sexta-feira, 28 de novembro de 2025

HOMILIA PARA O DIA 25 DE DEZEMBRO - MISSA DO DIA

 

ANUNCIO QUE CORRE PELAS MOTANHAS

O profeta Isaías faz um anúncio que corre pelos montes com passos belos: “Teu Deus reina!” A liturgia contempla o mensageiro que proclama a paz, traz a boa-nova e publica a salvação, enquanto as sentinelas levantam a voz e veem, olhos nos olhos, o retorno do Senhor a Sião. É o braço santo do Senhor desnudado diante das nações, para que toda a terra contemple a salvação do nosso Deus. A comunidade, reunida, deixa-se contagiar por essa alegria pascal que já irrompe no meio do exílio cotidiano: ruínas que cantam, feridas que se fecham, dispersos que se reencontram, porque o Senhor consola seu povo e resgata Jerusalém. É um evangelho que não se limita a palavras; ele faz caminho nascer, reconcilia memórias, estabelece justiça, e convida a Igreja a tornar-se também mensageira, com pés disponíveis e voz clara, para que muitos descubram que a realeza de Deus é proximidade que salva.

À luz da carta aos Hebreus a liturgia inteira se volta para o Filho, por meio de quem Deus falou definitivamente nestes últimos tempos. Após muitos fragmentos e sombras, resplandece a Palavra plena: o Filho é o resplendor da glória e a expressão exata do ser do Pai; por Ele o mundo foi criado e por Ele tudo subsiste. Ele fez a purificação dos pecados e enviou-se à direita da Majestade nas alturas, superior aos anjos como mais excelente é o nome que herdou. A assembleia reconhece que não está diante de um mensageiro qualquer, mas do próprio Verbo feito carne exaltado, aprende a ordenar toda missão a esta centralidade: adorar o Filho, escutar o Filho, seguir o Filho. “Adorem-no todos os anjos de Deus”: a Igreja se associa a este impulso cósmico e confessa que a soberania do Menino de Belém é a mesma do Senhor glorificado, manso no presépio, vencedor na cruz, vivo para sempre.

Entre a profecia de Isaías e o Filho revelado em Hebreus, a liturgia indica o coração da fé: Deus reina porque o Filho veio, falou, purificou e permanece. A comunidade é convidada a deixar-se evangelizar de novo, para que “Teu Deus reina” não seja slogan, mas sinal que reorienta agendas, afetos e escolhas. A paz anunciada pelos belos pés se concretiza quando o Nome do Filho governa a casa e a cidade: linguagem desarmada, reconciliação buscada, justiça praticada, pobres acolhidos, criação respeitada. O louvor que enche os lábios precisa encher as mãos; o Deus que consola o povo através do Servo pede uma Igreja serva, capaz de consolar e erguer. E enquanto o mundo oferece vozes dispersas, a assembleia aprende a escutar a Palavra única e definitiva, discernindo o que é secundário do que é essencial, para permanecer firme quando os ventos mudam.

Por fim, a assembleia suplica graça para viver como sentinela que vê e canta, e como adoradora que se curva diante do Filho. Que o Espírito ajuste o passo da Igreja ao ritmo do Evangelho, tornando belos seus pés sobre os montes do cotidiano: famílias, trabalhos, ruas, fronteiras. Que cada celebração reacenda a certeza: o braço do Senhor salva e reúne, e sua glória se deixa ver no rosto dos pequenos. E que, ao sair deste Domingo, a comunidade leve aos confins o anúncio que Hebreus confirma e Isaías proclama: em Jesus, o Filho, Deus falou e reina; por isso, alegrem-se as ruínas, ergam-se os abatidos, e toda a terra veja a salvação do nosso Deus.

