segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

HOMILIA PARA O DIA 01 DE FEVEREIRO DE 2026 - 4º DOMINGO DO TEMPO COMUM

 

ACOLHER  A SABEDORIA DE CRISTO

A sabedoria paradoxal de Deus que escolhe o que é fraco para confundir o forte, o que é simples para desautorizar o que se julga nobre, o que nada é para reduzir a nada o que se crê absoluto. A liturgia registra que a vocação cristã nasce nesse terreno de humildade: não dá grande importância aquilo que é da carne, nem muitos poderosos ou nobres, mas eleitos para que ninguém se glorie diante do Senhor. Em Cristo, Deus se tornou para a Igreja sabedoria, justiça, santificação e redenção; por isso, “quem se gloria, glorie-se no Senhor”. A comunidade é convidada a considerar a própria pequenez como espaço de graça: menos autopromoção, mais gratidão; menos vanglória, mais louvor. A grandeza que sustenta o povo santo não é a força dos números nem a sedução do prestígio, mas a presença do Crucificado-Glorificado, onde todo poder se desfaz e toda esperança se acende.

No evangelho a comunidade é convidada a subir a montanha com Jesus e ouvir a Carta Magna do Reino: as bem-aventuranças. A liturgia contempla o Mestre que se senta, abre a boca e ensina a felicidade possível neste mundo sob o sopro do Espírito: bem-aventurados os pobres em espírito, os mansos, os que choram, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os construtores da paz, os perseguidos por causa da justiça. Não é consolo barato, é promessa firme enraizada na fidelidade de Deus: dos pobres é o Reino, os que chorarem serão consolados, os mansos herdarão a terra, os famintos de justiça serão saciados, os misericordiosos alcançarão misericórdia, os puros verão a Deus, os pacificadores serão chamados filhos de Deus, aos perseguidos pertence a Reino. O olhar de Jesus inverte critérios: a felicidade não coincide com o sucesso, o poder e o acúmulo, mas com o coração disponível, a justiça desejada, a misericórdia praticada, a paz construída a duras penas.

Entre o chamado paulino à humildade e a escola de felicidade do Sermão da Montanha, a Palavra indica um caminho de conversão concreta. A Igreja aprende que sua força está no Evangelho vívido: pobreza de espírito que desapega, mansidão que desarma, lágrimas proporcionadas que se tornam intercessão, fome de justiça que move escolhas públicas, misericórdia que cura vínculos, pureza de coração que purifica interesse, paz que se constrói com diálogo e coragem, fidelidade que apoia incompreensões por amor ao Reino. A comunidade é convidada a traduzir as bem-aventuranças em práticas: economia de partilha, linguagem reconciliadora, proximidade com os que sofrem, integridade nas relações e no trabalho, educação dos pequenos para a verdade e para o bem. Ali onde o mundo enaltece o “forte” e o “vencedor”, a assembleia aponta o Cordeiro; e, ali onde as forças faltam, a graça se faz suficiente, para que ninguém se glorie senão no Senhor.

Por fim, a assembleia suplica a graça de viver estas palavras como identidade e missão. Que cada batizado reconheça, na própria pobreza, a possibilidade de acolher a sabedoria que é Cristo; que encontre, nas lágrimas, consolo; na mansidão, firmeza; na fome de justiça, perseverança; na misericórdia, cura; na pureza, visão; na paz, filiação; na perseguição, bem-aventurança. Sustentada pela Eucaristia, a Igreja pede um coração pobre e livre, capaz de ir às periferias com alegria discreta, e de permanecer fiel quando a recompensa não vem. E que, saindo deste celebração, a comunidade leve às ruas o perfume das bem-aventuranças: menos ostentação, mais serviço; menos ruído, mais escuta; menos divisão, mais paz. Então, o mundo verá que a loucura de Deus é mais sábia que os homens, e que a alegria prometida pelo Senhor já floresce no hoje de quem se gloria apenas nele.

 

HOMILIA PARA O DIA 25 DE JANEIRO DE 2026 - 3º DOMINGO DO TEMPO COMUM

 

A CRUZ É O EIXO DA COMUNHÃO

O clamor apostólico da carta de Coríntios pede unidade de pensamento e de coração no nome de Jesus Cristo. Paulo denuncia as facções que se erguem ao redor de nomes humanos — “eu sou de Paulo”, “eu de Apolo”, “eu de Cefas” — e pergunta com soa com firmeza: “Por acaso Cristo está dividido?” A liturgia confirma que a tentativa de absolutizar líderes, estilos e preferências atravessa os tempos e fere o Corpo. A cruz de Cristo, não a eloquência humana, é o eixo que sustenta a comunhão; o Evangelho não se apoia na sedução das palavras, mas na força humilde do Crucificado que reconcilia. A comunidade é chamada a purificar interessados, a renunciar aos rótulos que segregam, a buscar a unanimidade no essencial: a fé no Senhor, o amor fraterno, a missão compartilhada. Onde Cristo é o centro, as diferenças se tornam riqueza; onde o ego se impõe, a graça se perde em disputas estéreis.

No evangelho a assembleia contempla o início do ministério de Jesus na Galileia das nações, terra de sombra visitada pela grande luz. Nela se cumpre a profecia: os que habitavam a região escura veem despontar um novo dia. O anúncio é claro e urgente: “Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo.” Em seguida, à beira do lago, o Senhor chama Simão e André, Tiago e João; Eles deixam redes e barca, pai e profissão, para segui-lo. A liturgia percebe a mesma dinâmica que cura a divisão: olhar fixo em Cristo, conversão do coração, aceitação pronta ao chamado. Jesus percorre cidades e povoados, ensinando, proclamando o Evangelho do Reino e curando toda enfermidade e doença: Palavra que ilumina, Boa-Nova que transforma, misericórdia que toca as feridas. O discipulado nasceu desse encontro que reordena prioridades e faz da vida um “seguir”.

Entre o apelo paulino à unidade e a convocação de Jesus às margens do lago, a liturgia propõe um caminho concreto para a comunidade. Converter-se é deslocar o centro: do “meu grupo” para o Corpo de Cristo; do faça-se “meu jeito” para a vontade do Senhor; da competição para a colaboração. A paróquia é convidada a reconhecer e curar fraturas sutis: preferência por ministros e estilos que vira partidarismo, comparações que geram suspeitas, vaidades travestidas de zelo. A medicina é a mesma de Mateus: ouvir o chamado, deixar as redes do orgulho, segui-lo de perto, na liturgia participada, na caridade operosa. Unir mente e coração no nome de Jesus também significa alinhar práticas: conselhos que discernem juntos, ministérios que se articulam, formação comum, oração que intercede uns pelos outros. Assim, a luz que brilhou na Galileia atravessa hoje as sombras das divisões e faz nascer comunhão missionária.

