese do Sínodo dos Bispos a homilia ganha espaço substancial e parte da citação que já mencionei o número 35 da SC: “Seguida da proclamação outro ponto fundamental na liturgia é a homilia, que ainda hoje para muitos cristãos é o momento principal do encontro com o Povo de Deus. Neste gesto, o ministro deveria transformar-se também em profeta. De fato, com uma linguagem nítida, incisiva e substanciosa, e não apenas com autoridade, ele deve «anunciar as obras admiráveis de Deus na história da salvação” (SC 35) – oferecidas primeiro através de uma clarividente e viva leitura do texto bíblico proposto pela liturgia – mas deve também atualizá-las nos tempos e nos momentos vividos pelos ouvintes, e fazer desabrochar no seu coração a exigência da conversão e do compromisso vital: “O que temos que fazer?” (At 2, 37).
Na pregação cumpre-se, deste modo, um dúplice movimento. Com o primeiro, remonta-se à raiz dos textos sagrados, dos acontecimentos e dos ditos geradores da história da salvação, para compreender no seu significado e na sua mensagem. Com o segundo movimento, volta-se a descer até ao presente, ao hoje vivido por aqueles que ouvem e leem sempre à luz de Cristo que é o fio luminoso destinado a unir as Sagradas Escrituras. Foi precisamente isto que o próprio Jesus fez no itinerário de Jerusalém para Emaús em companhia de dois dos seus discípulos. E também o fará o diácono Filipe, no caminho de Jerusalém para Gaza quando, com o funcionário etíope, empreenderá um diálogo emblemático: “Entendes o que estás a ler? (...) E como poderia eu compreender, sem alguém que me oriente?” (At 8, 30-31). E a meta será o encontro completo com Jesus Cristo no sacramento. Assim, apresenta-se a segunda coluna que sustenta a Igreja, casa da palavra divina.
Se estas duas condições forem realmente convincentes as assembléias cristãs poderão repetir como os discípulos de Emaús – não estava nosso coração ardendo quando nos explicava as escrituras. Nossas assembléias serão locais da partilha onde pelo gesto litúrgico do partir do pão os participantes, de modo muito vivo, reconhecerão o Cristo ressuscitado e por este reconhecimento sentir-se hão habilitados para anunciá-lo como verdadeiros discípulos missionários.
Na proposição de número 15 os padres sinodais pedem a elaboração de um diretório para homilias. Um diretório não é a mesma coisa que as sugestões homiléticas disponíveis por muitos meios. No Brasil, a comissão de liturgia da CNBB elabora um Roteiro homilético. Ele apresenta quatro momentos muito distintos: Situando a assembléia, recordando a Palavra, atualizando a Palavra e ligando com a Eucaristia.
Está mais do que claro a redescoberta que o Vaticano II fez da Palavra. E no contexto da liturgia da Palavra onde se insere também a homilia. Daí convém que o servo da homilia medite sobre este dom que lhe é confiado, e sobre esta força que a Igreja põe em suas mãos. A eficácia da Homilia reside também em tornar Cristo presente. De algum modo se pode falar do caráter sacramental da Palavra, definição que já Santo Agostinho havia dado chamando-a de Sacramentum audibile.
No documento Presbiterorum Ordinis(04) lemos que “O povo se reúne antes de mais nada, por causa da Palavra de Deus, palavra que, com todo o direito, se há de esperar dos lábios dos sacerdotes. E o decreto Ad gentes (06) acrescenta que o fim de toda atividade missionária é a evangelização... de modo que da semente da palavra de Deus cresça, as Igrejas.
Desejo concluir com duas citações. Primeiro do Santo Padre João Paulo II “O Sacerdote deve ser o primeiro ‘crente’ da Palavra, com a plena consciência de que as palavras do seu ministério não são suas, mas d’aquele que o enviou. Desta Palavra ele não é dono, mas servo. Desta Palavra ele não é o único possuidor: é devedor relativamente ao Povo de Deus” (Pastores Dabo Vobis, 26).
E Paulo VI na Evangeli Nuciandi: “O mundo moderno escuta com melhor boa vontade os testemunhas do que os mestres e se escuta a estes é porque também são testemunhas”.


Pe. Elcio Alberton
padreelcioalbeton@hotmail.com
Rua Constantino José de Almeida, 329
81830-080 – Curitiba - PR

[1] A expressão é do campo semântico da igreja cristã e católica designando a trata da liturgia onde se mencionava, fazia alusão elogiosa aos santos e a todos com atitudes semelhantes às virtudes dos santos. Atualmente usa-se como um elogio geral em geral extenso e com muitas passagens e menções. De certa forma tem um sentido pejorativo, desvalorizando uma forma de elogiar que poderia ser mais direta e substantiva, sem tantos rodeios e adornos desnecessários, quando não exagerados e infundados. Assemelha-se a elogio ineficaz, em certo sentido pode até ser associado a "puxa-saquismo".

ÉTICA E ADMINISTRAÇÃO

A CONSCIÊNCIA CRÍTICA NAS PESSOAS E NAS EMPRESAS

INTRODUÇÃO

O ser humano é um ser social. Ele produz a empresa e nela se situa de forma crítica. Estabelece em relação à empresa um processo de legitimação e de controle que é ao mesmo tempo uma terapia.

1 – Necessidade de consciência crítica
Consciência é a presença que a pessoa tem de si mesma e das realidades que a rodeiam. Em outras palavras conhece seu texto e seu contexto. Em se tratando de ética consciência pode ser definida como capacidade de discernir entre o bem e o mal. No decorrer dos seus dias a pessoa vai formando critérios que fundamentam suas decisões éticas.

Consciência psicológica e consciência ética se completam, quanto mais a pessoa tem noção de si e das suas realidades, mais adequados serão seus juízo crítico e sua realização pessoal.
Tratar da consciência crítica significa estabelecer um dinamismo constante que pode ser interpretado como peneira, purificação, limpeza. A consciência crítica não é uma estrutura abstrata, nem uma entidade teórica, mas consiste numa prática.
Cada pessoa está imersa em mecanismos que sustentam, na sua base social o modo de pensar, valorizar e agir de grupos humanos. Por conta disto a pessoa pode ser levada a agir como ‘massa’. Esta é mais uma razão para estar atenta reflexivamente ao meio em que vive.
Vivemos num círculo ideológico que racionaliza e operacionaliza objetivos parciais, reduzindo, setorizando, discriminando e distorcendo a realidade; criam-se palavras-chaves, em nome das quais tudo encontra justificativa.
A consciência crítica visa quebrar estas imbricações (disposição dos termos como que sobrepostos), a fim de cada pessoa se perceba como construtora de sua sociedade, inclusive da empresa e não simples tarefeira.

2 – Condições para a consciência crítica se desenvolver

a) Abertura intelectual - que é também a capacidade de questionar se a prática não está defasada em relação à teoria. A abertura intelectual é favorecida pela experiência com o diferente, a mesma prática muitas vezes da sensação de segurança e de ordem. É muito importante que uma empresa tenha contato com outras empresas de modo a conhecerem formas diversas de viver a mesma realidade. Esta atitude levará necessariamente a adquirir uma nova compreensão do próprio ser humano.
A abertura propicia reconhecer que as verdades sofrem contínuas releituras e reinterpretações. É mais do que compreensível que como a realidade exige o sentido cumulativo em que as verdades são superadas sempre surgindo algo de novo junto com aquilo que permanece de velho.
b) Segurança afetiva – Cada indivíduo via construindo sua auto-segurança, assimilando dentro de si mesmo novidades e diferenças.
É obvio que isto não é 100% pois todos os processos de individuação sofrem tramatismos, retardamentos, regressões, fixações em etapas anteriores, necessidades de apoios extrínsecos identificados com a própria auto-segurança.
A afetividade, de certo modo impede a abertura da inteligência para a crítica da realidade; é o caso de pessoas que afirmam ‘já faz trinta anos que trabalhamos assim na empresa, para que mudar?”ou “em time que está ganhando não se mexe”. Aqui a lógica do convencimento se esbarra contra a lógica do sentimento: por isso que pessoas que propõem mudanças devem ser percebidas como alguém que quer o bem dos outros e que suas propostas são um enriquecimento de segurança e não uma ameaça à mesma; isto, por exemplo pode se verificar quando é necessário transferir alguém de setor ou de função – flexibilidade.
c) Saber lidar com o imprevisto - A consciência crítica, pode nos colocar em situações que exijam ações bem diferentes para o bem do ser humano, o chamado ‘próximo’. Caso típico é a parábola do bom Samaritano. – emergência.
Ora, quantas vezes numa empresa não acontecem imprevistos de muito menor monta, que porém não são levados em conta, colocando em perigo saúde, relacionamento e outros valores humanos? Por exemplo uma ‘mal estar súbito’ problema dela, não posso deixar o que estou fazendo. Alguém chegou atrasado – nem me interessa, ele que perca o dia. A vivência ética deve colocar o ser humano com sua real necessidade acima de tudo.

3 – Consciência crítica e estrutura de plausibilidade de uma empresa

Todo grupo social precisa de estruturas razoáveis para reforçar sua existência e coesão interna para defender-se das ameaças de sua dissolução. Tudo isso exige consciência crítica.
A primeira necessidade de uma empresa é sua legitimidade na macrossociedade. Por exemplo uma usina alcooleira no mercado e uma casa de bingo estão tranqüilas enquanto ninguém de fora contestar sua identidade. Decorrente disto pode surgir uma teoria da legitimação. Por exemplo: ‘o álcool reduz o preço do combustível’; ‘os bingos criam empregos’.
Mas isto não é tudo pode surgir questionamentos sobre a atuação de ambos na sociedade, tais como: o preço da gasolina vir a despencar, ou o gás da Bolívia passa a responder a demanda, ou... já em relação aos bingos as normas começam enrigecer colocando-os na clandestinidade. Cada um deles terá que mostrar as suas vantagens para se manter no mercado.
Uma outra prova será a de garantir que sua existência no mercado é benéfica para a totalidade do mercado e até mostrando vantagens científicas, econômicas, sociológicas, etc... Isto lhes dará poder de fogo para negociar no mercado e argumentar a favor da sua permanência.
Existe ainda a necessidade/possibilidade de criar terapia capaz de aliviar as tensões. Esta processo pode se dar com a realização de passeios, confraternizações, ócio criativo e porque não momentos de oração. Tudo isso tem por finalidade aliviar e neutralizar as dificuldades.
O controle que a sociedade estabelece sobre o indivíduo é ao mesmo tempo um mecanismo de defesa e de ameaça. Pelo fato de pertencer a esta ou aquela empresa a sua imagem está associada à sua conduta.
Finalmente há o chamado ‘aparelho de conversa’. Nós nos alimentamos com aquilo que falamos e ouvimos; precisamos de interlocutores para refrescar nossa memória e reforçar nossos valores, conhecimentos e crenças. Neste sentido é importante numa empresa as pessoas se reunirem em grupos e subgrupos para trocarem suas idéias sobre a mesma esclarecendo-se cobre seu organograma, as funções de cada um, o sentido dos diferentes setores, o processo do produto, eventuais dificuldades a história da empresa. Etc...
Tendo clareza destas estruturas o trabalho na empresa poderá ser também um fator de realização pessoal, pois o indivíduo se percebe na profundidade como ele mesmo e não como um objeto que é manipulado.
De uma coisa é certa a empresa depende, sobretudo, da consciência das pessoas que militam nela.

