terça-feira, 21 de outubro de 2025

HOMILIA PARA O DIA 02 DE NOVEMBRO - DIA DE FINADOS

 

EU CREIO NA RESSURREIÇÃO DOS MORTOS

Amados irmãos e irmãs, ouvimos com o coração aberto a voz de Deus que nos chega pela vida de Jó. No meio da dor, quando tudo parecia perdido, ele declarou: “Eu sei que o meu Redentor vive.” Essa palavra é luz para quem atravessa a noite do sofrimento. Jó não negou a tristeza, não fingiu que não doía; mas segurou-se na certeza de que Deus é maior que qualquer tempestade. Assim também nós: quando o cansaço aperta, quando faltam respostas, quando a injustiça parece vencer, recordamos que o Senhor não nos abandona. Ele é fiel. A fé de Jó não foi um sentimento passageiro, mas uma decisão de confiar, passo a passo, mesmo sem entender. Que essa confiança nos visite hoje e nos sustente no caminho.

O Evangelho nos chama à vigilância: “Estejam com os cintos nas cinturas e acesas as suas lâmpadas.” A vinda do Senhor é  como um dono de casa que pode chegar a qualquer hora, da noite ou da madrugada. Estar preparado não é viver com medo; é viver com amor vigilante. É manter a lâmpada da fé alimentada com o óleo da oração, da caridade, do perdão e da esperança. Quem ama, espera acordado; quem crê, cuida dos pequenos detalhes de cada dia como quem prepara a casa para um querido hóspede. O Senhor virá. Não sabemos quando, mas sabemos que virá. Feliz o servo que Ele encontrar de pé, com as mãos ocupadas no bem e o coração caloroso pela confiança.

A fé de Jó nos ensina que Deus é nosso Redentor, Aquele que defende nossa causa quando ninguém mais nos escuta. Essa fé não é teoria difícil: é pão para a mesa do simples, água para o sedento de sentido. É dizer, pela manhã: “Senhor, nas Tuas mãos coloco meu dia.” E, à noite: “Obrigado, porque estiveste comigo.” É pedir perdão quando falhamos e estender a mão quando alguém tropeça. É acender uma vela no escuro do mundo com um gesto de espera. Quando cuidamos de quem sofre, quando partilhamos o pouco que temos, quando rezamos pelos que nos perseguem, nossa lâmpada permanece acesa. E, se o Senhor vier nesse instante, nos encontraremos vigiando com o coração em paz.

Vigiar é também cuidar das palavras e dos pensamentos. É não deixar que a murmuração apague a chama da esperança, que a mágoa roube a alegria, que a pressa nos distraia do essencial. O servo vigilante sabe que cada encontro é uma visita de Deus e cada tarefa, um altar. Nas pequenas fidelidades de cada dia, o Senhor se revela: na paciência com a família, no trabalho honesto, na escuta atenta, no silêncio que ora. Se cairmos, levantemos; se desanimarmos, voltemos ao Senhor. Ele não se cansa de nós. A visão cristã é humilde: aprenda, recomeça, peça ajuda. E, assim, a fé de Jó floresce em nossos passos, sem barulho, mas com firmeza.

Por isso, irmãos e irmãs, conservamos as lâmpadas da fé e da esperança acesas. Como Jó, proclamamos: nosso Redentor vive e, no fim, Ele se levantará em nosso favor. Vivamos como quem espera o Amado que pode chegar a qualquer momento. Que nossas casas sejam lugares de oração, nossas mãos, instrumentos de paz, e nossos olhos, atentos aos sinais do Reino. Quando o Senhor vier — e Ele virá —, que nos encontre preparados, não por medo do castigo, mas por desejo de comunhão. Que Ele nos encontre perdoando, alegrando, confiando. E que a vitória do Deus vivo fortaleça os cansados, console os aflitos e confirme em todos nós a fé que atravessa a noite e amanhece em luz. Amém.