Por fim, a assembleia suplica a graça de viver “um só coração e uma só alma” para anunciar o Evangelho sem vaidade de palavras, mas com a força da cruz. Que cada batizado ouça, neste Domingo, a voz que chama pelo nome e responda com prontidão: deixe as redes da autossuficiência, curvar-se à sabedoria do Crucificado, aprender o ritmo do Mestre que ensina, proclama e cura. Que a comunidade, iluminada pela Palavra, percorra também as “galileias” de hoje: periferias e centros, casas e ruas, escolas e hospitais, levando luz, reconciliação e cuidado. E que, ao escolher Cristo como único centro, possa dizer com verdade: “Não somos de Paulo, nem de Apolo, nem de Cefas; somos do Senhor.” Então, a unidade deixará de ser discurso e se tornará um sinal visível do Reino, para que muitos, atraídos pela luz, encontrem no seguimento de Jesus a alegria e a paz.

 

HOMILIA PARA O DIA 18 DE JANEIRO DE 2026 - 2º DOMINGO DO TEMPO COMUM

 

CONVOCADOS PARA  A COMUNHÃO

A saudação apostólica da Carta de São Paulo funda  a identidade e missão: chamados por Deus, santificados em Cristo Jesus, convocados à comunhão com todos os que invocam o Nome do Senhor. A liturgia confirma que a Igreja não nasce de profundezas humanas, mas do chamado eficaz que envia e consagra para servir. “Graça e paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo” derramam-se como dom inaugural sobre a comunidade reunida: graça que cura a insuficiência, paz que reconcilia o disperso e sustenta a caminhada. A assembleia acolhe que a santidade, longe de ser rótulo de elite, é vocação comum: viver no mundo com coração cativado por Cristo, entregando-se ao Evangelho em gestos de fidelidade, mansidão e justiça. A saudação de Paulo torna-se hoje programa: receber para repartir, pertencer para testemunhar, ser povo da graça que faz nascer paz.

À luz do Evangelho de João, a Igreja contempla o Batista que aponta o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. A liturgia se detém no gesto mais simples e mais decisivo: o dedo que indica o Cristo, a palavra que diminui para que Ele cresça, a confissão que devolve a todos o centro verdadeiro. O Cordeiro não é símbolo frágil, mas a força mansa do amor que vence o pecado não esmagando, e sim carregando-o; sua missão é tirar o peso que curva a humanidade, abrir passagem onde a culpa fecha, reconciliar onde a violência divide. O testemunho do Batista é também epifania do Espírito: ele vê o Espírito descer e permanecer sobre Jesus, e por isso sabe que é Ele quem batiza no Espírito Santo. A assembleia aprende que a verdadeira evangelização nasce do olhar que retorna, do Espírito que permanece e da coragem de apontar Jesus sem retenções.

Entre a saudação que convoca à santidade e a indicação do Cordeiro que salva, a homilia chama a comunidade a renovar sua vocação batismal. Santificados em Cristo, os fiéis são enviados a ser “dedo que aponta” e “voz que indica”, para que muitos encontrem o Rosto que liberta: educar para a verdade num tempo de ruídos, praticar misericórdia onde impera a dureza, compartilhar pão e escuta com os que se sentem fora da mesa. A graça recebida se torna trilha de paz quando a Igreja recusa centralidades egoistas e, como João, se alegra em diminuição: ministérios exercidos como serviço, diferenças integradas na caridade, conflitos tratados com paciência e firmeza. O pecado do mundo não se tira com acusações, mas com a oferta do Cordeiro; por isso, a comunidade prefere caminhos de cura: reconciliação nas famílias, justiça no trabalho, cuidado dos pequenos, palavras que saram, presença junto aos feridos.

Por fim, a assembleia suplica viver sob a unção do Espírito que permanece: olhar limpo para reflexão o Cordeiro, coração humilde para apontá-lo, mãos abertas para repartir sua paz. Que a saudação de Paulo — graça e paz — desça sobre cada casa e reordene os começos deste tempo: agendas purificadas, prioridades ajustadas, vínculos fortalecidos. Que, como o Batista, a Igreja saiba dizer: “Eu vi e dou testemunho”, fazendo da liturgia fonte de missão e da missão prolongamento do culto. E que, nutrida pela Palavra e pelo Pão, ela saia deste Domingo com passo leve e firme, para que muitos, ao encontrarem o Cordeiro de Deus no testemunho dos santos de hoje, experimentem a alegria da santidade possível e a paz que só o Senhor pode dar.

 

HOMILIA PARA O DIA 11 DE JANEIRO DE 2026 - BATISMO DO SENHOR

 

JESUS O FILHO AMADO DO PAI!

A confissão de Pedro diante da casa de Cornélio é clara: Deus não faz distinção de pessoas, mas acolhe quem o respeita e pratica a justiça, em qualquer nação. A liturgia contempla a boa-nova da paz por meio de Jesus Cristo — Ele é o Senhor de todos —, cuja história começa na Galileia, após o batismo pregado por João. Ungido por Deus com o Espírito Santo e com poder, Ele passou fazendo o bem e curando todos os oprimidos pelo diabo, porque Deus estava com Ele. A Igreja encontra nesse texto a raiz da sua missão: não fazer distinção, mas abrir-se a todos; não ideologia, mas unção; não triunfalismo, mas serviço que cura. A palavra do Apóstolo registra que o Evangelho é evento: um Deus próximo, um Cristo ungido, um povo enviado, para que a paz alcance casas, ruas e  ultrapasse fronteiras.

No Evangelho a comunidade contempla o Senhor que se aproxima do Jordão e, na fila dos pecadores, pede a João o batismo. O Justo se solidariza com os injustos; o Santo desce às águas dos que buscam conversão; a conformidade do Filho realiza “toda justiça”. Ao sair da água, os céus se abrem, o Espírito desce como pomba sobre Ele, e a voz do Pai declara: “Este é o meu Filho amado, em quem tenho a minha alegria.” A liturgia confirma aqui a epifania trinitária que inaugura publicamente a missão de Jesus e traça a fisionomia da Igreja: povo que vive a partir do céu aberto, caminha sob a unção do Espírito e escuta, acima de todas as vozes, a voz do Pai. O batismo do Senhor revela que a salvação nasce da humildade que desce para erguer, e da obediência que escuta para servir.