FILOSOFIA E ÉTICA

FILOSOFIA E ÉTICA

Tratar de ética em qualquer área do comportamento humano, pode-se correr o risco de reduzir a normas e condutas morais, muitas casuísticas e reducionistas. Vamos tratar da questão a partir daquilo que fundamenta toda a problemática da ética no conjunto das relações humanas. A fundamentação da disciplina deita suas raízes na filosofia mãe de toda os questionamentos e procura de soluções.
Assim antes de tratar de ética vamos nos deter um pouco na conceituação de filosofia e seu objeto de estudo.
Longe da filosofia a ética se torna temerosa e sem perspectiva correndo o risco de se perder no emaranhado das outras disciplinas. Vista a partir daquilo que ela tem seu fundamento podemos ir além das outras ciências, transcendendo e dando unidade dinâmica de valores que ajudam no questionamento das práticas.
Ela nos ajuda a superar uma visão reducionista e imediatista da ética que acaba sendo até mercantilista por que reduzida a receitas comportamentais e de satisfação do mercado.
De uma coisa todos esta mos absolutamente certos: ‘não existe ética na empresa, na contabilidade, na política, nos negócios, no marketing, no trabalho, sem ética pessoal.
Deste modo, falar de ética é falar da pessoa humana, que é o maior valor em qualquer relação de trabalho e de negócio.

1. A EMPRESA É O ROSTO DO SER DO HOMEM...
A empresa é uma criação o ser humano, e como tal ela revela o que este é, principalmente seu aspecto social.
1.1 Ela x Ele (segundo alguns autores)
Ettinger – 1998 p. 30 – “A empresa é uma pessoa ou grupo de pessoas associadas para a exploração de uma atividade comercial ou industrial”.
Dolabella – 1999: “O empreendedor é um ser social”; ele deve “ter a capacidade de estabelecer relações com pessoas”, sendo “hábil na formação de sua rede”; “o empreendedor vê nas pessoas uma de suas mais importantes fontes de aprendizagem”.
Ramos – 1989 – “O planejamento depende também da família, da escola, e da vida social. Eles é quem fazem o mercado”.
De Masi –2000 – “A empresa é uma instituição que se pudesse absorveria o trabalhador o tempo inteiro. O faria dormir no emprego”. “É comparada a uma prisão ou a hospício. Suga a inteligência, manipula as emoções e os afetos.”.
Estas e outras definições emitidas por muitos autores nos levam a compreender uma verdade: ‘A empresa é um grupo de pessoas. E isto pode ser entendido como um ser social’.
O homem sendo igualmente um ser social é o que concretiza a empresa. Ela existe no homem e como ele. Por isso tratamos deste ‘ser social’ segundo ou mais ‘complexo’ com um olhar filosófico. Para isso partimos do princípio Aristotélico: ‘A filosofia é a ciência das últimas causas’. Então nossa pergunta aqui não é aquela fundamental que todos nos fazemos: ‘Quem é o homem?’ senão ‘Quem é o homem na empresa’?
Bíblia – Imagem e semelhança de Deus!
Aristóteles – Animal racional; um ser social na sua própria natureza!
Protágoras – É o centro de todas as coisas!
Plotino – (205 AC Egito) – É um ser situado entre os deuses e as feras!
Escoto (Irlandes 800) – É a oficina de todas as criaturas!
Pascal - É um caniço pensante e que é além de si mesmo!
Lametre – É uma máquina! (Musica máquinas do Antônio Cardoso).
Malreaux (escritor frnaces + 1976) – É um ser que sonha ser Deus!
Heidegger (Alemão + 976) – É pastor de si mesmo!
Sartre ( Filósofo francês, existencialista e materialista) – É para si mesmo tudo, mas tudo é absurdo e paixão inútil!
Goethe (Filósofo alemão do século XIX) – Quanto mais se sente homem, mais é semelhante aos deuses!
Kant – (Escocês, idealista, 1680) – É um cidadão de dois mundos!
Nietzsche (Existencialista alemão) – É um cabo entre o animal e o super homem, um campo sobre o abismo!
Hobbes – O homem nasce hostil à sociedade, é lobo do próprio homem!
Rosseau – É bom por natureza, mas a sociedade o corrompe!
Marx – Conjunto de relações sociais e econômicas. É uma construção histórica entre as forças produtivas e isto é também a empresa.
E agora, durma com este barulho! O que significa este ser social para você?

1.2 – Origens do ser social
Que o ser humano é simplesmente algo extraordinário, isto é. Mesmo assim é insuficiente, fraco, impotente, aí está a sua procura por segurança na relação com os demais um dos lugares de busca é a empresa. A empresa é a corporificação da força que o homem não tem e vive buscando.
A aceleração deste processo acontece na medida que o lugar encontrado como sustentáculo seja realmente ‘uno e belo’, isto é, capaz de ligadura e harmonia que complementem. Isto é como se formasse um novo ser! O que é uno e belo se converte em bom como que sinal de integridade do ser. A empresa tem necessidade de ser esta tríade encarnada.
O Ser social não é uma coisa que passa a existir num determinado tempo – por exemplo o nascimento – ele existe muito antes e depende sempre de outro, no caso do indivíduo depende do pai e da mãe de quem depende por toda a vida.
É impossível tratar alguém como se fosse um asteróide é reduzir a pessoa a uma peça de engrenagem. O ser humano é altamente complexo por conta da sua capacidade de raciocinar que o faz entender e estabelecer relações de intelecção.
A empresa acaba se tornando um lugar privilegiado para estimular a inteligência e a comunicação ali ela deixa de ser monopólio do indivíduo.
A partir destes conceitos surge uma das mais extraordinárias realidades humanas, ele passa da condição de solitário para o solidário. A empresa, muitas vezes, coloca lado a lado seres que nunca se conheceram e que vão construindo uma teia de relações muitas vezes extraordinárias.

1.3 - A pessoa e a outra pessoa
Na relação com o outro, o ser humano encontra-se consigo mesmo. O ‘tu’ favorece o conhecimento do ‘eu’. É muito comum quando alguém acha que é o único, insubstituível num determinado setor e aparece outro que faz a mesma tarefa. Abre-se no primeiro um fosso de questionamentos que o levaram a detectar suas forças e fraquezas. Esta relação podemos chamar de embrião de um novo ser. A preferência de estar com alguém indica a formação de uma terceira realidade. Ele passa a existir como outro.
Normalmente na companhia de outro o rendimento é diferente. Vai depender sempre da capacidade trabalhar em equipe. Cada grupo de seres forma uma nova realiadade.
Colocar pessoas para trabalhar é uma decisão ética. Não se trata de um ato burocrático ou mecânico como se estivesse empilhando mesas e cadeiras. Exige conhecer a capacidade de integração que cada indivíduo traz consigo.
O ser humano tem necessidades fundamentais e uma delas é de segurança a qual ela busca também na empresa. Mesmo nas rusgas e mesquinharias do cotidiano o que está como pano de fundo é a segurança. Os enfrentamentos são buscas para construir o ser social.
O ‘frente a frente’ entre indivíduos cria uma relação de inter-subjetividade que pode criar laços de amizade com afetividade intensa que se tornam promotores da eficácia no ambiente de trabalho.
1.4 – As causas da sociedade
A comunidade humana (empresa) equivale a uma série de projetos e formas de vida que não podem ser consideradas como resultado da fatalidade.
A verdadeira comunidade na empresa somente se realiza na medida e que aconteça um composto integrador entre sentimentos e pensamentos é isto que chamamos de decisão ética na composição de uma equipe de trabalho. A isto chamamos causa material.
Podemos nomear uma causa formal, trata-se de formar um time que seja capaz de vestir a camisa da empresa.
Uma terceira causa é o que chamamos de causa eficiente quando as opções de cada membro da empresa forem comuns a todos os membros.
E ainda a chamada causa final. Todos precisam se sentir beneficiados com o trabalho realizado por todos. As finalidades da empresa precisam ser as finalidades de cada pessoa.
Em quinto lugar temos a causa instrumental, esta diz respeito aos meios que são usados para a realização da obra. A estes meios chamamos as normas e regras.
Unindo isso tudo podemos concluir que a empresa é a conjugação de emoções idéias, objetivos, ações, normas; quanto mais tudo isto for consciente, mas a empresa pode ser entendida como eticamente capaz de realizar o maior anseio humano: inclusão.
1.5 – A estrutura social
Nenhuma estrutura empresarial se sustenta sem que sejam levados em conta os elementos, mentais, afetivos, dedicação e esforço. As energias interiores é que formam a empresa. O patrimonial não é o elemento decisivo, mas o espírito de equipe a harmonia entre os membros formam a verdadeira estrutura social da empresa.
A empatia entre os seres humanos vão garantir o desenvolvimento ou a diminuição da força de uma empresa a falta de interligação leva a empresa a perder a tecitura social.
A MELHOR (empresa... etc.); na medida que a sociabilidade é explícita.
A empresa se torna realmente uma sociedade na medida que os membros se sentem corporativos e não unidos por instinto como fazem os animais dotados de inteligência prática.
1.6 – Conclusão
Em resumo, viver socialmente é uma necessidade que surge em conseqüência da liberdade humana e da capacidade do ser em tomar decisões.
A pessoa precisa sentir que a empresa é ela mesma, uma sociedade intermental, intersubjetiva que cria sempre novas relações.

Ghandi - Os sete pecados capitais responsáveis pelas injustiças sociais são: riqueza sem trabalho; prazeres sem escrúpulos; conhecimento sem sabedoria; comércio sem moral; política sem idealismo; religião sem sacrifício e ciência sem humanismo.

