Caros irmãos e irmãs,
Estamos nos encaminhando para a culminância das celebrações do
Ano Santo da Redenção, somos convidados a revisitar a misericórdia de Deus que
liberta, reconcilia e transforma. A liturgia de hoje nos oferece dois textos
que embora pareçam dialogar com situações muito concretas do tempo de Paulo e
de Jesus, eles apontam para uma mesma lógica: a graça de Deus não se contenta
em perdoar; ela reconstitui relações, costura comunidades e nos chama a um
discipulado ao mesmo tempo exigente e libertador.
Na leitura Paulo se dirige a sua comunidade, com um amor que
ultrapassa estruturas humanas de poder. O apóstolo prisioneiro por causa do
Evangelho não apenas pede pela libertação de Onésimo — que lhe foi confiado
como escravo —, mas insiste para que o retorno dele seja vívido como uma
verdadeira reconciliação: que Filêmon receba Onésimo não como escravo, mas como
irmão querido no Senhor. Paulo não minimiza o dano ou a vergonha possível; ele,
ao contrário, aponta para uma mudança de lógica, na qual a dignidade de cada
pessoa é encontrada e reafirmada unicamente em Cristo. Aqui se revela uma obra
de redenção sutil, mas radical: não há espaço para manter alguém à margem como
propriedade; toda pessoa é chamada a pertencer plenamente à família de Deus,
onde o perdão reordena relações e onde a graça transforma predileções,
ressentimentos e posições.
O texto do Evangelho escrito por Lucas reforça as exigências do
seguimento. Jesus não apresenta um evangelho de conveniência, de adesão fácil
ou de promessa garantida. Ele chama seus discípulos a renunciar a tudo que
possa tornar-se obstáculo entre eles e o Reino — pai, mãe, riquezas, planos de
vida que não passam pelo amor radical de Deus. Antes de seguir, é preciso
contar o preço: o discipulado exige decisão e renúncia, tomar a cruz e caminhar
com Jesus. Não se trata de um sacrifício externo meramente, mas de uma
transformação interior que reorganiza prioridades — até mesmo as mais caras —
em função do projeto de Deus. Esse é o caminho que guarda a liberdade
verdadeira: não a liberdade para fazer o que se quer, mas a liberdade para amar
sem reservas, para perdoar sem limites, para abrir as portas da vida a quem nos
é confiado pelo Senhor.
O jubileu é, em si, uma memória ativa da misericórdia que
restaura, perdoa dívidas, devolve o essencial à justiça e restitui a dignidade
de quem é esmagado pela injustiça. O Ano da Redenção chama a Igreja e cada
comunidade a experimentar a libertação que vem de Cristo: liberta-se o cativo,
restitui-se a dignidade de cada pessoa diante de Deus, reconstitui-se a família
humana em Cristo. Assim, a passagem de Onésimo de escravo a irmão em Cristo não
é apenas uma mudança de estatuto social, mas a antecipação de uma realidade onde
há Cristo, há uma só família; onde há graça, há reconciliação que desfaz muros
e dívida que não é mais dívida entre pessoas, mas memória de perdão recebido e
oferecido.
Diante disso, o que pode significar para nós, enquanto Igreja,
neste Ano Santo da Redenção? Que cada um de nós seja portador de reconciliação:
na família, entre vizinhos, na comunidade, entre estranhos que nos pedem
acolhimento. Que não tratemos as pessoas como instrumentos ou como obstáculos,
mas como irmãos e irmãs, filhos do mesmo Deus que nos amou primeiro. Que
saibamos reconhecer que seguir a Cristo implica custo, mas também nos liberta
do peso de uma vida centrada em nós mesmos. E que, como comunidade, sejamos
sinais vivos da redenção: acolhendo o retorno de quem se atrasou, perdoando
quem nos feriu e abrindo as portas da igreja para todos.
Oremos para que o Espírito nos conceda a graça de viver, neste
Ano Santo da Redenção, a reconciliação que transforma, o perdão que liberta e a
fidelidade que, mesmo custando algo, nos aproxima cada vez mais de Jesus, o
Redentor.
Que Deus abençoe a todos. Amém.
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