Entre a proclamação de Pedro e a manifestação no Jordão, a homilia aponta a vocação batismal da comunidade. Pelo batismo, cada fiel é mergulhado no Cristo e ungido pelo mesmo Espírito, para participar de sua missão de “passar fazendo o bem”: reconciliações que se iniciam, feridas que se tratam, injustiças que se enfrentam, pequenos que se levantam. A Igreja aprende a descer às águas das dores do povo sem medo de se molhar: presença junto aos pobres, proximidade aos enfermos, acolhida aos que chegam, escuta aos que não têm voz. Céus abertos significam esperança ativa; Espírito que significa docilidade que discerne; voz do Pai significa identidade recebida, não fabricada. Assim, a comunidade renova o compromisso de ser sinal de paz sem fronteiras e de justiça que não discrimina, deixando-se conduzir pela unção que cura e liberta.

Por fim, a assembleia suplica a graça de viver sob o selo da Palavra: “Tu és meu Filho amado.” Que cada batizado, lembrando sua pia batismal, reencontre a alegria da filiação e a coragem do serviço; que os ministérios se exercitem com humildade e ardor; que a missão atravesse as periferias geográficas e existenciais. Inspirada pelo testemunho de Pedro e guiada pelo gesto de Jesus, a Igreja pede céus continuamente abertos sobre a cidade: políticas que promovam vida e dignidade, relações pacificadas, trabalho justo, cuidado da criação. E que, nutrida pela Eucaristia, ela saia como Jesus da margem do Jordão para o cotidiano do mundo, levando a unção do Espírito, fazendo o bem, curando os oprimidos, para que muitos escutem, em seu próprio coração, a voz do Pai que chama à paz e à vida nova.

 

HOMILIA PARA O DIA 04 DE JANEIRO DE 2026 - FESTA DA EPIFANIA - REIS MAGOS

 

CAMINHAR COM OS MAGOS

POR ESTRADAS MAIS SEGURAS

Na primeira leitura Isaias descreve a cidade vestida de luz que se ergue ao amanhecer de Deus: “Levanta-te, resplandece, porque chegou a tua luz”. Ao mesmo que as trevas cobrem a terra e a escuridão dos povos, o Senhor desponta sobre os seus com glória que atrai os distantes. Filhos e filhas chegam de longe, corações se dilatam, caravanas atravessam os desertos trazendo ouro e incenso, proclamando os louvores do Senhor. Essa visão não é fuga poética, mas convocação: levantar-se é ato de fé, resplandecer é decisão cotidiana. A comunidade é chamada a começar o ano novo sob este imperativo pascal do Advento cumprido no Natal: erguer-se de quedas, reacender a esperança, abrir as portas para acolher e compartilhar. Onde a luz de Deus é acolhida, o medo perde o domínio e a coragem renasce como serviço, paciência e constância no bem.

No Evangelho a comunidade segue o caminho dos magos, buscadores de Deus que leem os sinais do céu e se põem a caminho, apesar das incertezas e dos Herodes que tentam manipular o sentido. A estrela não elimina a noite, mas orienta passos; Jerusalém oferece caminhos que esclarecem a direção; Belém, a pequena, guarda o Rei grande. Ao verem de novo a estrela, os magos experimentam “imensa alegria”; ao entrar em casa, prostram-se e ao abrirem seus cofres, oferecem o que tem de mais precioso. Na peregrinação ao encontro do Senhor aprendem na escola da coragem: discernem sem engenhosidade, caminham sem paralisar, adoram sem reservas, oferecem sem cálculo. E, avisados ​​em sonho, retornam por outro caminho: a fé que adora gera criatividade e prudência, livrando o ciclo da violência e do medo.

Entre a profecia da luz e a peregrinação dos magos, cada cristão é convidado a renovar a coragem para todos os dias do ano que começa. Coragem não é medo; é docilidade à estrela, fidelidade à Palavra e prontidão para mudar de rota quando Deus indicar. A comunidade é chamada a praticar a coragem mansa que sustenta as pequenas fidelidades: retomar a oração quando tudo distrair, recomeçar a reconciliação quando as feridas latejam, insistir na honestidade quando a tentação da vantagem se apresenta, cuidar dos frágeis quando o cansaço pesa. É coragem para buscar conselhos sábios, para dizer “não” ao que obscurece, para caminhar em comunhão e não à solitária maneira dos próprios caprichos. Como Isaías, a Igreja proclama: levante-se; como os magos, a Igreja se levanta e parte; e como Maria e José, acolhe e guarda o Mistério que dá sentido aos passos.

Por fim, a assembleia suplica que a estrela do Evangelho não se apague diante das contradições do tempo, e que a luz do Senhor cubra os dias do ano novo com discernimento e paz. Que cada família, como casa de Belém, ofereça espaço ao Menino: silêncio, ternura, partilha; e que cada fiel traga seu “ouro, incenso e mirra”: o melhor do trabalho, a oração que sobe, as dores entregues para serem redimidas. Inspirada pelos magos, a comunidade aprende a voltar por “outro caminho”: linguagem reconciliada, escolhas éticas, proximidade com os pobres, cuidado da criação, fraternidade no cotidiano. Assim, a profecia de Isaías se cumpre no hoje: povos atraídos pela luz, corações dilatados pela alegria, louvores que se elevam em gesto e verdade. E a Igreja, começando o ano, caminha com coragem esperançosa, guiada pela estrela do Cristo, até que todos vejam sua glória.

 

HOMILIA PARA O DIA 01 DE JANEIRO DE 2026 - ANO NOVO - DIA MUNDIAL DA PAZ

 

POR UMA PAZ DESARMADA E DESARMANTE

Acolhendo a Palavra neste primeiro dia do ano compreendemos a vitória que o próprio Deus coloca nos lábios de Aarão para proteger sobre o seu povo: “O Senhor lhe abençoe e guarda; o Senhor faça brilhar sua face sobre você e lhe seja favorável; o Senhor volte para o seu rosto e lhe conceda a paz.” Essa tríplice invocação de bênção é um gesto de aliança: Deus se inclina, ilumina, protege e comunica, paz plena que envolve corpo, alma e história. No início de um novo ano, a comunidade recebe o Nome do Senhor sobre ela como identidade e missão: ser povo abençoado e que abençoa, rosto visitado pela luz que reflete luz, coração guardado que se torna guarda para os vulneráveis. A vitória não é fórmula mágica, é compromisso: deixa-se gravar por Deus e passa a escrever, com escolhas concretas, a gramática da paz. Assim, a Igreja começa o tempo que se abre sob o sinal do rosto de Deus que brilha e pacifica.