ÉTICA E FILOSOFIA

ÉTICA E FILOSOFIA POLÍTICA

¨Meu dilema não significa,
em primeiro lugar,
que se escolha entre o bem e o mal;
ele designa a escolha pela qual
se exclui ou se escolhe o bem e o mal.¨
(Kierkegaard)

A escolha de Barac Hobama, para o prêmio nobel da paz, no cenário da crise econômica Americana com as conseqüências para todo o mundo é o acontecimento mais marcante dos últimos dias no cenário mundial. Obviamente não se trata de um fato isolado, mas ela se insere no conjunto das profundas e rápidas mudanças da pós-modernidade.
O que evidencia a premiação do jovem ´diferente` presidente americano, certamente remete para a imagem de ser humano em gestação na atualidade com os traços de sede de liberdade e vontade de construir o próprio futuro.
Experimentamos o que se pode falar um ´SIM` da cultura como reflexo do relacionamento do homem consigo mesmo enquanto sujeito livre e protagonista ao lado de uma profunda mudança na compreensão do relacionamento deste com a natureza. O conceito de sustentabilidade põe em evidência a crise ecológica que se faz sentir com seus grandes e preocupantes efeitos para o futuro do planeta e dos seus habitantes.
Está cada vez mais claro que não basta produzir e ter recursos para adquirir o que se produz. A ruína hidroecológica, a destruição da Amazônia, a extinção de espécies vegetais e animais apontam para a necessidade de buscar outra forma de desenvolvimento e outra imagem de ser humano clamando por um acordo entre este e a natureza.
Na esteira desta verdade encontramos a relação do sujeito com os outros. Por um lado o indivíduo é tentado a se fechar na sua individualidade, acentuando a liberdade e autonomia que a existência do outro é colocada entre parênteses. Por outro lado o relacionamento com os demais ganha contornos políticos evidentes de tal modo que seja o conceito de liberdade, seja a exigência de solidariedade se traduzem em estruturas políticas. Organizar a liberdade e a solidariedade é eminentemente tarefa política. Em resumo podemos afirmar que se trata de sincronizar um conceito solipsista, individualista do ser humano e da economia e uma abertura para a solidariedade.
Naturalmente que toda esta mutação põe no olho do furacão também o modo como a humanidade se relaciona com Deus. Em princípio não está em jogo o conceito de imutabilidade de Deus, mas a sua imagem existencial e experiencial e a maneira de agir diante dele às quais ficam condicionadas por estas transformações culturais. É certo que precisamos admitir uma onda de secularismo e uma crescente descrença nas instituições religiosas, de outra parte uma espécie de renovação religiosa com o que se pode chamar ´revanche de Deus.` Há pouco mais de 45 anos do Concílio Vaticano II, o qual impulsionou a Igreja Católica para novas aventuras no campo da maturidade cristã e seus fiéis para compromissos no mundo, mais e mais nos damos conta que esta abertura tem profundas repercussões na ética e na política.
Especificamente no que se refere a relação do ser humano com a natureza. O conceito de sustentabilidade põe por terra o paradigma de ´dominar a natureza´ destrona o concepção e atitude agressiva diante dela, leva a considerar o meio ambiente não mais como um campo de batalha mas como ´casa de todos` confiada aos cuidados do homem a quem cabe cultivar nela as virtudes da hospitalidade.
Esta crise de relações é antes de tudo uma crise de identidade na qual se insere a crise política. A rapidez das mudanças com a conseqüente globalização dos seus efeitos leva a uma atenta reflexão em virtude de uma nova ética que se adéqüe à nova imagem e se encaminhe para identificar valores estáveis e normas válidas reinterpretando a totalidade da identidade numa cultura de diferentes valores.
A crise política desencadeada neste contexto vem reforçada pelo descrédito do exercício ético do poder político o que, por vezes, parece confirmar que entre ética e política não corre bom sangue. Mensalão, sanguessuga, moeda verde, e inúmeros outros escândalos no seio do poder legitimamente instalado pela sonhada democracia faz emergir os ´inocentistas´ de plantão que se pretendem ficar à margem dos caminhos da corrupção. A partidocracia que pode ser bem compreendida como partidoanarquia do sistema político partidário brasileiro, o qual ainda carece de reformas profundas, permite a emergência de partidos que pretendam se figurar como ícones da ética no cenário cinzento do panorama político partidário nacional.
Sem nos alongar é pertinente afirmar que a existência de uma ética que enerve a política não é opinião pacífica nem junto ao cidadão nem partindo dos estudiosos e especialistas. A despeito o sociólogo Norberto Bobbio afirma que a questão está na conjunção entre estas duas realidades, por sua vez Erasmo de Roterdão afirma que a ética absorve a política; enquanto Hobbes compreende a política como eliminadora da ética, por sua vez Machiavelli não tem escrúpulo em afirmar que tudo deve estar em função do poder.
Quanto a nós não hesitamos em afirmar que ética e política podem andar juntas na medida em que formos construindo a cidade na dimensão do homem. Tal afirmação confere densidade à atividade política que a torna identificada com o sonho do Papa João XXIII: ¨O bem comum compreende o conjunto das condições sociais que permitem aos indivíduos, famílias e associações alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição.¨ (Mater et magistra 65).

REFLETINDO SOBRE VIOLÊNCIA

FAMÍLIA: EDUCAÇÃO E SEGURANÇA

Este texto, de certo modo, quer fazer uma leitura da realidade, mostrando o que na linguagem religiosa costumamos chamar de ‘luzes e sombras da realidade’. Não raro atribuímos à família a responsabilidade pela falta de segurança e tantas outras turbulências na sociedade.
Claro que estas duas situações acabam sendo acrescidas de uma série de outras levando o adolescente/jovem a fazer escolhas que nem sempre encaminham para uma saudável relação com os demais. Muitas vezes nossos adolescentes se encontram diante do perigo da massificação e passam muitas horas em contato com uma sociedade vítima da fragilidade familiar. Esta por sua vez tem suas raízes no pouco convívio dos pais com os filhos por conta de jornadas de trabalho longe de casa, nesta e noutras situações a educação dos filhos é relegada a terceiros, a programação das TVs e o acesso a internet influência de modo negativo. A busca de fortes emoções que facilmente são encontradas na aventura das drogas legais e ilegais.
O estado, durante muito tempo, não cumpriu o seu papel no que tange a políticas públicas pelo menos razoáveis no campo da educação, da segurança, da saúde, etc. é verdade que viemos assistindo nos últimos tempos uma significativa melhora neste quesito.
A fragilidade das relações familiares e as relações sociais como um todo tem deixado a desejar no que se refere a transmissão e vivência de autênticos valores humanos e cristãos. Penso que a família, a sociedade, as escolas tem o dever iminente de converter as normas educativas em motivações interiores, as escolas até o nível superior são desafiadas a promover um diálogo sério, aberto, responsável, entre fé e razão, para isso muito pode contribuir o conhecimento da doutrina social da Igreja Católica e de outras igrejas de inspiração cristã.
Concretamente, tenho a convicção que a promoção da dignidade humana é uma pista concreta para minimizar a distância entre a sociedade dos sonhos e a realidade vivida. Mas parece muito distante falar em dignidade sem indicar alternativas mais palpáveis.
Não exagero afirmando que nossos adolescentes e jovens merecem melhor acolhida e amor sincero no seio das nossas comunidades e sociedades. Seguramente estão em maior situação de risco os mais pobres e por isso mesmo mais sujeitos a alienação e a perca de sua identidade pessoal e social. Estes também são mais facilmente iludidos por promessas de felicidade fácil, pelo ‘paraíso enganoso das drogas’, do prazer, e de todas as formas de violência. Muitas vezes afetados por uma educação da baixa qualidade, muitos acabam nem encontrando possibilidade de estudar e obviamente sem qualificação, excluídos do mundo do trabalho. A onda migratória em busca de novos horizontes nas grandes cidades ou centro urbanos próximo das metrópoles e a conseqüente perda das raízes e das relações familiares endossa o contingente dos ‘sem lenço e sem documento’.
Parece urgente renova a opção afetiva e efetiva pela juventude, opção que seja marcada por propostas concretas dentre elas repito atenção a espiritualidade, que leve a criar motivações fortes para ações políticas de transformação.
Quero não ser compreendido como ‘carola’ mas estou convencido que nossas famílias e jovens precisam de subsídios que promovam educação para a afetividade, para a sexualidade, para o amor responsável. Falo isto a partir do alarmante número de partos na adolescência, não longe de nós.
As mulheres precisam ser mais e melhor valorizadas no que se trata de construir uma sociedade mais humana, é importante criar espaços que favoreçam a inclusão da mulher de modo efetivo nas esferas da administração e da política e das igrejas.
Outro aspecto interessante creio estar na valorização das formas de associativismo que promovam a gratuidade dos relacionamentos. As comunidades das igrejas tem se mostrado lugares de favorecimento de uma educação voltada para o compromisso e para a solidariedade. O valor da religião para a educação se baseia em dois pilares: o primeiro é questão da discussão filosófica que levanta e que deve nortear o desenvolvimento evolutivo do nosso pensamento. O segundo é beleza dos exemplos que oferece. Todas as coisas boas da vida, em geral, nascem do bom exemplo. A religião cumpre o papel de preservar pela tradição oral ou mesmo pelos documentos que divulga histórias de pessoas ou personagens que seguiram princípios éticos valores que contribuem para estimular o respeito de uma pessoa para com a outra.
Outra alternativa razoável será desenvolver um trabalho efetivo de educação para o combate a corrupção e a impunidade promover um efetivo acompanhamento das ações do poder público em todas as instâncias. Precisamos ser muito claros no que se refere a contradição que há entre ser cristão e compactuar com o chamado ‘jeitinho’ brasileiro que aceita esquemas de corrupção e impunidade, seja de forma ativa, seja passiva.
No que se refere especificamente à segurança acredito ser imprescindível trabalhar pela segurança e pelo combate à criminalidade, colaborando para o crescimento de ações que dêem passos no enfrentamento desta endêmica situação, colaborar com a segurança preventiva, com ações que contemplem os que se encontram em situação de risco social. Entre as ações que me parecem razoáveis me parece importante a redefinição dos programas de segurança pública, a ampliação da reflexão sobre as estruturas das polícias, definindo com maior clareza suas competências e cuidando melhor ainda da formação dos seus quadros, a reforma do poder judiciário e o combate efetivo à corrupção nas forças responsáveis pela segurança.
Incrementar nossa presença como sociedade interessada da ressocialização dos educandos nas penitenciarias visando sua reintegração ao meio social. Colaborar com o cuidado da saúde física e mental dos presidiários participando da elaboração de políticas ocupacionais alternativas.
Educar para a preservação do meio ambiente, através de atitudes que respeitem e evitem a destruição da natureza, entre elas a preservação da água como patrimônio da humanidade evitando sua privatização. Valorizar o esforço por um crescimento econômico orientado pelo desenvolvimento sustentável.
Seguramente é importante empenhar-se na busca por construir uma sociedade respeitosa das diversidades culturais sempre com respeito a cultura, a antropologia e a religião. A ética social cristã não é opção facultativa, ela é contribuição para a construção de uma sociedade justa e solidária, deve ocupar lugar de destaque nos programas de educação e de formação.
À guisa de conclusão estou, mais do que convencido que nossas escolas adquirem importância fundamental na educação para os valores humanos. Educar não consiste apenas em fornecer conteúdos e informações objetivas, a escola precisa ser o lugar privilegiado para a formação integral. Como cidadãos somos chamados a nos empenhar para que as escolas públicas sejam canteiros de formação integral dos nossos jovens. É preciso ultrapassar os limites de uma educação voltada para a produção.
Obviamente que o papel da educação não cabe somente a escola, mas é um dever de toda a sociedade e nisto alta responsabilidade tem os MCS.
No dizer de Gabriel Chalita, nossos alunos precisam de alma, de alguém capaz de auxiliá-lo na arte de gerenciar sonhos. O mundo precisa de educadores por meio dos quais as crianças possam desenvolver e compartilhar afeto e a esperança pela vida e pelo ser humano com criatividade, com pensamento crítico.
Terminando quero contar-lhes a clássica história do ser humano que abandonou a terra e viajou algum tempo, à velocidade da luz. Em seu regresso ao mundo, para ele haviam passados apenas alguns anos, mas para o resto, havia passado muito tempo. Nada menos que vários séculos. Em seu desconcerto – não reconhecia em nada algo desconhecido, somente o consolou um único lugar que continuava o mesmo de sempre: a escola.