 

HOMILIA PARA O DIA 24 DE DEZEMBRO - MISSA DA NOITE

 

HOJE NASCEU O SALVADOR

A liturgia da Palavra, nesta noite santa, nos leva a contemplar uma aurora que vence as sombras e ilumina os que caminhavam na escuridão. Ao mesmo tempo proclama que um Menino nos foi dado, sendo reconhecido como Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai Eterno, Príncipe da Paz. Não é o brilho das armas que inauguram este Reino, mas a força mansa da luz que dissipa o jugo, quebra a vara do opressor e multiplica a alegria como em tempo de colheita. A comunidade percebe que essa promessa não é memória distante, mas anúncio atual que reergue os cansados, consola os feridos e abre o futuro aos que perderam a esperança. É zelo do Senhor dos Exércitos que realiza tal maravilha; por isso, a Igreja se põe de pé para acolher a paz que não passa, a justiça que não se corrompe, a esperança que não decepciona.

No Evagelho de Lucas, a Palavra conduz a assembleia da grandiosidade dos decretos imperiais ao silêncio de Belém, onde Deus escolhe uma pequena porta da pobreza para entrar na história. Um registro do mundo inteiro contrasta com um recém-nascido envolto em faixas e deitado numa manjedoura: é ali que a glória se abaixa e o céu toca a terra. Os pastores, primeiros destinatários da notícia, representam os marginalizados que se tornam guardiões do mistério; e o coro dos anjos abre a liturgia do Natal: “Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens de sua benevolência”. A Igreja aprende que a glória de Deus é a proximidade que salva, e que a paz prometida se derrama onde o coração se rende ao Emanuel. O sinal é humilde, mas definitivo: Deus conosco, pobre entre os pobres, para enriquecer a todos com sua graça.

Entre a profecia da luz e o nascimento na noite, a homilia aponta a tessitura do Reino: governo de paz, conselho sábio, justiça para os pequenos, proximidade misericordiosa. A comunidade é chamada a deixar-se iluminar por essa luz que julga e cura, que denuncia as trevas e, ao mesmo tempo, acende caminhos. Receber o Menino é rever prioridades: dar lugar ao silêncio que escuta, à família que acolhe, à mesa que partilha, à cidade que protege os vulneráveis; é aceitar que a força de Deus se manifeste na fraqueza que ama. O título “Príncipe da Paz” se traduz em escolhas concretas: desarmar a linguagem, reconciliar memórias, cultivar honestidade, cuidar da criação, aproximar-se de quem sofre. A Igreja, ao celebrar, torna-se sinal: luz posta no candelabro, casa que abriga, ponte que reconcilia, voz que canta esperança no meio da noite.

Por fim, a assembleia se coloca com os pastores a caminho de Belém, para ver o que o Senhor fez e oferece ao Menino a obediência da fé. A liturgia suplica olhos limpos para considerar o sinal simples, mãos abertas para acolher e repartir, pés elevados para servir, lábios prontos para a proclamar: glória a Deus e paz na terra. Que cada casa se torne manjedoura, cada coração uma faixa de ternura, cada comunidade um coro que anuncia uma boa-nova. E que, sustentada pela Palavra e pelo Pão da Vida, a Igreja saia deste Domingo natalino portando a clareza de Isaías e a canção dos anjos, para que muitos, tocados pela luz, encontrem no Emanuel o descanso da esperança e a alegria que não se apaga.

 

 

HOMILIA PARA O DIA 21 DE DEZEMBRO DE 2025 - 4º DOMINGO DO ADVENTO

 

JESUS NASCERÁ DE MARIA

Na carta aos Romano, Paulo faz a apresentação solene do Evangelho como promessa antiga cumprida em Jesus Cristo, descendente de Davi segundo a carne e constituído Filho de Deus com poder pela ressurreição dos mortos. Paulo se sabe servo e enviado, separado para anunciar esta Boa-Nova que gera acordo de fé entre todas as nações; e a liturgia acolhe essa identidade apostólica como espelho da vocação da Igreja. Não é um anúncio inventado por mãos humanas, mas o cumprimento da fidelidade de Deus, agora oferecido “a todos os amados de Deus, chamados santos”. A comunidade dominical confirma que foi alcançada pela graça e pela paz “da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo”, e aprende que sua missão nasce dessa fonte: não um dever frio, mas um pertencimento que se torna enviado. Nessa saudação apostólica ressoa o Advento: Deus aproxima-se em Cristo, e o Espírito suscita um povo em saída, obediente na fé e generoso no testemunho.