À luz de Lucas a assembleia se aproxima de Belém com os pastores, encontra Maria e José e o Menino deitado na manjedoura, e aprende a adorar a paz feita gente. O Evangelho mostra a pressa da busca, a simplicidade do sinal, o estudo da Palavra que se cumpre, e, por fim, o oitavo dia em que o Menino é circuncidado e recebe o Nome de Jesus, “Deus salva”. Maria guarda e medita, os pastores glorificam e louvam: ambos ensinam que a paz nasce da contemplação e se espalha pelo anúncio. A circuncisão inscreve no corpo a pertença à Aliança; o Nome revela a missão do Filho: trazer salvação que reconcilia Deus e a humanidade, quebrando inimizades. A liturgia contempla que, com Jesus, a vitória anunciada no livro dos Números ganha rosto: a face que brilha é a do Emmanuel; o favor é sua misericórdia; a paz é sua presença que desarma a violência a partir do coração.

Entre a vitória sacerdotal e o Nome de Jesus, se conecta a mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz, ecoando o apelo a uma paz que não seja apenas ausência de guerra, mas trabalho paciente de justiça, cuidado da casa comum, cultura do encontro, regulação ética das tecnologias e tutela dos mais frágeis. A comunidade é chamada a traduzir a vitória obtida em responsabilidade social: promover o diálogo onde há polarização, tecer alianças intergeracionais, defender a dignidade de cada vida desde a concepção até o fim natural, acolher migrantes com prudência e caridade, educar para a verdade num tempo de desinformação. A luz do rosto de Deus convida a iluminar zonas de sombra: violência doméstica, racismo, fome, corrupção, tráfico de pessoas. O Nome de Jesus inspira a cura das linguagens: abençoar em vez de amaldiçoar, ouvir antes de responder, perdoar como quem foi perdoado. Assim, a comunidade torna-se sinal de uma paz aprendida no presépio e praticada nas ruas.

Por fim, a assembleia suplica: que a vitória de Números desça sobre famílias, governantes e povos, e que o Nome de Jesus seja refúgio e programa de vida. A liturgia pede a graça de uma espiritualidade de Belém: pressa para buscar o Senhor, fidelidade para guardar a Palavra, coragem para testemunhar a boa-nova. Inspirada pelo Papa, a Igreja assume passos concretos de paz: educação para a fraternidade, economia com rosto humano, cuidado dos pobres e da criação, presença reconciliadora nas feridas do bairro e do mundo. Que o Senhor levante sobre o seu povo o seu rosto e conceda paz que cura memórias, repara injustiças, pacifica relações, reconcilia com a própria história. E que, saindo deste Domingo, a comunidade caminhe como os pastores: glorificando e louvando a Deus por tudo o que pegou e viu, tornando-se, no ano que começa, vitória para muitos.

 

HOMILIA PARA O DIA 28 DE DEZEMBRO DE 2025 - FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA

 

QUE O SENHOR ABENÇOE E GUARDE

A leitura do livro do Eclesiástico declara que a sabedoria brota do temor do Senhor e se derrama na vida familiar como culto agradável a Deus. Recorda também que honrar pai e mãe é caminho de santidade, tesouro de vitórias, promessa de longevidade e alegria; não se trata de formalidade, mas de atitude que guarda a memória, cura feridas e sustenta o presente. A ternura com os mais velhos, especialmente quando fraquejam as forças, sobe a Deus como incenso, misericórdia para os filhos. A comunidade é chamada a acolher a humildade do discípulo: servir sem humilhar, obedecer sem servilismo, dialogar com respeito, cuidar com paciência. Onde a honra é viva, a casa se torna altar; onde a ingratidão governa, multiplicam-se as ruínas. A Igreja aprende desta leitura que a fé floresce primeiro no território das relações, e que o culto verdadeiro começa no lar.

O Salmo 127(128) faz a assembleia cantar a bem-aventurança dos que respeitam o Senhor e andam em seus caminhos. A liturgia põe nos lábios do povo a promessa de uma vida simples e plena: o trabalho que alimenta, o pão ganho com honestidade, a esposa como videira fecunda, os filhos como rebentos de oliveira ao redor da mesa. Não é um idealismo romântico, mas uma visão bíblica da casa que se deixa ordenar pela Palavra e se abre ao dom. A benção que desce de Sião alcança o cotidiano, visita as relações, fortalece a cidade, gera paz para Israel. A comunidade aprende a ver a mesa como lugar de aliança, o trabalho como participação na obra do Criador, a fecundidade como serviço à vida e à esperança. Quem teme o Senhor não escapa da luta, mas encontra sentido, justiça e alegria no meio dela.

Entre a sabedoria do Eclesiástico e o canto do Salmo, a Palavra convida a reerguer a vocação da família como santuário da vida e escola de comunhão. Honrar pai e mãe, hoje, significa também cuidar de suas vulnerabilidades, ouvir suas histórias, reconciliar memórias feridas, agradecer o legado recebido; e, para os pais, significa educar com firmeza e doçura, sem provocação, cultivando presença e exemplo. A mesa compartilhada torna-se exercício de justiça: repartir o pão, o tempo, a atenção, o perdão; proteger os pequenos, acolher quem chega, integrar os que estão à margem. A comunidade é enviada para sustentar casais em dificuldade, acompanhar idosos e doentes, fortalecer vínculos dilacerados pela pressão e pela economia do compromisso. Assim, a casa se torna a primeira paróquia, e a paróquia, casa ampla onde cada família encontra apoio, sentido e missão.

Por fim, a assembleia suplica a graça de viver a humildade que o Eclesiástico recomenda: “Quanto crescido você for, mais será capaz de compreender a humilhação, e encontrará graça diante do Senhor”. Que cada lar aprenda a linguagem do louvor e do pedido de perdão, e que o respeito ao Senhor ordene escolhas, palavras e afetos. A liturgia pede vitória sobre o trabalho de cada mão, serenidade para as provas, paciência para os processos, fecundidade para o amor. Que o Senhor, de Sião, abençoe a cidade e conceda ver a paz enquanto durarem os dias; que cada família, sustentada pela Eucaristia e pela Palavra, seja sinal da bem-aventurança cantada no Salmo e da sabedoria vivida em casa. E que, saindo deste Domingo, a Igreja leve ao mundo o perfume de lares que honram, servem e edificam, para que muitos encontrem no temor do Senhor a alegria de viver.