A PARTIR DESTE TEXTO, LEIA NOSSO COMENTÁRIO...


Pablo Gentili: Neoliberalismo e educação: manual do usuário

Enviado por admin1 o Mér, 24/03/2004 - 17:08.
Pablo Gentili:
Neoliberalismo e educação: manual do usuário

Neste trabalho pretendo abordar criticamente algumas dimensões da configuração do discurso neoliberal no campo educacional. Começarei destacando a importância teórica e política de se compreender o neoliberalismo como um complexo processo de construção hegemônica. Isto é, como uma estratégia de poder que se implementa sentidos articulados: por um lado, através de um conjunto razoavelmente regular de reformas concretas no plano econômico, político, jurídico, educacional, etc. e, por ou através de uma série de estratégias culturais orientadas a impor novos diagnósticos acerca da crise e construir novos significados sociais a partir dos quais legitimar as reformas neoliberais como sendo as únicas que podem (e devem) ser aplicadas no atual contexto histórico de nossas sociedades Tentarei mostrar de que forma esta dimensão cultural, característica de toda lógica hegemônica, foi sempre reconhecida como um importante espaço de construção política por aqueles intelectuais conservadores que, em meados deste século, começaram a traçar as bases teóricas e conceituada do neoliberalismo enquanto alternativa de poder. Em segundo lugar, tentarei apresentar algumas considerações gerais sobre como se constrói a retórica neoliberal no campo educacional. Pretendo identificar as dimensões que unificam os discursos neoliberais para além das particularidades locais que caracterizam os diferentes contextos regionais onde tal retórica é aplicada. Meu objetivo será questionar a forma neoliberal de pensar e projetar a política educacional. Finalizo destacando algumas das mais evidentes conseqüências da pedagogia da exclusão promovida pelos regimes neoliberais em nossas sociedades.'
1.O neoliberalismo como construção hegemônica
Explicar o êxito do neoliberalismo (é também, é claro, traçar estratégias para sua necessária derrota) é uma tarefa cuja complexidade deriva da própria natureza hegemônica desse projeto. Com efeito, o neoliberalismo expressa a dupla dinâmica que caracteriza todo processo de construção de hegemonia. Por um lado, trata-se de uma alternativa de poder extremamente vigorosa constituída por uma série de estratégias políticas, econômicas e jurídicas orientadas para encontrar uma saída dominante para a crise capitalista que se inicia ao final dos anos 60 e que se manifesta claramente já nos anos 70. Por outro lado, ela expressa e sintetiza um ambicioso projeto de reforma ideológica de nossas sociedades a construção e a difusão de um novo senso comum que fornece coerência, sentido e uma pretensa legitimidade às propostas de reforma impulsionadas pelo bloco dominante. Se o neoliberalismo se transformou num verdadeiro projeto hegemônico, isto se deve ao fato de ter conseguido impor uma intensa dinâmica de mudança material e, ao mesmo tempo, uma não menos intensa dinâmica de reconstrução discursivo-ideológica da sociedade, processo derivado da enorme força persuasiva que tiveram e estão tendo os discursos, os diagnósticos e as estratégias argumentativas, a retórica, elaborada e difundida por seus principais expoentes intelectuais (num sentido gramsciano, por seus intelectuais orgânicos. O neoliberalismo deve ser compreendido na dialética existente entre tais esferas, as quais se articulam adquirindo mútua coerência.
Com frequência costumamos enfatizar a capacidade (ou a incapacidade) que o neoliberalismo possui para impor com êxito seus programas de ajuste, esquecendo a conexão existente entre tais programas e a construção desse novo senso comum a partir do qual as maiorias começam aceitar , a defender como próprias) as receitas elaboradas pelas tecnocracias neoliberais. O êxito cultural mediante a imposição de um novo discurso que explica a crise e oferece um marco geral de respostas e estratégias para sair dela - se expressa na capacidade que os neoliberais tiveram de impor suas verdades como aquelas que devem ser defendidas por qualquer pessoa medianamente sensata e responsável. Os governos neoliberais não só transformam materialmente a realidade econômica, política, jurídica e social, também conseguem que esta transformação seja aceita como a única saída possível (ainda que, às vezes, dolorosa) para a crise.
Desde muito cedo, os intelectuais neoliberais reconheceram que a construção desse novo senso comum (ou, em certo sentido, desse novo imaginário social) era um dos desafios prioritários para garantir o êxito na construção de uma ordem social regulada pelos princípios do livre-mercado e sem a interferência sempre perniciosa da intervenção estatal. Não se tratava só de elaborar receitas academicamente coerentes e rigorosas, mas, acima de tudo, de conseguir que tais fórmulas fossem aceitas, reconhecidas e válidas pela sociedade como a solução natural para antigos problemas estruturais.
As obras de Friedrich A. Hayek e Milton Friedman, dois dos mais respeitados representantes da intelligentsia neoliberal, expressa com eloqüência, e por diferentes motivos, esta preocupação. Seus textos de intervenção política nos permitem observar a sagacidade desses intelectuais em reconhecer a importância política de acompanhar toda reforma econômica com uma necessária" mudança nas mentalidades, na cultura dos povos.
Em seu prefácio de 1976 a The Road to Serfdom (O caminho da servidão), Hayek lamentava que as idéias defendidas naquele texto fundacional, editado originariamente em 1944, continuassem, trinta anos depois, mantendo plena vigência, embora a prédica "intervencionista e coletivista' da social-democracia gozasse de boa saúde e relativa popularidade entre as maiorias. Passadas mais de três décadas, a sociedade ainda não tinha aceito plenamente o que para Hayek era uma evidência ineludível: toda forma de intervenção estatal constitui um sério risco para a liberdade individual e o caminho mais seguro para a imposição de regimes totalitários corno o da Alemanha nazista e o da União Soviética comunista. Trinta anos depois, o desafio de O caminho da servidão continuava aberto: só quando a sociedade reconhece o verdadeiro desafio da liberdade é possível evitar as armadilhas do coletivismo. Hayek não deixava margem a dúvidas sobre as conseqüências que derivavam de uma cultura mais disposta a reconhecer a necessidade da intervenção estatal que os méritos do livre-mercado. Se o homem comum não afirma na sua vida cotidiana o valor da competição, se a sociedade não aceita as enormes possibilidades modernizadoras que o mercado oferece quando passa a atuar sem a prejudicial interferência do Estado, as conseqüências - defendia o intelectual austríaco - são nefastas para a própria democracia: os piores serão os primeiros, o totalitarismo aumentará e a planificação centralizada tomará conta da vida das pessoas, impedindo-lhes de expressar seus desejos individuais, sua vocação de melhora contínua, sua liberdade de escolher. Hitler, Stalin e Mussolini não expressavam um ocasional desvio totalitário na história dos povos europeus, eram o espelho onde deveriam mirar-se aqueles líderes políticos que ainda confiavam na suposta eficácia da planificação estatal centralizada.
Poucos anos depois, Milton Friedman enfrentava um panorama menos desolador. Seu livro Free to Choose (Liberdade de Escolher), publicado no início dos anos oitenta, tinha vendido rapidamente, nos Estados Unidos, mais de 400.000 exemplares em sua edição de luxo e várias centenas de milhares em sua edição popular. O principal expoente da Escola de Chicago se perguntava sobre as razões do incrível êxito este volume, sobretudo se comparado à "tímida" recepção que havia tido Capitalism and Freedom (Capitalismo e Liberdade), seu antecedente mais direto, embora publicado vinte anos antes. Por que Liberdade de Escolher tinha vendido em apenas poucas semanas o que Capitalismo e Liberdade vendeu durante vinte longos anos? Como explicar semelhante fato, se os dois livros abordavam a mesma problemática e defendiam as mesmas idéias? O espetacular impacto de Free to Choose, segundo o próprio Friedman, não podia ser exclusivamente atribuído à difusão alcançada pela série televisiva de mesmo nome que acompanhou o lançamento do livro e que o teve como protagonista. Antes disso, existia uma mudança mais profunda: a opinião pública havia mudado, as pessoas estavam mais receptivas à prédica insistente dos defensores do livre-mercado; as pessoas, agora estavam alertas para se defenderem da voracidade de um Estado disposto a monopolizar tudo, inclusive o bem mais apreciado pelo ser humano a liberdade individual. Em seu prefácio) de 1982 à nova edição de Capitalism and Freedom, Milton Friedman reconhecia satisfeito: 411 as idéias expostas e nonos dois livros ainda se acham muito distantes da corrente intelectual predominante, mas agora, pelo menos, respeitadas pela comunidade intelectual e parece que se tornaram quase comuns entre o grande público" (l985: 6), Margaret Thatcher já era Primeira Ministra da Inglaterra e Ronald Reagan, Presidente dos Estados Unidos. Helmut Khol acabara de ganhar as eleições na Alemanha... o neoliberalismo se transformava em uma verdadeira alternativa de poder no interior das principais potências do mundo capitalista.
Obviamente, a penetração social desses discursos não foi produto do acaso nem apenas uma questão decorrente dos méritos intelectuais daqueles obstinados professores universitários. Será no contexto da intensa e progressiva crise estrutural do regime de acumulação fordista que a retórica neoliberal ganhará espaço político e também, é claro, densidade ideológica. Tal contexto oferecerá a oportunidade necessária para que se produza esta confluência histórica entre um pensamento vigoroso no plano filosófico e econômico (embora, até então, de escasso impacto tanto acadêmico quanto social) e a necessidade política do bloco dominante de fazer frente ao desmoronamento da fórmula keynesiana cristalizada nos Estados de Bem-estar. A intersecção de ambas as dinâmicas permite compreender a força hegemônica do neoliberalismo.
Estes processos tiveram também eu impacto específico na América Latina. Com efeito, alguns países da região constituíram um verdadeiro laboratório de experimentação neoliberal de resultados aparentemente milagrosos. A América latina, de fato, foi o cenário trágico do primeiro experimento político do neoliberalismo em nível mundial: a dita dura do general Pinochet iniciada no Chile em 1973.
Entretanto, a contribuição latino-americano ao neoliberalismo mundial não se esgotou na experiência chilena. Durante os anos 80, e no contexto das incipientes democracias pós-ditatoriais, o neoliberalismo chegará ao poder, na maioria das nações da região, pela via do voto popular. Algumas experiências, inclusive, transcenderam as fronteiras como modelos "exitosos" capazes de iluminar (de forma quase universal) o caminho de uma verdadeira e profunda reforma econômica, a partir da qual garantir a estabilidade monetária e política, a partir da qual garantir uma suposta governabilidade democrática. Durante a segunda metade do século XX, o neoliberalismo deixou, assim, de ser apenas uma simples perspectiva teórica produzida em confrarias intelectuais, a orientar as decisões governamentais em grande parte do mundo capitalista, o que inclui desde as nações do Primeiro e do Terceiro Mundo até algumas das mais convulsionadas sociedades da Europa Oriental.