 

HOMILIA PARA O DIA 01 DE NOVEMBRO 2025 - SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS

 

SANTIDADE AO PÉ DA PORTA

Sob a luz do Cordeiro que vive e reina, elevamos nossos olhos ao horizonte da esperança, onde um anjo se levanta do nascente trazendo o selo de Deus vivo, e a terra inteira suspira diante do mistério. Vemos, com o olhar purificado pela fé, aquela multidão imensa que ninguém pode contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas, vestida de branco e com palmas nas mãos. Eles não são estranhos a nós: são irmãos e irmãs que atravessaram as tribulações da vida, lavando suas vestes no sangue do Cordeiro. A santidade não é distante nem rara: é a herança prometida, o selo gravado na frente dos que pertencem a Deus. Hoje somos chamados a considerar que a vocação à santidade é dom e caminho, graça e resposta, início e destino para todos.

E, quando o Senhor se senta no monte e abre a boca, sua voz corre como brisa mansa e como fogo que purifica. “Bem-aventurados” — proclama —, e cada bem-aventurança é um degrau para o céu e um sulco de misericórdia sobre a terra. Felizes os pobres em espírito: neles Deus faz morada. Felizes os mansos: neles a terra encontra descanso. Felizes os que choram: neles a consolação desce como orvalho. Felizes os que têm fome e sede de justiça: neles a promessa já começa a frutificar. Felizes os misericordiosos, os puros de coração, os que promovem a paz, os perseguidos por causa da justiça: neles o Reino se mostra vivo. As bem-aventuranças são o retrato do Santo por excelência, e o espelho onde cada discípulo aprende a forma do amor.

Por isso, não vamos imaginar que a santidade é privilégio de Poucos, nem a escondamos em pedestais inalcançáveis. A santidade é “Santidade ao pé da porta”, como nos recorda o Papa Francisco: é a luz que acendemos na cozinha ao amanhecer, é o perdão sussurrado no corredor de casa, é a paciência no trânsito, o gesto silencioso de quem partilha o pão, a mão estendida  a quem ficou para trás. É a mãe que consola, o pai que persevera, o jovem que escolhe a verdade, o idoso que oferece sua dor como incenso que sobe. É a fidelidade no pequeno, a retidão no escondido, a alegria humilde que não faz alarde. Assim florescem santos sem trombetas, vencendo o mal com o bem, regando o mundo com pequenos riachos de misericórdia que, juntos, se tornam um grande rio de graça.

Ergamos, então, o coração: diante do trono e do Cordeiro, unidos aos anciãos e aos seres vivos, proclamamos: “A salvação pertence ao nosso Deus!” Se nos sentimos fracos, ele é forte; se nos conhecemos pecadores, ele é o Justo que nos justifica; se nos vemos pequenos, ele nos toma pela mão. A tribulação não será a última palavra, pois o Pastor nos conduzirá às fontes da água viva e enxugará toda lágrima de nossos olhos. Na liturgia da vida, cada dia é altar, cada encontro é oferta, cada cruz é caminho de Páscoa. E, marcados com o selo do Deus vivo, aprendendo a permanência de pé, firmes na esperança, até que a veste branca da graça se torne também a túnica das obras.

Assim, caminhamos sob as bem-aventuranças como sob um céu estrelado, e fazemos do cotidiano um santuário. Que o Espírito nos ensine a arte da “Santidade ao pé da porta”: olhos que veem Cristo no pobre, lábios que bendizem em meio à prova, mãos que constroem a paz, pés que correm ao encontro do irmão. Então, quando uma assembleia se reúne, refletimos no brilho que interage um reflexo da nossa história, tecida de quedas e recomeços, de silêncio e louvor. E ouvimos, enfim, a voz do Cordeiro: “Vinde, benditos de meu Pai.” Até lá, permanecemos no Bem-aventurados do Evangelho, para que, em nós e por nós, a santidade se faça humilde, próxima e fecunda — uma santidade para todos, ao alcance de cada porta.

HOMILIA PARA O DIA 26 DE OUTUBRO DE 2025 -

 

UM DEUS QUE VÊ O CORAÇÃO

Amados irmãos e irmãs, reunidos na escuta da Palavra, bendigamos ao Senhor em todo tempo, porque Sua espera resplandece sobre os humildes. “Bendirei o Senhor Deus em todo o tempo, seu louvor estará sempre em minha boca” (Sl 33/34). Hoje, o Espírito nos convida a contemplar a justiça de Deus, que vê o coração, ergue os abatidos e não se cansa de socorrer os que O invocam com verdade.