 

sexta-feira, 28 de novembro de 2025

HOMILIA PARA O DIA 25 DE DEZEMBRO - MISSA DO DIA

 

ANUNCIO QUE CORRE PELAS MOTANHAS

O profeta Isaías faz um anúncio que corre pelos montes com passos belos: “Teu Deus reina!” A liturgia contempla o mensageiro que proclama a paz, traz a boa-nova e publica a salvação, enquanto as sentinelas levantam a voz e veem, olhos nos olhos, o retorno do Senhor a Sião. É o braço santo do Senhor desnudado diante das nações, para que toda a terra contemple a salvação do nosso Deus. A comunidade, reunida, deixa-se contagiar por essa alegria pascal que já irrompe no meio do exílio cotidiano: ruínas que cantam, feridas que se fecham, dispersos que se reencontram, porque o Senhor consola seu povo e resgata Jerusalém. É um evangelho que não se limita a palavras; ele faz caminho nascer, reconcilia memórias, estabelece justiça, e convida a Igreja a tornar-se também mensageira, com pés disponíveis e voz clara, para que muitos descubram que a realeza de Deus é proximidade que salva.

À luz da carta aos Hebreus a liturgia inteira se volta para o Filho, por meio de quem Deus falou definitivamente nestes últimos tempos. Após muitos fragmentos e sombras, resplandece a Palavra plena: o Filho é o resplendor da glória e a expressão exata do ser do Pai; por Ele o mundo foi criado e por Ele tudo subsiste. Ele fez a purificação dos pecados e enviou-se à direita da Majestade nas alturas, superior aos anjos como mais excelente é o nome que herdou. A assembleia reconhece que não está diante de um mensageiro qualquer, mas do próprio Verbo feito carne exaltado, aprende a ordenar toda missão a esta centralidade: adorar o Filho, escutar o Filho, seguir o Filho. “Adorem-no todos os anjos de Deus”: a Igreja se associa a este impulso cósmico e confessa que a soberania do Menino de Belém é a mesma do Senhor glorificado, manso no presépio, vencedor na cruz, vivo para sempre.

Entre a profecia de Isaías e o Filho revelado em Hebreus, a liturgia indica o coração da fé: Deus reina porque o Filho veio, falou, purificou e permanece. A comunidade é convidada a deixar-se evangelizar de novo, para que “Teu Deus reina” não seja slogan, mas sinal que reorienta agendas, afetos e escolhas. A paz anunciada pelos belos pés se concretiza quando o Nome do Filho governa a casa e a cidade: linguagem desarmada, reconciliação buscada, justiça praticada, pobres acolhidos, criação respeitada. O louvor que enche os lábios precisa encher as mãos; o Deus que consola o povo através do Servo pede uma Igreja serva, capaz de consolar e erguer. E enquanto o mundo oferece vozes dispersas, a assembleia aprende a escutar a Palavra única e definitiva, discernindo o que é secundário do que é essencial, para permanecer firme quando os ventos mudam.

Por fim, a assembleia suplica graça para viver como sentinela que vê e canta, e como adoradora que se curva diante do Filho. Que o Espírito ajuste o passo da Igreja ao ritmo do Evangelho, tornando belos seus pés sobre os montes do cotidiano: famílias, trabalhos, ruas, fronteiras. Que cada celebração reacenda a certeza: o braço do Senhor salva e reúne, e sua glória se deixa ver no rosto dos pequenos. E que, ao sair deste Domingo, a comunidade leve aos confins o anúncio que Hebreus confirma e Isaías proclama: em Jesus, o Filho, Deus falou e reina; por isso, alegrem-se as ruínas, ergam-se os abatidos, e toda a terra veja a salvação do nosso Deus.

 

HOMILIA PARA O DIA 24 DE DEZEMBRO - MISSA DA NOITE

 

HOJE NASCEU O SALVADOR

A liturgia da Palavra, nesta noite santa, nos leva a contemplar uma aurora que vence as sombras e ilumina os que caminhavam na escuridão. Ao mesmo tempo proclama que um Menino nos foi dado, sendo reconhecido como Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai Eterno, Príncipe da Paz. Não é o brilho das armas que inauguram este Reino, mas a força mansa da luz que dissipa o jugo, quebra a vara do opressor e multiplica a alegria como em tempo de colheita. A comunidade percebe que essa promessa não é memória distante, mas anúncio atual que reergue os cansados, consola os feridos e abre o futuro aos que perderam a esperança. É zelo do Senhor dos Exércitos que realiza tal maravilha; por isso, a Igreja se põe de pé para acolher a paz que não passa, a justiça que não se corrompe, a esperança que não decepciona.

No Evagelho de Lucas, a Palavra conduz a assembleia da grandiosidade dos decretos imperiais ao silêncio de Belém, onde Deus escolhe uma pequena porta da pobreza para entrar na história. Um registro do mundo inteiro contrasta com um recém-nascido envolto em faixas e deitado numa manjedoura: é ali que a glória se abaixa e o céu toca a terra. Os pastores, primeiros destinatários da notícia, representam os marginalizados que se tornam guardiões do mistério; e o coro dos anjos abre a liturgia do Natal: “Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens de sua benevolência”. A Igreja aprende que a glória de Deus é a proximidade que salva, e que a paz prometida se derrama onde o coração se rende ao Emanuel. O sinal é humilde, mas definitivo: Deus conosco, pobre entre os pobres, para enriquecer a todos com sua graça.

Entre a profecia da luz e o nascimento na noite, a homilia aponta a tessitura do Reino: governo de paz, conselho sábio, justiça para os pequenos, proximidade misericordiosa. A comunidade é chamada a deixar-se iluminar por essa luz que julga e cura, que denuncia as trevas e, ao mesmo tempo, acende caminhos. Receber o Menino é rever prioridades: dar lugar ao silêncio que escuta, à família que acolhe, à mesa que partilha, à cidade que protege os vulneráveis; é aceitar que a força de Deus se manifeste na fraqueza que ama. O título “Príncipe da Paz” se traduz em escolhas concretas: desarmar a linguagem, reconciliar memórias, cultivar honestidade, cuidar da criação, aproximar-se de quem sofre. A Igreja, ao celebrar, torna-se sinal: luz posta no candelabro, casa que abriga, ponte que reconcilia, voz que canta esperança no meio da noite.

Por fim, a assembleia se coloca com os pastores a caminho de Belém, para ver o que o Senhor fez e oferece ao Menino a obediência da fé. A liturgia suplica olhos limpos para considerar o sinal simples, mãos abertas para acolher e repartir, pés elevados para servir, lábios prontos para a proclamar: glória a Deus e paz na terra. Que cada casa se torne manjedoura, cada coração uma faixa de ternura, cada comunidade um coro que anuncia uma boa-nova. E que, sustentada pela Palavra e pelo Pão da Vida, a Igreja saia deste Domingo natalino portando a clareza de Isaías e a canção dos anjos, para que muitos, tocados pela luz, encontrem no Emanuel o descanso da esperança e a alegria que não se apaga.