À luz de Mateus, a figura de José ocupa o centro da contemplação litúrgica: justo, silencioso, temente a Deus, ele atravessa a noite da perplexidade e se abre ao sonho que revela o modo de Deus agir. A assembleia vê nele o homem que não se agarra ao próprio plano, mas discerne; que não expõe Maria à vergonha, mas uma protegida; que, ouvindo o anjo, acolhe o impossível de Deus como verdade mais firme que suas evidências. “Não tenha medo de Maria, por sua esposa”: A liturgia recorda que o Advento pede essa coragem mansa que acolhe o mistério, dá passos concretos e põe nome novo às circunstâncias: “Ele salvará o seu povo dos seus pecados”. Emanuel, Deus conosco, não chega por clarins de glória, mas pelo consentimento que nasce na escuta. José levanta-se e faz como o anjo ordenara; sua conformidade torna-se portal para a chegada de Salvador.

Entre a saudação apostólica de Paulo e o sim operoso de José, a Igreja é convidada a reconhecer sua própria identidade e tarefa. Chamada a ser “de Jesus Cristo”, ela aprendeu que a santidade não é isolamento, mas disponibilidade que gera comunhão: abrir casa e história para que o Emanuel habite. A obediência da fé se traduz em gestos: reconciliações buscadas, escuta paciente nas famílias, honestidade no trabalho, atenção aos pobres, pureza de coração nos afetos. Como José, a comunidade é chamada a perceber a presença de Cristo no seu meio, discernindo entre medos que paralisam e respeito santo que conduz. E como Paulo, todos somos enviados para anunciar que o Evangelho é poder de Deus que salva, cura culpas, reordena passos e dá nome novo à esperança.

Por fim, a assembleia suplica a graça de viver estes dias à maneira de José: com silêncio que escuta, justiça que cuida e obediência que age. Que a Palavra recebida como promessa em Romanos floresça em missão concreta, e que o nome de Jesus, pronunciado sobre a comunidade, seja refúgio e impulso. A liturgia pede que o “Deus conosco” encontre em cada casa um lugar preparado: no ritmo da oração, na sobriedade das escolhas, na delicadeza com os pequenos, na confiança diante do que excede o controle. Assim, quando vier a plenitude do tempo celebrado no Natal, a Igreja poderá levantar-se, como José, e fazer conforme o Senhor ordena, tornando visível, no meio do mundo, a graça e a paz que procedem do Pai e do Filho.

 

HOMILIA PARA O DIA 14 DE DEZEMBRO DE 2025 - 3º DOMINGO DO ADVENTO

 

DEUS VEM NOS SALVAR

No cenário profético de Isaías somos convidados a contemplar a promessa de Deus que faz florescer o deserto e transformar a aridez no jardim. A liturgia anuncia que a criação inteira participa da alegria da visita divina: o chão menos ressecado, o medo ganha voz, as mãos frouxas se reanimam, os joelhos vacilantes reencontram firmeza. É o próprio Deus que vem com retribuição e recompensa, não para esmagar, mas para salvar, abrir olhos e ouvidos, soltar línguas e passos, e conduzir o povo pela “estrada santa”, onde os resgatados avançaram entre cantos. A comunidade dominical é chamada a ver com fé os sinais dessa primavera da graça e a acolher, no hoje da história, o Deus que consola e refaz. Não se trata de fantasia religiosa, mas da força real do Senhor que, quando acolhido, converte luto em dança, desamparo em pertença, dispersão em peregrinação festiva rumo a Sião.