Cinco décadas de história teórica e quase vinte anos de experiência no exercício do poder permitem-nos identificar mais regularidades que, para além das especificidades locais, contribuem para a definição da natureza e do caráter dos programas de ajuste neoliberal num sentido global. Na seguinte, nosso interesse se concentrará nas regularidades apresentadas pela retórica neoliberal no campo educacional. Resumiremos a seguir algumas dimensões discursivas que configuram esta retórica, a partir da qual são elaboradas uma série de diagnósticos e, consequentemente, uma série de propostas políticas que devem, sob a perspectiva neoliberal, orientar uma profunda reforma do sistema escolar nas sociedades contemporâneas. Pretendo, desta forma, contribuir para a necessária tarefa de caracterizar a forma neoliberal de pensar e projetar as políticas . A possibilidade de conhecer e reconhecer a discursiva do neoliberalismo obviamente não é suficiente para freiar a força persuasiva de sua retórica. No entanto pode ajudar-nos a desenvolver mais e melhores estratégias de luta contra as intensas dinâmicas de exclusão social promovidas por tais políticas. Pretendo aqui contribuir minimamente para esse objetivo.
Podemos nós aproximar de uma compreensão crítica da forma neoliberal de pensar e traçar a política educacional procurando responder, brevemente, a quatro questões:
1. como entendem os neoliberais a crise educacional?
2. quem são, de acordo com essa perspectiva, seus culpados?
3. que estratégias definem para sair dela?
4. quem deve ser consultado para encontrar uma saída para a crise?
Em primeiro lugar é necessário destacar que na perspectiva neoliberal os sistemas educacionais enfrentam, hoje, uma profunda crise de eficiência, eficácia e produtividade, mais do que uma crise de quantidade, universalização e extensão.
Para eles, o processo de expansão da escola, durante a segunda metade do século, ocorreu de forma acelerada sem que tal crescimento tenha garantido uma distribuição eficiente dos serviços oferecidos. A crise das instituições escolares é produto, segundo este enfoque, da expansão desordenada e "anárquica" que o sistema educacional vem sofrendo nos últimos anos. Trata-se fundamentalmente de uma crise de qualidade decorrente da improdutividade que caracteriza as práticas pedagógicas e a gestão administrativa da grande maioria dos estabelecimentos escolares.
Neste sentido, a existência de mecanismos de exclusão e discriminação educacional resulta de forma clara e direta, da própria ineficácia da escola e da profunda incompetência daqueles que nela trabalham. Os sistemas educacionais contemporâneos não enfrentam, sob a perspectiva neoliberal, uma crise de democratização, mas uma crise gerencial. Esta crise promove, em determinados contextos, certos mecanismos de "iniqüidade" escolar, tais como a evasão, a repetência, o analfabetismo funcional etc.
O objetivo político de democratizar a escola está assim subordinado ao reconhecimento de que tal tarefa depende, inexoravelmente, da realização de uma profunda reforma administrativa do sistema escolar orientada pela necessidade de introduzir mecanismos que regulem a eficiência, a produtividade, a eficácia, em suma: a qualidade dos serviços educacionais.
Deste diagnóstico inicial decorre um argumento central na retórica construída pelas tecnocracias neoliberais: atualmente, inclusive nos países mais pobres, não faltam escolas, faltam escolas melhores; não faltam professores,, faltam professores mais qualificados; não faltam recursos para financiar as políticas educacionais, ao contrário, falta uma melhor distribuição dos recursos existentes. Sendo assim, transformar a escola supõe um enorme desafio gerencial: promover uma mudança substantiva nas práticas pedagógicas, tornando-as mais eficientes; reestruturar o sistema para flexibilizar a oferta educacional; promover urna mudança cultural, não menos profunda, nas estratégias de gestão (agora guiadas pelos novos conceitos de qualidade total); reformular o perfil dos professores, requalificando-os, implementar uma ampla reforma curricular, etc.
Segundo os neoliberais, esta crise se explica, em grande medida, pelo caráter estruturalmente ineficiente do Estado para gerenciar as políticas públicas. O clientelismo, a obsessão planificadora e os improdutivos, labirintos do burocratismo estatal explicam, sob a perspectiva neoliberal, a incapacidade que tiveram os governos para garantir a democratização da educação e, ao mesmo tempo", a eficiência produtiva da escola. A educação funciona mal porque foi malcriadamente peneirada pela política, porque foi profundamente estatizada. A ausência de um verdadeiro mercado educacional permite compreender a crise de qualidade que invade as instituições escolares. Construir tal mercado, conforme veremos mais adiante, constitui um dos grandes desafios que as políticas neoliberais assumirão no campo educacional. Só esse mercado, cujo dinamismo e flexibilidade expressam o avesso de um sistema escolar rígido e incapaz, pode promover os mecanismos fundamentais que garantem a eficácia e a eficiência dos serviços oferecidos: a competição interna e o desenvolvimento de um sistema de prêmios e castigos com base no mérito e no esforço individual dos atores envolvidos na atividade educacional. Não existe mercado sem concorrência, sendo ela o pré-requisito fundamental para garantir aquilo que os neoliberais chamam de eqüidade.
A planificação centralizada e, certamente, o clientelismo que caracteriza as práticas estatais impedem e travam a liberdade individual de eleger, única garantia para o estabelecimento de um sistema de prêmios e castigos baseado em critérios verdadeiramente meritocráticos. Para os neoliberais, o Estado de Bem-estar e as diversas formas de populismo que conheceram nossos países têm intensificado os efeitos improdutivos que se derivam da materialização histórica destas práticas clientelistas. Ao criticar enfaticamente a interferência política na esfera social, econômica e cultural, o neoliberalismo questionar a própria noção de direito e a concepção de igualdade que serve(ao menos teoricamente) como fundamento filosófico da existência de uma esfera de direitos sociais nas sociedades democráticas. Tal questionamento supõe, na perspectiva neoliberal, aceitar que uma sociedade pode ser democrática sem a existência de mecanismos e critérios que promovem uma progressiva igualdade e que se concretizam na existência de um conjunto inalienável de direitos sociais e de uma série de instituições públicas nas quais tais direitos se materializam.
Para os neoliberais a democracia não tem nada a ver com isso. Ela é simplesmente , um sistema político que deve permitir aos indivíduos desenvolver sua inesgotável capacidade de livre escolha na única esfera que garante e potencializa a referida capacidade individual: o mercado. A crise social se deriva, fundamentalmente, de que os sistemas institucionais dependentes da esfera do Estado (da política) não atuam eles mesmos como mercados. Isto ocorre, segundo a perspectiva neoliberal, no campo da saúde, da previdência, das políticas de emprego e também, é claro, da educação.
De certa forma, a crise é produto da difusão (excessiva, aos olhos de certos neoliberais atentos) da noção de cidadania. Para eles, o conceito de cidadania em que se baseia a concepção universal e universalizante dos direitos humanos (políticos, sociais, econômicos, culturais etc.) tem gerado um conjunto de falsas promessas que orientaram ações coletivas e individuais caracterizadas pela improdutividade e pela falta de reconhecimento social no valor individual da competição.
Com efeito, como já tentei demonstrar em outros trabalhos, a grande operação estratégica do neoliberalismo consiste em transferir a educação da esfera da política para a esfera do mercado questionando assim seu caráter de direito e reduzindo-a a sua condição de propriedade. É neste quadro que se reconceitualiza a noção de cidadania, através de uma revalorização da ação do indivíduo enquanto proprietário, enquanto indivíduo que luta para conquistar (comprar) propriedades-mercadorias diversa índole, sendo a educação uma delas. O modelo de homem neoliberal é o cidadão privatizado o entrepreneur, o consumidor.
2. Os culpados
Sendo assim, é relativamente fácil avançar na resposta à nossa segunda pergunta: (quem são os culpados pela crise educacional? Existem, desta perspectiva alguns responsáveis diretos e outros indiretos. Entre os primeiros se encontram, obviamente, o modelo de Estado assistencialista e uma das configurações institucionais que o tem caracterizado: os sindicatos. A existência de fortes sindicatos nacionais e organizados em função de grandes setores de atividade, os quais proclamam a defesa de um interesse geral baseado na necessidade de construir e expandir a esfera dos direitos sociais, constitui, na perspectiva neoliberal, uma barreira intransponível para a possibilidade de desenvolver os já mencionados mecanismos de competição individual que garantem o progresso social. Nesse sentido os principais responsáveis pela crise educacional se encontram os próprios sindicatos de professores e todas aquelas organizações que defendem o direito igualitário a uma escola pública de qualidade. Entretanto, semelhante argumento apresenta um problema evidente. Com efeito, se o Estado e os sindicatos são os principais responsáveis pela crise, deveria supor-se que a simples redução do primeiro à sua mínima expressão e a desaparição definitiva dos segundos constituem uma garantia mais do que suficiente para superar a crise atual das instituições educacionais. Da perspectiva neoliberal isso e, o menos em parte, efetivamente assim. Porém, mesmo quando os neoliberais chegam o poder e desenvolvem (muitas vezes com êxito) sua implacável desarticulação dos mecanismos de intervenção do Estado, e sua não menos implacável fragmentação das organizações sociais, nem sempre a crise educacional se soluciona.
Na perspectiva neoliberal, isto acontece porque a crise educacional não se reduz apenas à existência de um certo modelo de Estado, nem ao caráter supostamente corporativo das entidades sindicais. O problema é mais complexo: os indivíduos são também culpados pela crise. e é culpada na medida em que as pessoas ajeitaram corno natural e inevitável o status quo estabelecido por aquele sistema improdutivo de intervenção estatal. Os pobres são culpados pela pobreza; os desempregados pelo desemprego; os corruptos pela corrupção; os faceados pelas violência urbana; os sem-terra pela violência no campo; os pais pelo rendimento escolar de seus filhos; os professores pela péssima qualidade dos serviços educacionais. O neoliberalismo privatiza tudo, inclusive também o êxito e o fracasso social. Ambos passam a ser considerados variáveis dependentes de um conjunto de opções individuais através das quais as pessoas jogam dia a dia seu destino, como num jogo de baccarat. Se a maioria dos indivíduos é responsável por um destino não muito gratificante é porque não souberam reconhecer as vantagens que oferecem o mérito e o esforço individuais através dos quais se triunfa na vida. É preciso competir, e uma sociedade moderna é aquela na qual só os melhores triunfam. Dito de maneira simples: a escola funciona mal porque as pessoas não reconhecem o valor do conhecimento; os professores trabalham pouco e não se atualizam, são preguiçosos; os alunos fingem que estudam quando, na realidade, perdem tempo, etc.
Trata-se, segundo os neoliberais, de um problema cultural provocado pela ideologia dos direitos sociais e a falsa promessa de que uma suposta condição de cidadania nos coloca a todos em igualdade de condições para exigir o que só deveria ser outorgado àqueles que, graças ao mérito e ao esforço individual, se consagram como consumidores empreendedores.