O apóstolo Paulo, ao dizer “combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé” (2Tm 4), nos ensina que a coroa da justiça não é prêmio da vaidade, mas dom da fidelidade. É o Senhor quem nos fortalece quando faltam aliados e quando a solidão aperta. Ele esteve com Paulo e o libertou “da boca do leão”. Assim também hoje: onde a exclusão corrói a dignidade e o desprezo fecha portas, o Senhor permanece fiel e nos chama a perseverar na caridade.

No Evangelho, Jesus opõe o fariseu confiante em seus méritos ao publicano que bate no peito e suplica: “Ó Deus, tem piedade de mim, pecador!” (Lc 18). Não é a aparência do culto, mas a verdade do coração que sobe agradável a Deus. Quem se exalta será humilhado; quem se humilha será exaltado. Esta é a chave para discernirmos nossos caminhos diante da chaga da exclusão social: a oração que agrada a Deus é inseparável da justiça que se inclina para o irmão.

O Senhor escuta o clamor do pobre e está perto do coração ferido (Sl 33/34). Se queremos que nosso louvor seja sincero, não podemos fechar os ouvidos ao grito dos descartados, aos corpos invisíveis nas ruas, aos que não têm mesa posta nem palavra ouvida. Uma liturgia que celebramos perde brilho quando a mesa da cidade permanece vazia de equidade. Adorar o Cordeiro é fazer-se próximo de quem não tem mais quem o defende.

A conversão que o Evangelho pede não é apenas mudança de ideias, mas de postura: descer do pedestal, deixar o design das próprias glórias, aprender o caminho da compaixão. O fariseu que habita em nós mede pessoas por performances e esquece que acima de tudo em cada pessoa habita a graça que é dada de  graça. Só quem se sabe devedor da misericórdia pode tornar-se misericordioso, abrindo espaços de inclusão, repartindo pão, voz e oportunidades.

Irmãos e irmãs, combatemos o bom combate onde a exclusão se alimenta: nas estruturas que discriminam, nos preconceitos que se escondem em discursos polidos, na indiferença que normaliza o sofrimento. “O Senhor liberta os justos de todas as angústias” (Sl 33/34): Ele nos envia a ser instrumentos dessa libertação, promovendo políticas de cuidado, práticas comunitárias de acolhida e gestos cotidianos que restituam nome, história e lugar àqueles que muitas vezes não são vistos.

Quando nos faltarem forças, lembremos: “O Senhor esteve a meu lado e me deu forças” (2Tm 4). Na Eucaristia encontramos o alimento para não desistir; no perdão, uma chance de recomeçar; na Palavra, a luz para discernir. Que nossas comunidades sejam casas abertas, onde a oração do público encontre eco e onde cada pessoa, sobretudo a ferida, seja recebida como presença do próprio Cristo.

Que Maria, humilde serva, nos conduza à verdadeira exultação: não a dos que se vangloriam, mas a dos que se autorizam amados e enviados. Que, saindo deste altar, possamos bendizer o Senhor com a vida e ser boa notícia aos pobres. “Quem espera no Senhor não será confundido” (cf. Sl 33/34). A Ele a glória pelos séculos. Amém.

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

HOMILIA PARA O DIA 19 DE OUTUBRO DE 2025 -

 

MISSIONÁRIOS DA ESPERANÇA NO CHÃO DA VIDA

Irmãos e irmãs, no coração do mês missionário, a Igreja nos convoca a reavivar o dom da fé, iluminados pela exortação apostólica de Paulo a Timóteo e pela parábola do Senhor sobre a perseverança na oração. “Permanece firme naquilo que aprendeste”, diz o Apóstolo, para que nossas comunidades, enraizadas na Sagrada Escritura, encontrem no sopro do Espírito a coragem de testemunhar. A Palavra de Deus, inspirada é útil para ensinar, corrigir e educar na justiça, sustentar os pés dos enviados e aquecer o ânimo dos que, no trabalho cotidiano, semeiam o Evangelho. Assim, celebrando o Dia Mundial das Missões, suplicamos que a graça nos faça vigilantemente atentos aos sinais de Deus na história e obedientes ao mandato do Senhor.

