ACOLHER A SABEDORIA DE CRISTO
A sabedoria paradoxal de Deus que
escolhe o que é fraco para confundir o forte, o que é simples para desautorizar
o que se julga nobre, o que nada é para reduzir a nada o que se crê absoluto. A
liturgia registra que a vocação cristã nasce nesse terreno de humildade: não dá
grande importância aquilo que é da carne, nem muitos poderosos ou nobres, mas
eleitos para que ninguém se glorie diante do Senhor. Em Cristo, Deus se tornou
para a Igreja sabedoria, justiça, santificação e redenção; por isso, “quem se
gloria, glorie-se no Senhor”. A comunidade é convidada a considerar a própria
pequenez como espaço de graça: menos autopromoção, mais gratidão; menos
vanglória, mais louvor. A grandeza que sustenta o povo santo não é a força dos
números nem a sedução do prestígio, mas a presença do Crucificado-Glorificado,
onde todo poder se desfaz e toda esperança se acende.
No evangelho a comunidade é convidada a subir a montanha com
Jesus e ouvir a Carta Magna do Reino: as bem-aventuranças. A liturgia contempla
o Mestre que se senta, abre a boca e ensina a felicidade possível neste mundo
sob o sopro do Espírito: bem-aventurados os pobres em espírito, os mansos, os
que choram, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de
coração, os construtores da paz, os perseguidos por causa da justiça. Não é
consolo barato, é promessa firme enraizada na fidelidade de Deus: dos pobres é
o Reino, os que chorarem serão consolados, os mansos herdarão a terra, os
famintos de justiça serão saciados, os misericordiosos alcançarão misericórdia,
os puros verão a Deus, os pacificadores serão chamados filhos de Deus, aos perseguidos
pertence a Reino. O olhar de Jesus inverte critérios: a felicidade não coincide
com o sucesso, o poder e o acúmulo, mas com o coração disponível, a justiça
desejada, a misericórdia praticada, a paz construída a duras penas.
Entre o chamado paulino à humildade e a escola de felicidade do
Sermão da Montanha, a Palavra indica um caminho de conversão concreta. A Igreja
aprende que sua força está no Evangelho vívido: pobreza de espírito que
desapega, mansidão que desarma, lágrimas proporcionadas que se tornam
intercessão, fome de justiça que move escolhas públicas, misericórdia que cura
vínculos, pureza de coração que purifica interesse, paz que se constrói com
diálogo e coragem, fidelidade que apoia incompreensões por amor ao Reino. A
comunidade é convidada a traduzir as bem-aventuranças em práticas: economia de
partilha, linguagem reconciliadora, proximidade com os que sofrem, integridade
nas relações e no trabalho, educação dos pequenos para a verdade e para o bem.
Ali onde o mundo enaltece o “forte” e o “vencedor”, a assembleia aponta o
Cordeiro; e, ali onde as forças faltam, a graça se faz suficiente, para que
ninguém se glorie senão no Senhor.
Por fim, a assembleia suplica a
graça de viver estas palavras como identidade e missão. Que cada batizado
reconheça, na própria pobreza, a possibilidade de acolher a sabedoria que é
Cristo; que encontre, nas lágrimas, consolo; na mansidão, firmeza; na fome de
justiça, perseverança; na misericórdia, cura; na pureza, visão; na paz,
filiação; na perseguição, bem-aventurança. Sustentada pela Eucaristia, a Igreja
pede um coração pobre e livre, capaz de ir às periferias com alegria discreta,
e de permanecer fiel quando a recompensa não vem. E que, saindo deste celebração,
a comunidade leve às ruas o perfume das bem-aventuranças: menos ostentação,
mais serviço; menos ruído, mais escuta; menos divisão, mais paz. Então, o mundo
verá que a loucura de Deus é mais sábia que os homens, e que a alegria
prometida pelo Senhor já floresce no hoje de quem se gloria apenas nele.