A lógica competitiva promovida por um sistema de prêmios e castigos com base em tais critérios meritocráticos cria as condições culturais que facilitam uma profunda mudança institucional voltada para a Configuração de um verdadeiro mercado educacional. Superar a crise implica, então, o desafio de traçar as estratégias mais eficientes a partir das quais é possível construir tal mercado. Passemos a seguir para a terceira questão.
3. As estratégias
As políticas educacionais implementadas elas administrações neoliberais permitem reconhecer uma série de regularidades que, para além das especificidades locais, caracterizam e unificam as estratégias de reforma escolar levadas a cabo por esses governos. Poderíamos dizer que existe um consenso estratégico entre os, intelectuais conservadores sobre como e com que receitas enfrentar a crise educacional. Obviamente, tal consenso decorre da formulação de um diagnóstico comum partir do qual é possível explicar e descrever os motivos que originaram a crise e, ao mesmo tempo, de uma identificação também comum sobre os supostos responsáveis por essa crise. A experiência internacional parece indicar a existência de um Consenso de Washington,, também no plano de reforma educacional. Na construção desse consenso desempenharam um papel central as agências internacionais, em especial, o Banco Mundial e, mais recentemente, uma série de intelectuais transnacionalizados (os experts) que, assumindo um papel pretensamente evangelizador, percorrem o mundo vendendo seus papers pré-fabricados a quem mais lhes oferecer. Retornaremos a esses mais adiante.
Essas regularidades se expressam em uma série d objetivos que articulam e dão coerência às reformas educacionais implementadas pelos governos neoliberais:
a) por um lado, a necessidade de estabelecer mecanismos de controle e avaliação da qualidade dos serviços educacionais (na ampla esfera dos sistemas e, de maneira específica, no interior das próprias instituições escolares)
b) por outro, a necessidade de articular e subordinar produção educacional às necessidades estabelecidas pelo mercado de trabalho.
O primeiro objetivo promove e, de certa forma, garante a materialização dos citados princípios meritocráticos competitivos. O segundo dá sentido e estabelece o rumo(o horizonte) das políticas educacionais, ao mesmo tempo que permite estabelecer critérios para avaliar a pertinência das propostas de reforma escolar. É o mercado de trabalho que emite os sinais que permitem orientar as decisões em matéria de política educacional. É a avaliação das institu)ições escolares e o estabelecimento de rigorosos critérios de qualidade o que permite dinamizar o sistema através de uma lógica de prêmios e castigos que estimulam a produtividade e a eficiência no sentido anteriormente destacado.
Não vamos desenvolver aqui as características e o conteúdo que assumem essas estratégias de reforma. No entanto, é importante especificar brevemente duas questões relevantes vinculadas a tais objetivos. O neoliberalismo formula um conceito específico de qualidade, decorrente das práticas empresariais é transferido, sem mediações, para o campo educacional. As instituições escolares devem ser pensadas e avaliadas (isto é, devem julgados seus resultados), como se fossem em presas Produtivas. Produz-se nelas um tipo específico de mercadoria (o conhecimento, o aluno escolarizado, o currículo) e, conseqüentemente, suas práticas devem estar submetidas aos mesmos critérios de avaliação que se aplicam em toda empresa dinâmica, eficiente e flexível. Se os sistemas de Total Quality Control (TQC) têm demonstrado um êxito comprovado no mundo dos negócios, deverão produzir os mesmos efeitos produtivos no campo educacional.
Por outro lado, é importante destacar que quando os neoliberais enfatizam que a educação deve estar subordinada às necessidades do mercado de trabalho, estão se referindo a uma questão muito específica: a urgência de que o sistema educacional se ajuste às demandas do mundo dos empregos. Isto não significa que a função social da educação seja garantir esse empregos e, menos ainda, criar fontes de trabalho. Pelo contrário, o sistema educacional deve promover o que os neoliberais chamam de empregabilidade.
Isto é, a capacidade flexível de adaptação individual às demandas do mercado de trabalho. A função "social" da educação esgota-se neste ponto. Ela encontra o seu preciso limite no exato momento em que o indivíduo se lança ao mercado para lutar por um emprego. A educação deve apenas oferecer essa ferramenta necessária para competir nesse mercado. O restante depende das pessoas. Como no jogo de baccarat do qual nos fala Friedman, nada está aqui determinado de antemão, embora saibamos, que alguns triunfarão e outros estarão condenados ao fracasso.
Uma dinâmica aparentemente paradoxal caracteriza a estratégias de reforma educacional promovidas pelos governos neoliberais: as lógicas articuladas de descentralização centralizante e de centralização-descentralizada. De fato por um lado, as estratégias neoliberais contra a crise educacional se configuram como uma clara resposta descentralizadora diante dos supostos perigos do planejamento estatal e dos efeitos improdutivos das burocracias governamental e sindicais. Transferem-se as instituições escolares da jurisdição federal para a estadual e desta para a esfera municipal: municipaliza-se o sistema de ensino. Propõe-se para níveis cada vez mais micro (inclusive a própria escola), evitando-se, assim, interferência "perniciosa" do centralismo governamental; desarticulam-se os mecanismos unificados de negociação com organizações dos trabalhadores da educação (dinâmica que tende a questionar a própria necessidade das entidades sindicais; flexibilizam-se as formas de contratação e retribuições salariais dos docentes, etc.
Mas, por outro lado e ao mesmo tempo, os governos neoliberais centralizam certas funções, as quais não são transferidas aos municípios, aos governos estaduais nem, muito menos, aos próprios professores ou à comunidade:
a) a necessidade de desenvolver sistemas nacionais de avaliação dos sistemas educacionais(basicamente provas de rendimento aplicadas à população estudantil);
b) a necessidade de desenhar e desenvolver reformas curriculares a partir das quais estabelecer os parâmetros e conteúdos básicos de um Currículo Nacional;
c) associada à questão anterior a necessidade de desenvolver estratégias de formação de professores centralizadas nacionalmente e que permitam atualização dos docentes segundo o plano curricular estabelecido na citada reforma.
O Estado neoliberal é mínimo quando deve financiar a escola pública e máximo quando define de forma centralizada o conhecimento oficial que deve circular pelos estabelecimentos educacionais, quando estabelece mecanismos verticalizados e antidemocráticos de avaliação do sistema e quando retira autonomia pedagógica às instituições e aos atores coletivos da escola, entre eles, principalmente, aos professores. Centralização e descentralização são as duas faces de uma mesma moeda: a dinâmica autoritária que caracteriza as reformas educacionais implementadas pelos governos neoliberais.
Para compreender um pouco melhor a natureza da mudança institucional promovida pelo neoliberalismo nos âmbitos escolares, farei um pequeno parêntese. Estabelecerei, a título ilustrativo, uma analogia entre as funções atribuídas às instituições educacionais e a lógica que regula o funcionamento dos fast foods nas modernas sociedades de mercado. Esta comparação poderá nos permitir avançar na caracterização de um processo que denominaremos aqui mcdonaldização da escola e que, na minha perspectiva, sintetiza de forma eloqüente o sentido assumido pela reforma neoliberal levada a cabo nos âmbitos educacionais.
3. 1. A mcdonaldização da escola
Os processos de mcdonaldização têm sido destacados por alguns autores para referir-se à transferência dos princípios que regulam a lógica de funcionamento dos fast foods a espaços institucionais cada vez mais amplos na vida social do capitalismo contemporâneo. A mcdonaldização da escola, processo que se concretiza em diferentes e articulados planos (alguns mais gerais e outros mais específicos), constitui uma metáfora apropriada para caracterizar as formas dominantes de reestruturação educacional propostas pelas administrações neoliberais.
Na ofensiva antidemocrática e excludente promovida pelo ambicioso programa de reformas estruturais impulsionado pelo neoliberalismo, as instituições educacionais tendem a ser pensadas e reestruturadas sob o modelo de certos padrões produtivistas e empresariais.
Já temos enfatizado que os neoliberais definem um conjunto de estratégias dirigidas a transferir a educação da esfera dos direitos sociais à esfera do mercado. A ausência de um verdadeiro mercado educacional (isto é, a ausência de mecanismos de regulação mercantil que configurem as bases de um mercado escolar) explica a crise de produtividade da escola. Para os neoliberais, o reconhecimento desse fato permite orientar urna saída estratégica mediante a qual é possível conquistar, sem "falsas promessas", uma educação de qualidade e vinculada às necessidades do mundo moderno: as instituições escolares devem funcionar como empresas produtoras de serviços educacionais. A interferência estatal não pode questionar o direito de livre escolha que os consumidores de educação devem realizar no mercado escolar. Apenas um conglomerado de instituições corri essas características pode obter níveis de eficiência baseados na competição e no mérito individual. Os McDonald's constituem um bom exemplo de organização produtiva com tais atributos e, nesse sentido, representam um bom modelo organizacional para a modernização escolar. Vejamos algumas das possíveis coincidências entre ambas as esferas. Em primeiro lugar, os fast foods, e as escolas têm um ponto básico em comum. Ambos existem para dar conta de duas necessidades fundamentais nas sociedades modernas: comer e ser socializado escolarmente. Embora a primeira seja uma necessidade tão antiga quanto a própria Humanidade e a segunda nem tanto, não existiria, aparentemente, nenhuma originalidade nas funções que atualmente são cumpridas tanto pelos McDonald's quanto pelas escolas. Entretanto, aqui, como na produção de toda mercadoria, o importante não é apenas a coisa produzida (o hambúrguer ou o conhecimento oficial), mas a forma histórica que adquire a produção desses processos, quer se trate da indústria da comida rápida, quer se trate da indústria escolar. Isto é, o que unifica os McDonalds e a utopia educacional dos homens de negócios é que, em ambos, a mercadoria oferecida deve ser produzida de forma rápida e de acordo com certas e rigorosas normas de controle da eficiência e da produtividade. O modelo McDonald's tem demonstrado, graças à universalização do hambúrguer, uma enorme capacidade para ter sucesso no mercado da alimentação "rápida" (se é que o termo "alimentação" pode ser aplicado nesse caso). A escola, pelo contrário, no que se refere a suas funções educacionais, não tem sido tão bem sucedida, se avaliada sob a ótica empresarial defendida pelos neoliberais. Os princípios que regulam a prática cotidiana dos McDonald's, em todas as cidades do planeta, bem que poderiam ser aplicados às instituições escolares que pretendem percorrer a trilha da excelência: "qualidade, serviço, limpeza e preço". A rigor na perspectiva dos homens de negócios, esses princípios devem regular toda prática produtiva moderna. O próprio fundador dessa cadeia de restaurantes, Ray Kroc, tem dito, sem falsa modéstia: "se me tivessem dado um tijolo cada vez que repeti essas palavras, creio que teria podido construir uma ponte sobre o Oceano Atlântico" (Peter & Waterman, 1984: 170). A escola, pensada e projetada como uma instituição prestadora de serviços, deve adotar esses princípios de demonstrada eficácia para obter certa liderança em qualquer mercado.