À luz de Mateus a voz do Batista, enclausurada, envia perguntas que ecoam no coração da Igreja: “É você aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?” A liturgia aponta nessa pergunta a oração de todos os que, entre prisões visíveis e invisíveis, buscam certeza e consolação. E o Senhor responde não com teoria, mas com obras: cegos veem, coxos andam, leprosos são purificados, surdos ouvem, mortos se levantam, e aos pobres é anunciado o Evangelho. A comunidade aprende que o Messias se identifica pelos sinais de misericórdia e pelo primado dos pequenos, e que a bem-aventurança passa por não se escandalizar de sua mansão. João é declarado grande, profeta é mais que profeta, e ainda assim a liturgia ressalta o paradoxo do Reino: o menor é maior, porque tudo é dom e participação na vida do Cristo. A assembleia, portanto, é convidada a considerar que o Senhor se apresenta nos sinais discretos que brotam onde a compaixão se torna prática.

Entre a promessa da terra que floresce e o testemunho das obras do Cristo, o evangelho aponta o caminho da fidelidade concreta. Converter-se, neste Domingo, é permitir que a esperança molde escolhas, para que os desertos pessoais e comunitários encontrem água: reconciliações assumidas com coragem, cuidado diligente com os pobres e vulneráveis, presença junto aos enfermos, palavra que cura e não fere, compromisso com a justiça que devolve dignidade. A estrada santa de Isaías se pavimenta com passos de caridade, e os sinais de Mateus se perpetuam na Igreja quando ela serve sem vanglória e anuncia sem excluir. A comunidade é chamada a sustentar os que vacilam, a fortalecer mãos cansadas, a encorajar corações temerosos com o evangelho da proximidade de Deus. Assim, a promessa se torna experiência e o Advento deixa de ser apenas espera para voltar a ser participação na chegada do Reino.

Por fim, a assembleia é convidada a celebrar com gratidão aquele que vem e já está no meio dela, pedindo a graça de não se escandalizar do estilo humilde de Deus. A liturgia suplica olhos abertos para ver os sinais, ouvidos atentos para considerar a voz, pés disponíveis para caminhar na via da santidade e da missão. Que o testemunho de João inspire coragem profética para a comunidade entender que sua pequenez é sinal da grandiosidade daquele que vem. E que a promessa de Isaías sustente a alegria do povo redimido, que retorna a Sião entre cantos, com júbilo eterno sobre a cabeça. Alimentada pela Palavra e pela Eucaristia, a Igreja sai deste Domingo com uma mensagem de consolação, levando ao mundo a notícia: Deus vem, e com Ele o deserto floresce e os pobres recebem boa nova.

 

HOMILIA PARA O DIA 07 DE DEZEMBRO DE 2025 - 2º DOMINGO DO DVENTO

 

O SENHOR É JUSTO JUIZ

No horizonte traçado por Isaías 11,1-10,  contemplamos o broto que desponta do tronco de Jessé, sinal de uma esperança que vence a paisagem estéril do exílio e da desilusão. A liturgia aponta para Aquele sobre quem está relacionado ao Espírito do Senhor: espírito de sabedoria e discernimento, de conselho e fortaleza, de ciência e temor do Senhor. Não se trata de um poder que impõe, mas de uma presença que pacifica, reordena, reconcilia. A justiça do Ungido nasce da proximidade com os pobres e do juízo reto que não se deixa comprar pelas aparências; seus lábios ferem a mentira e sua cintura está cingida de fidelidade. Diante desse retrato messiânico, o povo de Deus é chamado a deixar-se regenerar por essa seiva nova, aceitando que Cristo seja a raiz e a régua de todos os critérios. Onde Ele reina, o lobo habita com o cordeiro e nasce uma ética de cuidado que desfaz rivalidades; a paz não é utopia ingênua, mas fruto do conhecimento do Senhor que enche a terra como as águas cobrem o mar.

