POR UMA
PAZ DESARMADA E DESARMANTE
Acolhendo a Palavra neste primeiro
dia do ano compreendemos a vitória que o próprio Deus coloca nos lábios de
Aarão para proteger sobre o seu povo: “O Senhor lhe abençoe e guarda; o Senhor
faça brilhar sua face sobre você e lhe seja favorável; o Senhor volte para o
seu rosto e lhe conceda a paz.” Essa tríplice invocação de bênção é um gesto de
aliança: Deus se inclina, ilumina, protege e comunica, paz plena que envolve
corpo, alma e história. No início de um novo ano, a comunidade recebe o Nome do
Senhor sobre ela como identidade e missão: ser povo abençoado e que abençoa,
rosto visitado pela luz que reflete luz, coração guardado que se torna guarda
para os vulneráveis. A vitória não é fórmula mágica, é compromisso: deixa-se
gravar por Deus e passa a escrever, com escolhas concretas, a gramática da paz.
Assim, a Igreja começa o tempo que se abre sob o sinal do rosto de Deus que
brilha e pacifica.
À luz de Lucas a assembleia se aproxima de Belém com os
pastores, encontra Maria e José e o Menino deitado na manjedoura, e aprende a
adorar a paz feita gente. O Evangelho mostra a pressa da busca, a simplicidade
do sinal, o estudo da Palavra que se cumpre, e, por fim, o oitavo dia em que o
Menino é circuncidado e recebe o Nome de Jesus, “Deus salva”. Maria guarda e
medita, os pastores glorificam e louvam: ambos ensinam que a paz nasce da
contemplação e se espalha pelo anúncio. A circuncisão inscreve no corpo a
pertença à Aliança; o Nome revela a missão do Filho: trazer salvação que
reconcilia Deus e a humanidade, quebrando inimizades. A liturgia contempla que,
com Jesus, a vitória anunciada no livro dos Números ganha rosto: a face que
brilha é a do Emmanuel; o favor é sua misericórdia; a paz é sua presença que
desarma a violência a partir do coração.
Entre a vitória sacerdotal e o Nome de Jesus, se conecta a
mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz, ecoando o apelo a uma paz que não
seja apenas ausência de guerra, mas trabalho paciente de justiça, cuidado da
casa comum, cultura do encontro, regulação ética das tecnologias e tutela dos
mais frágeis. A comunidade é chamada a traduzir a vitória obtida em
responsabilidade social: promover o diálogo onde há polarização, tecer alianças
intergeracionais, defender a dignidade de cada vida desde a concepção até o fim
natural, acolher migrantes com prudência e caridade, educar para a verdade num
tempo de desinformação. A luz do rosto de Deus convida a iluminar zonas de
sombra: violência doméstica, racismo, fome, corrupção, tráfico de pessoas. O
Nome de Jesus inspira a cura das linguagens: abençoar em vez de amaldiçoar,
ouvir antes de responder, perdoar como quem foi perdoado. Assim, a comunidade
torna-se sinal de uma paz aprendida no presépio e praticada nas ruas.
Por fim, a assembleia suplica: que
a vitória de Números desça sobre famílias, governantes e povos, e que o Nome de
Jesus seja refúgio e programa de vida. A liturgia pede a graça de uma
espiritualidade de Belém: pressa para buscar o Senhor, fidelidade para guardar
a Palavra, coragem para testemunhar a boa-nova. Inspirada pelo Papa, a Igreja
assume passos concretos de paz: educação para a fraternidade, economia com
rosto humano, cuidado dos pobres e da criação, presença reconciliadora nas
feridas do bairro e do mundo. Que o Senhor levante sobre o seu povo o seu rosto
e conceda paz que cura memórias, repara injustiças, pacifica relações,
reconcilia com a própria história. E que, saindo deste Domingo, a comunidade
caminhe como os pastores: glorificando e louvando a Deus por tudo o que pegou e
viu, tornando-se, no ano que começa, vitória para muitos.
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