Esse aspecto de caráter geral se vincula a outra coincidência (ou melhor, a outra lição) que os McDonald's oferecem às instituições educacionais. De forma bastante simples, podemos dizer que os fast foods surgiram para responder a uma demanda da sociedade moderna pós-industrial: as pessoas correm muito; estão, em grande parte do dia, fora de casa; e têm pouco tempo para comer. Entre os fast foods realmente existentes, o McDonald's adquiriu liderança mundial, aproveitando-se daquilo que na terminologia empresarial se denomina "vantagens comparativas". Uma grande capacidade administrativa permitiu que essa empresa conquistasse uni importante nicho no mercado da comida rápida. Algumas das correntes dominantes entre as perspectivas acadêmicas dos homens de negócios enfatizam que a capacidade competitiva de uma empresa (e inclusive de uma nação) se define por seu dinamismo e flexibilidade para descobrir e ocupar determinados segmentos (ou nichos) que se abrem à competição empresarial. Assim, os mercados expressam tendências e necessidades heterogêneas. Reconhecer tal diversidade faz parte da habilidade empresarial daqueles que conduzem as grandes corporações conseguem sobreviver à intensa competição inter-empresarial. O que é tudo isso tem a ver com a educação? A resposta é simples: se o sistema escolar tem que se configurar como mercado educacional, as escolas devem definir estratégias competitivas para atuar em tais mercados, conquistando nichos que respondam de forma específica à diversidade existente nas demandas de consumo por educação. Mcdonaldizar, a escola supõe pensá-la como urna instituição flexível que deve reagir aos estímulos (os sinais) emitidos por um mercado educacional altamente competitivo.
Entretanto, alguém, provavelmente intrigado, poderia perguntar qual é a razão que explica que o mercado educacional deva ser necessariamente competitivo. Os neoliberais respondem a essa questão também de forma simples: assim como as pessoas precisam comer hambúrgueres porque o trabalho (e, claro, a mídia) o exige, também precisam educar-se porque o conhecimento se transformou na chave de acesso à nova Sociedade do saber. Na perspectiva dos homens de negócios, nesse novo modelo de sociedade, a escola deve ter por função a transmissão de certas competências e habilidades necessárias para que as pessoas atuem competitivamente num mercado de trabalho altamente seletivo e cada vez mais restrito. A educação escolar deve garantir as funções de classificação e hierarquização dos postulantes aos futuros empregos (ou aos empregos do futuro). Para os neoliberais, nisso reside a "função social da escola". Semelhante "desafio" só pode ter êxito num mercado educacional que seja, ele próprio, uma instância de seleção meritocrática, em suma, um espaço altamente competitivo.
A necessidade de permitir a competição inter-institucional (escola versus escola) explica a ênfase neoliberal no desenvolvimento de mecanismos de desregulamentação, flexibilização da oferta e livre escolha dos consumidores na esfera educacional. Entretanto, essa questão não esgota a reforma competitiva que os neoliberais pretendem impor na esfera escolar. Nessa perspectiva, a competição deve caracterizar a própria lógica interna das instituições educacionais. A possibilidade de construção de um mercado escolar competitivo depende, entre outros fatores, da difusão de rigorosos critérios de competição interna que regulem as práticas e as relações cotidianas da escola. Algo similar ocorre nos McDonald's.
De fato, os sistemas de controle e promoção de pessoal no McDonald's são conhecidos (e em muitas ocasiões tomados como modelos) pelo uso eficaz de um sistema de incentivos que promove uma dura e implacável competição interna entre os trabalhadores bem como a difusão de um sistema de prêmios e castigos dirigidos a motivar o "pertencimento" e a adesão incondicional à empresa. Esses mecanismos estão sendo cada vez mais difundidos nos âmbitos escolares até mesmo quando as normas jurídicas vigentes não o permitem). Quem mais produz mais ganha. E só é possível saber quem mais produz quando se avaliam rigorosamente os atores envolvidos no processo pedagógico(sejam professores, alunos, funcionários etc.). Os prêmios à produtividade são, tal como no McDonald's, tanto meramente simbólicos(quadro de honra, empregado do mês), quanto materiais(aumento salarial, prêmios em espécie, promoção de categoria). A educação deve ser pensada como um grande campeonato. Nela, os triunfadores sabem que o primeiro desafio é assumirem-se como ganhadores. "Tu pertences à equipe dos campeões!", costuma repetir orgulhoso Ray Kroe em suas habituais arengas à sua tropa de despachantes de hambúrgueres e batatas fritas baratas. Espírito de luta, de auto-superação, de confiança no valor do mérito, certeza de saber que quem está ao nosso lado só atrapalha nosso caminho ao sucesso. Nada mais apreciado na escola do que o título de Mestre do Ano. Nada mais cobiçado no McDonald's do que o prêmio All American Hamburguer-Maker.
A pedagogia da Qualidade Total se inscreve nessa forma particular de compreender os processos educacionais, não sendo mais do que uma tentativa de transferir para a esfera escolar os métodos e as estratégias de controle de qualidade próprios do campo produtivo.
O processo de mcdonaldização da escola também tem seu efeito no campo do currículo e na formação de professores. Quem se aventurar a estudar com mais detalhes os fast foods(tarefa que constituiria uma grande contribuição para compreender melhor nossas escolas) poderá encontrar uma surpreendente similitude entre os mecanismos de planejamento dos cardápios nesse tipo de negócio e as estratégias neo-tecnicistas de reforma curricular. O caráter assumido pelo planejamento dos currículos nacionais, no contexto da reforma educacional promovida pelos regimes neoliberais poderia muito bem ser entendido como um processo de macdonaldização do conhecimento escolar.
Ao mesmo tempo, no contexto desses processos de modernização conservadora, as p políticas de formação de docentes vão se configurando como pacotes fechados de treinamento (definidos sempre por equipes de técnicos, experts e até consultores de empresas!) planejados de forma centralizada, sem participação dos grupos de professores envolvidos no processo de formação, e apresentando uma alta transferibilidade (ou seja, com grande potencial para serem aplicados em diferentes contextos geográficos e com diferentes populações) É essa, precisamente, uma das características que têm facilitado a expansão internacional de uma empresa como o McDonald's. Esse tipo de ernpresa tem tido um papel fundamental no desenvolvimento daquilo que poderíamos chamar aqui "pedagogia fast food": sistemas de treinamento rápido com grande poder disciplinador e altamente centralizados em seu planejamento e aplicação. A Hamburguer University de McDonald's em Chicago e sua competidora, a Harvard dos preparadores de batatas fritas, a Burger King University, na perspectiva dos homens de negócios, constituem invejáveis modelos de instituições educacionais de novo tipo. Assim, inclusive, aparecem tios manuais que estimulam o êxito empresarial, enfatizando o novo valor e a centralidade do conhecimento na sociedade do futuro. Formar um professor não costuma ser considerada uma tarefa mais complexa do que a de treinar um preparador de Hamburguer.
Por último, a mcdonaldização do campo educacional se expressa através das cada vez mais freqüentes formas de terceirização (pedagógica e não-pedagógica) que tendem a caracterizar o trabalho escolar nos programas de reforma propostos (e impostos) pelo neoliberalismo. Vejamos. Uma loja do McDonald's (suponhamos, em Moscou) é sempre um espaço de integração de diversos trabalhos parciais realizados em outras unidades produtivas. De certa forma, o Big Mac é a síntese "dialética de uma série de contribuições terceirizadas: por um lado, existe quem produz a carne, quem fabrica o pão, quem fornece o ketchup e, por outro, quem cultiva os pepinos. O McDonald's da Praça Vermelha simplesmente articula com a mesma eficiência e limpeza que o McDonald's da Quinta Avenida( em Nova York) esses insumos, os quais, todos juntos, dão origem a esse grande invento da cultura americana que são duas pequenas bolas achatadas de carne moída cujo suporte são dois pedaços de pão. O Big Mac só pode ser compreendido, a partir da perspectiva de um expert na indústria de hambúrgueres, como o resultado de uma criativa planificação centralizada e uma não menos criativa descentralização das funções exigidas para a elaboração de um produto cujos insumos são fornecidos por um número variável de produtores. A aplicação de uma série de rígidos controles de qualidade (também centralizados) garante uma alta produtividade, além da redução dos custos de produção e, em conseqüencia, um aumento da rentabilidade obtida por esses restaurantes. Essa racionalidade se aplica também ao campo educacional . A lógica do lucro e da eficiência penetra as administrações neoliberais. É nesse contexto que a terceirização do trabalho educacional constitui uma forma de mcdonaldizar a própria escola.
Alguém de espírito certamente apocalíptico poderia dizer, com razão, que a mcdonaldização da escola não se aplica a um dos atributos que tem caracterizado o notório crescimento dos fast foods nesta segunda metade do século X: sua progressiva universalização. Analisando as condições atuais do desenvolvimento capitalista, poderíamos suspeitar, com efeito, que os McDonald's têm melhor futuro o que a escola pública. Provavelmente, as vantagens comparativas dos fast foods permitirão que, em muitos de nossos países, os hambúrgueres e as batatas fritas se democratizem mais rapidamente do que o conhecimento. Entretanto, este é um problema de caráter especulativo que excede nossas possibilidades de reflexão? ao menos por enquanto.
O processo de mcdonaldização da escola deve ser considerado de forma "relacional". Não se trata de um fato isolado e arbitrário. Pelo contrário , ele só pode ser explicado no contexto do profundo processo de reestruturação política, econômica , jurídica e também, é claro, educacional que está ocorrendo no capitalismo de fim de século. A crise do fordismo e a configuração de um novo regime de acumulação pós-fordista permite entender . o caráter e a natureza das reformas impulsionadas pelos regimes neoliberais na esfera escolar. Na economia-rnundo capitalista se articulam novos mapas institucionais cuja geografia do benefício produz e reproduz novas e velhas formas de exclusão e desintegração social.
A escola não é alheia a esses processos; sua própria estrutura e funcionalidade é colocada em questionamento por tais dinâmicas. O processo mcdonaldização expressa essa mudança institucional dirigida a conformar as bases de uma escola toyotizada, uma escola de alto desempenho, a administrada pelos novos líderes gerenciais, os quais planejam formas de aprendizagem de novas habilidades exigidas por um local de trabalho reestrurado, formas que sejam "concretas", "práticas"", ligadas à vida real e organizadas através de equipes de trabalho (Wexler- 1995: 162).
De qualquer forma, é importante destacar que essa nova racionalidade do aparato escolar se constrói sobre aqueles princípios que regulavam a escola taylorista. Trata-se de um processo de reestruturação educacional onde se articulam novas e velhas dinâmicas organizacionais, onde se definem novas e velhas lógicas produtivistas através das quais a reforma escolar se reduz a uma série de critérios empresariais de caráter alienante e excludente.