À luz de Mateus a voz austera de João Batista corta a barreira das obrigações e convoca a conversão. No deserto, onde cessam os ruídos e caem as máscaras, ele prepara um povo para o encontro com o Mais Forte, Aquele que batiza no Espírito Santo e no fogo. A liturgia recorda que não basta a linhagem nem os títulos religiosos: Deus pode suscitar filhos de Abraão das pedras, e o machado já está posto à raiz das árvores. A chamada é concreta: produzir frutos dignos de conversão, deixar a fé ganhar corpo em escolhas, relações e prioridades. A comunidade dominical é convidada a discernir: que frutos oferecem ao Senhor? O Evangelho não negocia com a duplicidade; o trigo e a palha serão distinguidos pelo Crivo do Messias, e o fogo que consome a palha é o mesmo ardor que purifica e acende a caridade nos corações disponíveis.

Entre a promessa de Isaías e a urgência de João, a liturgia faz ver que a conversão não é um moralismo pesado, mas adesão ao Rei manso e justo, cujo Espírito recria a humanidade por dentro. Converter-se é mudar o ponto de apoio: sair do centro para que o Broto seja a raiz; substituir a lógica do poder pela lógica do serviço; trocar o medo pela confiança em Deus que julga para salvar e corrigir para curar. A comunidade, ao ouvir hoje, é chamada de práticas que tornam visíveis o Reino da paz: justiça nas relações de trabalho, honestidade nos negócios, reverência pela vida frágil, reconciliação nas famílias, cuidado com a casa comum. O “temor do Senhor” cantado por Isaías não paralisa, orienta; enraíza a sabedoria que não se ilude com as aparências e se empenha pelos últimos. Onde o Messias governa, a violência perde a razão, a palavra se torna veraz, e as diferenças deixam de ser ameaça para voltar a ser encontro.

Por fim, somos convidados a acolher o Batizador que vem atrás de João, deixando-se tocar pelo Espírito que desce e pelo fogo que purifica. O Advento, tempo de espera ativa, pede passos visíveis: confessionário procurado com humildade, reconciliações assumidas com coragem, generosidade que partilha, oração que reabre a escuta. A comunidade pode receber o cinto da justiça e da fidelidade, para atravessar estes dias com sobriedade e esperança. O Mais Forte já está presente, e a pá está na mão: não para aterrorizar, mas para separar em nós o que é trigo do que é palha, para que nada se perca do que nasceu de Deus. Que, alimentada pela Palavra e antecipada na Eucaristia, a Igreja saia do deserto como povo preparado, trazendo no rosto a paz do Reino e nas mãos os frutos que o Senhor merece.

 

quinta-feira, 27 de novembro de 2025

HOMILIA PARA O DIA 30 DE NOVEMBRO - 1º DOMINGO DO ADVENTO

DISCERNIR EM ORAÇÃO

Amados irmãos e irmãs, acolhendo o tempo do Advento, deixemo-nos interpelar pela exortação do Apóstolo: “Já é hora de despertardes do sono, porque a nossa salvação está agora mais perto do que quando abraçamos a fé” (Rm 13,11). A noite vai adiantada, o dia vem chegando; por isso, despojemo-nos das obras das trevas e revistamo-nos das armas da luz, caminhamos com dignidade, como convém aos filhos do Dia. Neste santo itinerário, a Igreja nos registra que não avançamos sozinhos: somos povo em marcha, peregrinos do mesmo Senhor, sustentados pela Palavra e pelo pão do altar. A vigilância que São Paulo nos propõe não é tensão estéril, mas disciplina amorosa que nos congrega, purificando afetos, ordenando desejos e dispondo o coração para a vinda d'Aquele que é a Luz verdadeira.

No Evangelho, o Senhor nos alerta: “Como foi nos dias de Noé, assim aconteceu na vinda do Filho do Homem” (Mt 24,37). Enquanto muitos viviam distraídos, comendo e bebendo, alheios ao tempo favorável da graça, o dilúvio sobreveio. Assim também agora: a indiferença espiritual ameaça dispersar os rebanhos, enfraquecer os laços e destruir a esperança. Por isso, vigiai! A vigilância evangélica não é medo, mas amor atento, que detecta os sinais discretos da presença de Deus no cotidiano. Caminhar juntos no Advento é aprender a ouvir em comum a voz do Pastor, discernindo, em comunidade orante, o compasso da misericórdia que nos convoca à conversão e à esperança, para que nenhum se perca na distração que isola, e todos encontremos refúgio na arca da Igreja.

“Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo” (Rm 13,14a): eis a veste nupcial para o encontro que se aproxima. Revestir-se de Cristo é assumir seus sentimentos, suas atitudes e seu modo de amar, deixando para trás a roupa gasta das rivalidades, das invejas e da complacência com o pecado. É no “nós” eclesial que essa túnica se tece: na caridade que se faz serviço, na paciência que sustenta o fraco, na correção fraterna que cura, na partilha que multiplica a esperança. Quando a comunidade se reveste do Senhor, a noite perde força, e o clarão da aurora visita nossas casas, reacendendo o ardor da fé, a sobriedade dos costumes e a alegria de esperar. O Advento, então, torna-se escola de santidade comum: juntos aprendendo a vigiar, juntos aprendendo a amar.

Enfim, “ficai preparado, porque o Filho do Homem virá na hora em que menos pensais” (Mt 24,44). Preparar-se é ordenar a vida ao Reino: acender a lâmpada da oração, aquecer o azeite da caridade, abrir as portas da reconciliação. É deixar que o Senhor nos encontre com os pés no caminho e mãos no serviço, coração e olhos na promessa. Caminhamos, pois, como Igreja sinodal, passo a passo, sustentando-nos mutuamente, para que a Vinda não nos surpreenda dispersos, mas congregados ao redor d'Aquele que vem. Que este Advento seja para nós tempo de despertar, de vigília e de comunhão, e que, sob o manto da Mãe da Esperança, esperamos apressar a aurora do Cristo, Sol nascente que nos visita. Amém.

 


quinta-feira, 20 de novembro de 2025

HOMILIA PARA O DIA 23 DE NOVEMBRO - SOLENIDADE DE CRISTO REI - FESTA DE SANTA CECÍLIA

 

JESUS, REI DOS REIS

No alto da cruz, enquanto o povo olhava e os chefes zombavam, Jesus permanente Rei: não por coroas de ouro, mas pela coroa de espinhos; não por tronos de marfim, mas pelo lenho da cruz. “Salvou os outros; salve a si mesmo”, diziam, sem perceber que o verdadeiro poder é amar até o fim. No madeiro, o Cristo abre o Reino ao bom ladrão: “Hoje estarás comigo no Paraíso”. Ali se revela a vontade de Deus Pai: misericórdia que perdoa, soberania que se entrega, autoridade que se faz serviço.

Assim também Santa Cecília, jovem romana, escolheu risos e escárnios porque cantava louvores no coração ao Senhor. Não lhe faltaram zombarias nem violências; Procuravam abafar sua fé como se apagam brasas em banho ardente. Mas a melodia que ela elevou a Deus não se calou: transformou-se em testemunho que atravessa séculos, coroada não de aplausos humanos, mas da palma dos mártires. Em Cecília, a Igreja enxerga regularmente um reflexo do Rei escarnecido: firmeza mansa, amor jubiloso, fidelidade que não negocia  esperança.

Unidos à cruz de Cristo e ao cântico de Cecília, aprendendo que a verdadeira música do Reino nasce quando a caridade vence o medo. O mundo pode ridicularizar quem reza, quem perdoa, quem serve os pequenos; mas é nesse humilde compasso que Deus entoa sua vitória. Onde há zombaria, respondemos com vitória; onde há dureza, com mansidão; onde há trevas, com a luz da inspiração. O Rei triunfa quando seus discípulos permanecerem de pé, com o coração afinado pela Palavra e pelos sacramentos.