 

 

HOMILIA PARA O DIA 21 DE DEZEMBRO DE 2025 - 4º DOMINGO DO ADVENTO

 

JESUS NASCERÁ DE MARIA

Na carta aos Romano, Paulo faz a apresentação solene do Evangelho como promessa antiga cumprida em Jesus Cristo, descendente de Davi segundo a carne e constituído Filho de Deus com poder pela ressurreição dos mortos. Paulo se sabe servo e enviado, separado para anunciar esta Boa-Nova que gera acordo de fé entre todas as nações; e a liturgia acolhe essa identidade apostólica como espelho da vocação da Igreja. Não é um anúncio inventado por mãos humanas, mas o cumprimento da fidelidade de Deus, agora oferecido “a todos os amados de Deus, chamados santos”. A comunidade dominical confirma que foi alcançada pela graça e pela paz “da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo”, e aprende que sua missão nasce dessa fonte: não um dever frio, mas um pertencimento que se torna enviado. Nessa saudação apostólica ressoa o Advento: Deus aproxima-se em Cristo, e o Espírito suscita um povo em saída, obediente na fé e generoso no testemunho.

À luz de Mateus, a figura de José ocupa o centro da contemplação litúrgica: justo, silencioso, temente a Deus, ele atravessa a noite da perplexidade e se abre ao sonho que revela o modo de Deus agir. A assembleia vê nele o homem que não se agarra ao próprio plano, mas discerne; que não expõe Maria à vergonha, mas uma protegida; que, ouvindo o anjo, acolhe o impossível de Deus como verdade mais firme que suas evidências. “Não tenha medo de Maria, por sua esposa”: A liturgia recorda que o Advento pede essa coragem mansa que acolhe o mistério, dá passos concretos e põe nome novo às circunstâncias: “Ele salvará o seu povo dos seus pecados”. Emanuel, Deus conosco, não chega por clarins de glória, mas pelo consentimento que nasce na escuta. José levanta-se e faz como o anjo ordenara; sua conformidade torna-se portal para a chegada de Salvador.

Entre a saudação apostólica de Paulo e o sim operoso de José, a Igreja é convidada a reconhecer sua própria identidade e tarefa. Chamada a ser “de Jesus Cristo”, ela aprendeu que a santidade não é isolamento, mas disponibilidade que gera comunhão: abrir casa e história para que o Emanuel habite. A obediência da fé se traduz em gestos: reconciliações buscadas, escuta paciente nas famílias, honestidade no trabalho, atenção aos pobres, pureza de coração nos afetos. Como José, a comunidade é chamada a perceber a presença de Cristo no seu meio, discernindo entre medos que paralisam e respeito santo que conduz. E como Paulo, todos somos enviados para anunciar que o Evangelho é poder de Deus que salva, cura culpas, reordena passos e dá nome novo à esperança.

Por fim, a assembleia suplica a graça de viver estes dias à maneira de José: com silêncio que escuta, justiça que cuida e obediência que age. Que a Palavra recebida como promessa em Romanos floresça em missão concreta, e que o nome de Jesus, pronunciado sobre a comunidade, seja refúgio e impulso. A liturgia pede que o “Deus conosco” encontre em cada casa um lugar preparado: no ritmo da oração, na sobriedade das escolhas, na delicadeza com os pequenos, na confiança diante do que excede o controle. Assim, quando vier a plenitude do tempo celebrado no Natal, a Igreja poderá levantar-se, como José, e fazer conforme o Senhor ordena, tornando visível, no meio do mundo, a graça e a paz que procedem do Pai e do Filho.

 

HOMILIA PARA O DIA 14 DE DEZEMBRO DE 2025 - 3º DOMINGO DO ADVENTO

 

DEUS VEM NOS SALVAR

No cenário profético de Isaías somos convidados a contemplar a promessa de Deus que faz florescer o deserto e transformar a aridez no jardim. A liturgia anuncia que a criação inteira participa da alegria da visita divina: o chão menos ressecado, o medo ganha voz, as mãos frouxas se reanimam, os joelhos vacilantes reencontram firmeza. É o próprio Deus que vem com retribuição e recompensa, não para esmagar, mas para salvar, abrir olhos e ouvidos, soltar línguas e passos, e conduzir o povo pela “estrada santa”, onde os resgatados avançaram entre cantos. A comunidade dominical é chamada a ver com fé os sinais dessa primavera da graça e a acolher, no hoje da história, o Deus que consola e refaz. Não se trata de fantasia religiosa, mas da força real do Senhor que, quando acolhido, converte luto em dança, desamparo em pertença, dispersão em peregrinação festiva rumo a Sião.

À luz de Mateus a voz do Batista, enclausurada, envia perguntas que ecoam no coração da Igreja: “É você aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?” A liturgia aponta nessa pergunta a oração de todos os que, entre prisões visíveis e invisíveis, buscam certeza e consolação. E o Senhor responde não com teoria, mas com obras: cegos veem, coxos andam, leprosos são purificados, surdos ouvem, mortos se levantam, e aos pobres é anunciado o Evangelho. A comunidade aprende que o Messias se identifica pelos sinais de misericórdia e pelo primado dos pequenos, e que a bem-aventurança passa por não se escandalizar de sua mansão. João é declarado grande, profeta é mais que profeta, e ainda assim a liturgia ressalta o paradoxo do Reino: o menor é maior, porque tudo é dom e participação na vida do Cristo. A assembleia, portanto, é convidada a considerar que o Senhor se apresenta nos sinais discretos que brotam onde a compaixão se torna prática.

Entre a promessa da terra que floresce e o testemunho das obras do Cristo, o evangelho aponta o caminho da fidelidade concreta. Converter-se, neste Domingo, é permitir que a esperança molde escolhas, para que os desertos pessoais e comunitários encontrem água: reconciliações assumidas com coragem, cuidado diligente com os pobres e vulneráveis, presença junto aos enfermos, palavra que cura e não fere, compromisso com a justiça que devolve dignidade. A estrada santa de Isaías se pavimenta com passos de caridade, e os sinais de Mateus se perpetuam na Igreja quando ela serve sem vanglória e anuncia sem excluir. A comunidade é chamada a sustentar os que vacilam, a fortalecer mãos cansadas, a encorajar corações temerosos com o evangelho da proximidade de Deus. Assim, a promessa se torna experiência e o Advento deixa de ser apenas espera para voltar a ser participação na chegada do Reino.