“Proclama a Palavra,” ressoa a voz apostólica, “insista oportuna ou importunamente, argumente, repreende, aconselha, com toda a paciência e doutrina.” Este é o estilo do discípulo-missionário: não ceder ao cansaço, nem ao cálculo das conveniências, mas deixar-se conduzir pelo tempo de Deus, que é tempo de misericórdia e conversão. Na praça e na casa, nos púlpitos e nas periferias, nas rádios, redes e praças digitais, a Igreja se levanta como sentinela da aurora, oferecendo a todos o pão da Palavra e a consolação dos sacramentos. Onde houver desânimo, que o anúncio reacenda a alegria; onde há confusão, que a doutrina ilumine com caridade; onde houve feridas, que a correção fraterna restaure a verdade que liberta.

A parábola da viúva insistente nos registra que a oração é a respiração da Igreja. Jesus nos diz para “rezar sempre, sem desanimar”. A perseverança da viúva é a lente pela qual contemplamos a fidelidade de Deus e a nossa resposta. Quando a súplica parece não ter eco, é justamente aí que a fé amadureceu, porque a espera nos purifica e nos torna mais semelhantes ao coração de Cristo.

O Senhor, Evangelho, nos fala da viúva que suplica sem cessar, imagem viva da Igreja que ora e trabalha, que clama justiça e não desiste dos pequenos. Nesta perseverança se revela a força da missão: nada interrompe o fluxo da intercessão, nada cala o clamor dos que esperam a salvação. Orar sem desfalecer é a seiva que mantém verde o testemunho; é no segredo  e no diálogo com Deus que a missão encontra a mansidão de “aconselhar com paciência” e a capacidade de “argumentar e repreender” quando a verdade é obscura. Assim, a oração sustenta os passos, unge as palavras e fecunda as obras, para que a semente do Reino germine até em terrenos áridos.

Contudo, o Senhor nos interpela: “Mas o Filho do homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?” Esta pergunta, gravada como fogo no coração da Igreja, torna-se exame de consciência para cada batizado. Que fé encontrará Ele em nossas famílias, paróquias e comunidades? Encontrará um povo que guarda a Escritura no coração, que celebra com fervor, que serve com generosidade e que não se envergonha do Evangelho? No Dia Mundial das Missões, renovemos o sim sem reservas: sim que se faz caridade, sim que se faz anúncio, sim que se torna esperança para aqueles que vagam na noite. Que nossa resposta seja um coração disponível, uma boca que proclama, mãos que levantam os caídos e pés que correm ao encontro dos que ainda não ouviram a Boa-Nova.

Portanto, amados, à mesa da Palavra e do Altar, recebemos o envio: ide, semeai, consolai, edificai. “Proclama a palavra, insiste oportuna ou importunamente, argumenta, repreende, aconselha, com toda a paciência e doutrina.” Que o Espírito nos dê audácia humilde, línguas de fogo e olhos de compaixão. Que Maria, Estrela da Evangelização, nos conduza com ternura, e que São Paulo e São Timóteo nos inspirem zelo e fidelidade. E, enquanto caminhamos entre consolações e lutas, guardamos viva a chama da súplica perseverante, para que, quando o Filho do homem vier, encontremos entre nós fé ardente, operosa e missionária, para a glória de Deus Pai.

Rezemos, portanto, para que nossa comunidade seja escola de oração perseverante e escritório de comunhão. Que nossos encontros de fé — a Eucaristia, a liturgia das horas, os grupos de oração — nos tornem mais atentos ao clamor do mundo. Rezando juntos, aprendendo a esperar juntos; esperar juntos, aprender a servir; particularmente, tornamo-nos testemunhas da esperança que não decepciona.

Que a Virgem Maria, mulher da escuta e da perseverança, nos ajude a rezar sem cessar, a caminhar em comunhão e a servir com generosidade. E que, alimentados nesta mesa da Palavra e do Pão, saiamos como Igreja missionária: uma só voz que intercede, um só coração que ama, um só povo que testemunha a justiça e a misericórdia do nosso Deus. Amém.