Por isso, no século XXI, os devotos de Santa Cecília assumem este compromisso: cantar a fé com a vida. Que nossas casas e comunidades sejam repletos de misericórdia; que nossas redes e ruas ressoem respeito, justiça e cuidado com os pobres; que o domingo nos encontre aos pés do Rei, na Eucaristia, e a semana nos veja periodicamente com alegria. Diante da zombaria, não calar; diante da violência, não responder com igual medida; diante da indiferença, perseverar no louvor. “Jesus, lembra-te de nós”: que este clamor faça de cada pessoa um pequeno instrumento nas mãos do Rei do Universo. Amém.

 

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

HOMILIAS PARA O DIA 16 DE NOVEMBRO DE 2025

SÓ DEUS É NOSSA ESPERANÇA

 

Irmãos e irmãs, reunidos na escuta da Palavra, contemplamos hoje o chamado firme e compassivo do Senhor. Paulo exorta a comunidade a não viver na ociosidade, mas a trabalhar com dignidade, para não ser peso aos outros e para ter o que partilhar. Não se trata apenas de ganhar o sustento, mas de cultivar uma vida coerente, responsável e fraterna, onde cada gesto cotidiano se torna louvor a Deus. A fé que professamos no altar deve se traduzir em compromisso concreto, em mãos que constroem, em corações que consolam, em passos que se apressam para o bem. É assim que a Igreja se torna casa de comunhão: quando ninguém cruza os braços diante da necessidade do irmão.

No Evangelho Jesus nos alerta para não colocar nossa confiança nas obras grandiosas deste mundo, por mais belas que pareçam. Templos, estruturas, seguranças humanas: tudo isso passa. O que permanece é a fidelidade do discípulo, sustentada pela graça, mesmo em meio a provações, incompreensões e lutas. “É na vossa perseverança que salvareis as vossas almas”, diz o Senhor. Perseverar não é endurecer o coração, mas mantê-lo firme no amor; não é fugir dos desafios, mas testemunhar a esperança quando tudo parece ruir. Diante das turbulências do tempo presente, a comunidade cristã é chamada a ser sinal de confiança serena: vigilante, orante, solidária.

Essa Palavra encontra eco luminoso na mensagem do Papa para o Dia Mundial dos Pobres. O Sucessor de Pedro recorda que os pobres não são números nem problemas a resolver, mas rostos a acolher, nomes a respeitar, histórias a amar. A ociosidade denunciada por Paulo contrasta com o empenho caridoso que o Papa nos pede: trabalhar não apenas por nós, mas com e pelos pobres; edificar não templos de pedra, mas casas de misericórdia; investir não em prestígio, mas em proximidade. A verdadeira segurança não está no acúmulo, mas na partilha; não no brilho das aparências, mas na luz humilde do serviço. Onde a caridade é operosa, ali a Igreja reflete o rosto de Cristo.

Supliquemos, portanto, a graça da perseverança e do labor generoso. Que cada família descubra no cotidiano a santidade simples do dever bem cumprido; que cada comunidade abra espaço para a amizade social, onde os últimos sejam os primeiros a serem cuidados; que os pobres encontrem em nós irmãos, não benfeitores distantes; e que, nas horas de prova, o Espírito nos dê palavras e gestos de esperança. Assim, trabalhando com as mãos e guardando o coração em Deus, construiremos um altar vivo na cidade, onde o Evangelho se faz pão repartido, e a vida, louvor. Amém.

HOMILIA PARA O DIA 09 DE NOVEMBRO DE 2025 - BASÍLICA DO LATRÃO

 