Por fim, a assembleia é convidada a celebrar com gratidão aquele que vem e já está no meio dela, pedindo a graça de não se escandalizar do estilo humilde de Deus. A liturgia suplica olhos abertos para ver os sinais, ouvidos atentos para considerar a voz, pés disponíveis para caminhar na via da santidade e da missão. Que o testemunho de João inspire coragem profética para a comunidade entender que sua pequenez é sinal da grandiosidade daquele que vem. E que a promessa de Isaías sustente a alegria do povo redimido, que retorna a Sião entre cantos, com júbilo eterno sobre a cabeça. Alimentada pela Palavra e pela Eucaristia, a Igreja sai deste Domingo com uma mensagem de consolação, levando ao mundo a notícia: Deus vem, e com Ele o deserto floresce e os pobres recebem boa nova.

 

HOMILIA PARA O DIA 07 DE DEZEMBRO DE 2025 - 2º DOMINGO DO DVENTO

 

O SENHOR É JUSTO JUIZ

No horizonte traçado por Isaías 11,1-10,  contemplamos o broto que desponta do tronco de Jessé, sinal de uma esperança que vence a paisagem estéril do exílio e da desilusão. A liturgia aponta para Aquele sobre quem está relacionado ao Espírito do Senhor: espírito de sabedoria e discernimento, de conselho e fortaleza, de ciência e temor do Senhor. Não se trata de um poder que impõe, mas de uma presença que pacifica, reordena, reconcilia. A justiça do Ungido nasce da proximidade com os pobres e do juízo reto que não se deixa comprar pelas aparências; seus lábios ferem a mentira e sua cintura está cingida de fidelidade. Diante desse retrato messiânico, o povo de Deus é chamado a deixar-se regenerar por essa seiva nova, aceitando que Cristo seja a raiz e a régua de todos os critérios. Onde Ele reina, o lobo habita com o cordeiro e nasce uma ética de cuidado que desfaz rivalidades; a paz não é utopia ingênua, mas fruto do conhecimento do Senhor que enche a terra como as águas cobrem o mar.

À luz de Mateus a voz austera de João Batista corta a barreira das obrigações e convoca a conversão. No deserto, onde cessam os ruídos e caem as máscaras, ele prepara um povo para o encontro com o Mais Forte, Aquele que batiza no Espírito Santo e no fogo. A liturgia recorda que não basta a linhagem nem os títulos religiosos: Deus pode suscitar filhos de Abraão das pedras, e o machado já está posto à raiz das árvores. A chamada é concreta: produzir frutos dignos de conversão, deixar a fé ganhar corpo em escolhas, relações e prioridades. A comunidade dominical é convidada a discernir: que frutos oferecem ao Senhor? O Evangelho não negocia com a duplicidade; o trigo e a palha serão distinguidos pelo Crivo do Messias, e o fogo que consome a palha é o mesmo ardor que purifica e acende a caridade nos corações disponíveis.

Entre a promessa de Isaías e a urgência de João, a liturgia faz ver que a conversão não é um moralismo pesado, mas adesão ao Rei manso e justo, cujo Espírito recria a humanidade por dentro. Converter-se é mudar o ponto de apoio: sair do centro para que o Broto seja a raiz; substituir a lógica do poder pela lógica do serviço; trocar o medo pela confiança em Deus que julga para salvar e corrigir para curar. A comunidade, ao ouvir hoje, é chamada de práticas que tornam visíveis o Reino da paz: justiça nas relações de trabalho, honestidade nos negócios, reverência pela vida frágil, reconciliação nas famílias, cuidado com a casa comum. O “temor do Senhor” cantado por Isaías não paralisa, orienta; enraíza a sabedoria que não se ilude com as aparências e se empenha pelos últimos. Onde o Messias governa, a violência perde a razão, a palavra se torna veraz, e as diferenças deixam de ser ameaça para voltar a ser encontro.

Por fim, somos convidados a acolher o Batizador que vem atrás de João, deixando-se tocar pelo Espírito que desce e pelo fogo que purifica. O Advento, tempo de espera ativa, pede passos visíveis: confessionário procurado com humildade, reconciliações assumidas com coragem, generosidade que partilha, oração que reabre a escuta. A comunidade pode receber o cinto da justiça e da fidelidade, para atravessar estes dias com sobriedade e esperança. O Mais Forte já está presente, e a pá está na mão: não para aterrorizar, mas para separar em nós o que é trigo do que é palha, para que nada se perca do que nasceu de Deus. Que, alimentada pela Palavra e antecipada na Eucaristia, a Igreja saia do deserto como povo preparado, trazendo no rosto a paz do Reino e nas mãos os frutos que o Senhor merece.

 

quinta-feira, 27 de novembro de 2025

HOMILIA PARA O DIA 30 DE NOVEMBRO - 1º DOMINGO DO ADVENTO

DISCERNIR EM ORAÇÃO

Amados irmãos e irmãs, acolhendo o tempo do Advento, deixemo-nos interpelar pela exortação do Apóstolo: “Já é hora de despertardes do sono, porque a nossa salvação está agora mais perto do que quando abraçamos a fé” (Rm 13,11). A noite vai adiantada, o dia vem chegando; por isso, despojemo-nos das obras das trevas e revistamo-nos das armas da luz, caminhamos com dignidade, como convém aos filhos do Dia. Neste santo itinerário, a Igreja nos registra que não avançamos sozinhos: somos povo em marcha, peregrinos do mesmo Senhor, sustentados pela Palavra e pelo pão do altar. A vigilância que São Paulo nos propõe não é tensão estéril, mas disciplina amorosa que nos congrega, purificando afetos, ordenando desejos e dispondo o coração para a vinda d'Aquele que é a Luz verdadeira.

No Evangelho, o Senhor nos alerta: “Como foi nos dias de Noé, assim aconteceu na vinda do Filho do Homem” (Mt 24,37). Enquanto muitos viviam distraídos, comendo e bebendo, alheios ao tempo favorável da graça, o dilúvio sobreveio. Assim também agora: a indiferença espiritual ameaça dispersar os rebanhos, enfraquecer os laços e destruir a esperança. Por isso, vigiai! A vigilância evangélica não é medo, mas amor atento, que detecta os sinais discretos da presença de Deus no cotidiano. Caminhar juntos no Advento é aprender a ouvir em comum a voz do Pastor, discernindo, em comunidade orante, o compasso da misericórdia que nos convoca à conversão e à esperança, para que nenhum se perca na distração que isola, e todos encontremos refúgio na arca da Igreja.

“Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo” (Rm 13,14a): eis a veste nupcial para o encontro que se aproxima. Revestir-se de Cristo é assumir seus sentimentos, suas atitudes e seu modo de amar, deixando para trás a roupa gasta das rivalidades, das invejas e da complacência com o pecado. É no “nós” eclesial que essa túnica se tece: na caridade que se faz serviço, na paciência que sustenta o fraco, na correção fraterna que cura, na partilha que multiplica a esperança. Quando a comunidade se reveste do Senhor, a noite perde força, e o clarão da aurora visita nossas casas, reacendendo o ardor da fé, a sobriedade dos costumes e a alegria de esperar. O Advento, então, torna-se escola de santidade comum: juntos aprendendo a vigiar, juntos aprendendo a amar.

Enfim, “ficai preparado, porque o Filho do Homem virá na hora em que menos pensais” (Mt 24,44). Preparar-se é ordenar a vida ao Reino: acender a lâmpada da oração, aquecer o azeite da caridade, abrir as portas da reconciliação. É deixar que o Senhor nos encontre com os pés no caminho e mãos no serviço, coração e olhos na promessa. Caminhamos, pois, como Igreja sinodal, passo a passo, sustentando-nos mutuamente, para que a Vinda não nos surpreenda dispersos, mas congregados ao redor d'Aquele que vem. Que este Advento seja para nós tempo de despertar, de vigília e de comunhão, e que, sob o manto da Mãe da Esperança, esperamos apressar a aurora do Cristo, Sol nascente que nos visita. Amém.

 


quinta-feira, 20 de novembro de 2025

HOMILIA PARA O DIA 23 DE NOVEMBRO - SOLENIDADE DE CRISTO REI - FESTA DE SANTA CECÍLIA

 

JESUS, REI DOS REIS

No alto da cruz, enquanto o povo olhava e os chefes zombavam, Jesus permanente Rei: não por coroas de ouro, mas pela coroa de espinhos; não por tronos de marfim, mas pelo lenho da cruz. “Salvou os outros; salve a si mesmo”, diziam, sem perceber que o verdadeiro poder é amar até o fim. No madeiro, o Cristo abre o Reino ao bom ladrão: “Hoje estarás comigo no Paraíso”. Ali se revela a vontade de Deus Pai: misericórdia que perdoa, soberania que se entrega, autoridade que se faz serviço.

Assim também Santa Cecília, jovem romana, escolheu risos e escárnios porque cantava louvores no coração ao Senhor. Não lhe faltaram zombarias nem violências; Procuravam abafar sua fé como se apagam brasas em banho ardente. Mas a melodia que ela elevou a Deus não se calou: transformou-se em testemunho que atravessa séculos, coroada não de aplausos humanos, mas da palma dos mártires. Em Cecília, a Igreja enxerga regularmente um reflexo do Rei escarnecido: firmeza mansa, amor jubiloso, fidelidade que não negocia  esperança.

Unidos à cruz de Cristo e ao cântico de Cecília, aprendendo que a verdadeira música do Reino nasce quando a caridade vence o medo. O mundo pode ridicularizar quem reza, quem perdoa, quem serve os pequenos; mas é nesse humilde compasso que Deus entoa sua vitória. Onde há zombaria, respondemos com vitória; onde há dureza, com mansidão; onde há trevas, com a luz da inspiração. O Rei triunfa quando seus discípulos permanecerem de pé, com o coração afinado pela Palavra e pelos sacramentos.

Por isso, no século XXI, os devotos de Santa Cecília assumem este compromisso: cantar a fé com a vida. Que nossas casas e comunidades sejam repletos de misericórdia; que nossas redes e ruas ressoem respeito, justiça e cuidado com os pobres; que o domingo nos encontre aos pés do Rei, na Eucaristia, e a semana nos veja periodicamente com alegria. Diante da zombaria, não calar; diante da violência, não responder com igual medida; diante da indiferença, perseverar no louvor. “Jesus, lembra-te de nós”: que este clamor faça de cada pessoa um pequeno instrumento nas mãos do Rei do Universo. Amém.

 

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

HOMILIAS PARA O DIA 16 DE NOVEMBRO DE 2025

SÓ DEUS É NOSSA ESPERANÇA

 

Irmãos e irmãs, reunidos na escuta da Palavra, contemplamos hoje o chamado firme e compassivo do Senhor. Paulo exorta a comunidade a não viver na ociosidade, mas a trabalhar com dignidade, para não ser peso aos outros e para ter o que partilhar. Não se trata apenas de ganhar o sustento, mas de cultivar uma vida coerente, responsável e fraterna, onde cada gesto cotidiano se torna louvor a Deus. A fé que professamos no altar deve se traduzir em compromisso concreto, em mãos que constroem, em corações que consolam, em passos que se apressam para o bem. É assim que a Igreja se torna casa de comunhão: quando ninguém cruza os braços diante da necessidade do irmão.

No Evangelho Jesus nos alerta para não colocar nossa confiança nas obras grandiosas deste mundo, por mais belas que pareçam. Templos, estruturas, seguranças humanas: tudo isso passa. O que permanece é a fidelidade do discípulo, sustentada pela graça, mesmo em meio a provações, incompreensões e lutas. “É na vossa perseverança que salvareis as vossas almas”, diz o Senhor. Perseverar não é endurecer o coração, mas mantê-lo firme no amor; não é fugir dos desafios, mas testemunhar a esperança quando tudo parece ruir. Diante das turbulências do tempo presente, a comunidade cristã é chamada a ser sinal de confiança serena: vigilante, orante, solidária.

Essa Palavra encontra eco luminoso na mensagem do Papa para o Dia Mundial dos Pobres. O Sucessor de Pedro recorda que os pobres não são números nem problemas a resolver, mas rostos a acolher, nomes a respeitar, histórias a amar. A ociosidade denunciada por Paulo contrasta com o empenho caridoso que o Papa nos pede: trabalhar não apenas por nós, mas com e pelos pobres; edificar não templos de pedra, mas casas de misericórdia; investir não em prestígio, mas em proximidade. A verdadeira segurança não está no acúmulo, mas na partilha; não no brilho das aparências, mas na luz humilde do serviço. Onde a caridade é operosa, ali a Igreja reflete o rosto de Cristo.

Supliquemos, portanto, a graça da perseverança e do labor generoso. Que cada família descubra no cotidiano a santidade simples do dever bem cumprido; que cada comunidade abra espaço para a amizade social, onde os últimos sejam os primeiros a serem cuidados; que os pobres encontrem em nós irmãos, não benfeitores distantes; e que, nas horas de prova, o Espírito nos dê palavras e gestos de esperança. Assim, trabalhando com as mãos e guardando o coração em Deus, construiremos um altar vivo na cidade, onde o Evangelho se faz pão repartido, e a vida, louvor. Amém.