4. Os sabichões
Tendo chegado a este ponto, procuraremos responder à nossa última pergunta: quem, na perspectiva neoliberal, deve ser consultado para poder superar a atual crise educacional? Poderíamos formular nossa pergunta de forma negativa: quem não deve ser consultado? A resposta é, em princípio, simples: os próprios culpados pela crise (especialmente, é claro, os sindicatos e aqueles "perdedores" que sofrem as conseqüências do infortúnio e a desgraça econômica por terem desconfiado do esforço e da perseverança meritocrática que permitem triunfar na vida, ou seja: as grandes maiorias). Defender e promover aquele velho e "improdutivo" modelo de Estado de Bem-Estar parece também não ser um bom caminho para superar a crise.
Quem, então, deve ser consultado? Quem pode nos ajudar a sair da crise? Obviamente, os exitosos: os homens de negócios. O raciocínio neoliberal é, neste aspecto, transparente: se os empresários souberam triunfar na vida (isto é, se souberam desenvolver-se com êxito no mercado) e o que está faltando em nossas escolas é justamente "concorrência", quem melhor do que eles para dar-nos as "dicas" necessárias para triunfar? O sistema educacional deve converter-se ele mesmo em um mercado.... devem então ser consultados aqueles que melhor entendem do mercado para ajudar-nos a sair da improdutividade e da ineficiência que caracterizam as práticas escolares e que regula a lógica cotidiana das instituições educacionais em todos os níveis. É nesse contexto que deve ser compreendida a atitude mendicante e cínica dos governantes que solicitam aos empresários "humanistas" a adoção de uma escola. Se cada empresário adotasse uma escola, o sistema educacional melhoraria de forma quase automática graças aos recursos financeiros que os "padrinhos" distribuiriam (doariam), bem como aos princípios morais que, vinculados a urna certa filosofia da qualidade total, da cultura do trabalho e idade do esforço individual, eles difundiriam na comunidade escolar.
No entanto, a questão não se esgota aqui. Em certo sentido, para os neoliberais, a crise envolve um conjunto de problemas técnicos (ou seja: pedagógicos) desconhecidos pelos empresários, mas que também devem ser resolvidos de forma eficiente. Assim, sair da crise pressupõe consultar os especialistas e técnicos competentes que dispõem do saber instrumental necessário para levar a cabo as citadas propostas de reforma: peritos em currículo, em formação de professores à distância, especialistas em tomadas de decisões com escassos recursos, sabichões reformadores do Estado, intelectuais competentes em redução do gasto público, doutores em eficiência e produtividade, etc. Alguém candidamente poderia perguntar-se de onde tirar tanta gente. A resposta a semelhante questão pode ser encontrada nos corredores dos Ministérios de educação de qualquer governo neoliberal: são os organismos internacionais (especialmente o Banco Mundial) os que fornecem todo tipo de especialistas nestas matérias. Para trabalhar nestes organismos, que não são precisamente de beneficência e ajuda mútua, basta fazer projetos que se retro-alimentem a si mesmos e, de preferência, ter sido de esquerda na puberdade profissional.
III. Conclusão
O aumento da pobreza e da exclusão conduzem à conformação de sociedades estruturalmente divididas nas quais, necessariamente, o acesso às instituições educacionais de qualidade e a permanência nas mesmas tende a transformar-se em um privilégio do qual gozam apenas as minorias. A discriminação educacional articula-se desta forma com os profundos mecanismos de discriminação de classe, de raça e gênero historicamente existentes em nossas sociedades. Tais processos caracterizam a dinâmica social assumida pelo capitalismo contemporâneo, apesar dos mesmos se) ) concretizarem com algumas diferenças regionais evidentes no contexto mais amplo do sistema mundial. De fato, o capitalismo avançado também tem sofrido a intensificação deste tipo de tendências no seio de sociedades aparentemente imunes ao aumento da pobreza, da miséria e da exclusão.
Dois processos decorrentes das políticas neoliberais produzem também um impacto direto na esfera das políticas educacionais: a dificuldade (ou, em alguns casos, a impossibilidade) de manter expandir mecanismos democráticos de governabilidade, e o aumento acelerado da violência. social, política e econômica contra os setores populares urbanos e rurais
Por outro lado, e ao mesmo tempo, a crescente difusão de intensas relações de Corrupção - sendo a corrupção política apenas uma das expressões mais eloqüentes deste processo - tende a criar as bases materiais e culturais um tecido social marcado pelo individualismo e pela ausência de mecanismos de solidariedade coletiva. O darwinismo social intensifica o processo de fragmentação e de divisão estrutural produzido no interior das sociedades neoliberais. A corrupção como problema que ultrapassa o âmbito da moral particular das elites políticas e econômicas, isto é, como lógica cultural, constitui um fator característico deste processo de desagregação e desintegração social. Tal lógica cultural penetra capilarmente em todas as instituições principalmente nas educacionais, as quais tendem a Converter-se em promotoras e difusoras desta nova forma de individualismo exacerbado.
Em suma, os governos neoliberais deixaram (e estão deixando) nossos países muito mais pobres, mais excludentes, mais desiguais. Incrementaram (e estão incrementando) a discriminação social, racial e sexual, reproduzindo os privilégios das minorias. Exacerbaram (e estão exacerbando) o individualismo e a competição selvagem, quebrando assim os laços de solidariedade coletiva e intensificando um processo antidemocrático de seleção "natural" onde os "melhores"" triunfam e os piores perdem. E, em nossas sociedades dualizadas, os "melhores" acabam sendo sempre as elites que monopolizam o poder político, econômico e cultural, e os "piores", as grandes maiorias submetidas a um aumento brutal das condições de pobreza e a uma violência repressiva que nega não apenas os direitos sociais, mas, principalmente, o mais elementar direito à vida.
A resposta neoliberal é simplista e enganadora: promete mais mercado quando, na realidade, é na própria configuração do mercado que se encontram as raízes da exclusão e da desigualdade. É nesse mercado que a exclusão e a desigualdade se reproduzem e se ampliam. O neoliberalismo nada nos diz acerca de como atuar contra as causas estruturais da pobreza; ao contrário, atua intensificando-as.
O desafio de uma luta efetiva contra as políticas neoliberais é enorme e complexo. A esquerda não deve ser arrastada (ou arrasada) pelo pragmatismo conformista e acomodado segundo o qual o ajuste neoliberal é, hoje, a única opção possível para a crise. Para os que atuamos no campo educacional, a questão é simples e iniludível: logo após o dilúvio neoliberal as nossas escolas serão muito piores do que já são agora. Não se trata apenas de um problema de qualidade pedagógica (embora também o seja), serão piores porque serão mais excludentes.
Os neoliberais estão tendo um grande êxito em impor seus argumentos como verdades que se derivam da natureza dos fatos. Desarticular a aparentemente inquestionável nacionalidade natural do discurso neoliberal Constitui apenas um dos desafios que temos pela frente. No entanto, trata-se de um desafio do qual depende a possibilidade de se construir uma nova hegemonia que dê sustentação material e cultural a uma sociedade plenamente democrática e igualitária.
Pessimismo da inteligência, otimismo da vontade. Nunca a sentença gramsciana teve tanta vigência. Nosso pessimismo da inteligência deve permitir-nos considerar criticamente a magnitude da ofensiva neoliberal contra a educação das maiorias. Nosso otimismo da vontade deve manter-nos ativos na luta contra um sistema de exclusão social que quebra as bases de sustentação democrática do,. direito à educação como pré-requisito básico para a conquista da cidadania, uma cidadania plena que só pode ser concretizada numa sociedade radicalmente igualitária.