SOMOS TEMPLO E MORADA DE DEUS

Irmãos e irmãs amados, a Palavra hoje nos recorda que somos cooperadores de Deus, e que Ele mesmo lança o fundamento sobre o qual caminhamos, que é Cristo, pedra firme e segura, onde nosso passo cansado encontra direção e descanso, mesmo quando os ventos do mundo querem nos dispersar e confundir. São Paulo nos diz que não há outro alicerce além de Jesus, e isso significa que toda obra verdadeira na nossa vida nasce do amor de Deus e volta para Ele como oferta mansa e humilde, que alegra o coração e pacifica a casa interior. Quando aceitamos esse fundamento, nossas escolhas ganham luz, nossas dores encontram sentido, e nossas alegrias se tornam semente de esperança para os que caminham ao nosso lado, como quem partilha pão e água num deserto longo. Não construímos sozinhos, porque somos lavoura e edifício de Deus, e Ele, como bom mestre de obra, cuida das medidas do coração, aparando os excessos, firmando as colunas da fé, e abrindo janelas por onde entra o sopro do Espírito. Assim, não temamos os dias de prova, porque o Senhor conhece cada tijolo da nossa história e faz de nossa fraqueza um lugar onde sua força se revela, para que ninguém se glorie senão na graça.

O Evangelho nos mostra Jesus entrando no Templo, e, ao ver a casa do Pai transformada em mercado, acende-se nele o zelo que purifica, ordena e devolve o lugar ao seu verdadeiro sentido, que é ser morada de encontro, silêncio e louvor. A mesa da barganha não combina com a mesa da aliança, e o comércio do coração não convive com a gratuidade da misericórdia, porque o amor não se vende, o perdão não se pesa, e a presença de Deus não se negocia como moeda de interesse. Quando o Senhor derruba as bancas e solta as amarras, Ele não destrói a fé, mas a liberta das correntes que a impedem de respirar, de cantar e de servir com mãos limpas, como fonte que volta a jorrar água viva. Ele anuncia um Templo novo, erguido em três dias, falando do seu Corpo, que seria entregue por nós e ressuscitado para sempre, para que todo coração crente encontrasse abrigo seguro na Páscoa que não passa. Nesse gesto forte e terno, aprendemos que a verdadeira adoração nasce do interior, onde Deus quer habitar, e que toda reforma exterior só tem sentido quando acompanha a conversão do íntimo, onde Ele nos visita com paz.

Pelo batismo, irmãos, o Senhor nos fez templos do Espírito Santo, e isso quer dizer que em cada pessoa batizada há um altar onde a graça acende uma chama mansa, convidando à oração simples, ao perdão sincero e à caridade que não faz barulho, mas aquece a vida. Ser templo é cuidar da casa interior com respeito, como quem varre o chão da alma, tira o pó das mágoas, e abre as portas para que entre a luz, porque Deus gosta de morar em lugar arejado de confiança e esperança. É também vigiar contra as pequenas feiras que às vezes se levantam em nós, quando trocamos a fidelidade por vantagens, a verdade por conveniências, e o tempo de Deus por pressa, deixando que bancas estranhas ocupem o pátio sagrado do coração. O batismo nos dá a dignidade de filhos e a força de caminhar juntos, e a Igreja, como grande casa de família, sustenta nossos passos com a Palavra e a Eucaristia, para que não esqueçamos quem somos e para quem fomos feitos. Se somos templo, então nossos lábios sejam porta de bênção, nossas mãos sejam colunas de serviço, e nossos olhos, janelas por onde os outros possam ver um pouco do céu.

Por isso, peçamos hoje que Jesus, com seu zelo manso e decidido, visite nossa interioridade e derrube o que não é de Deus, para que o amor ocupe o centro e a paz faça morada, como brisa que consola e fortalece. Que Ele cure as rachaduras da nossa fé, una os tijolos quebrados da esperança, e unte com óleo novo as portas cansadas do coração, para que sejamos povo de luz no meio das sombras. Que cada família redescubra seu lar como pequeno santuário, onde a mesa é altar de partilha, a palavra é oração e o abraço é sacramento de consolo, tornando os dias mais simples e cheios de sentido. Caminhemos com coragem, porque o fundamento é Cristo, e quem constrói sobre Ele não se perde nas tempestades, nem desiste diante dos espinhos, pois sabe que a casa firme resiste e acolhe. E quando a noite chegar, que a chama do Espírito encontre em nós lugar aceso, para que, como templos vivos, possamos cantar baixinho: santo é o Senhor, Ele está aqui, Ele faz novas todas as coisas.