quinta-feira, 15 de outubro de 2020

HOMILIA PARA O DIA 18 DE OUTUBRO DE 2020 - 29º COMUM - ANO A

 

TODAS AS PESSOAS PERTENCEM A DEUS!

As redes sociais, o corre-corre do mundo contemporâneo tornou insignificante algumas realidades que marcaram profundamente a história da humanidade. Vamos nos colocar na condição de alguém que está recebendo uma carta, com longas declarações de afeto e noticias de uma pessoa que amamos. Ao abrir o envelope, nos deparamos com uma saudação mais ou menos assim: “Agradeço a Deus por ter lhe encontrado e fazer parte da minha vida. Lembro de você e rezo todos os dias recordando como você leva a sério tudo aquilo que acredita, sei do esforço que faz e da esperança que brota no seu coração, não tenho dúvidas que Deus mora na sua casa”.

Com palavras muito semelhantes é uma saudação com esse significado que Paulo faz na segunda leitura desse domingo: Damos graças a Deus por todos vós, lembrando-vos sempre em nossas orações. Diante de Deus, nosso Pai, recordamos sem cessar a atuação da vossa fé, o esforço da vossa caridade e a firmeza da vossa esperança em nosso Senhor Jesus Cristo. Sabemos, irmãos amados por Deus, que sois do número dos escolhidos”.

Neste trecho é possível perceber que os tessalonicenses são uma comunidade  que tem Deus no centro das suas preocupações e atividades. As dificuldades a as provações que experimentam não os impedem de se comprometer de maneira corajosa com os valores de Deus e do seu Reino. Trata-se de uma comunidade que coloca em prática aquilo que acredita.

Na primeira leitura temos uma comunidade escravizada e marginalizada em consequência dos erros cometidos no que se refere ao respeito e valorização das pessoas. O resultado da sua má conduta a levou, mais uma vez ao exílio. Neste caso Ciro, o rei da Pérsia aparece com instrumento de Deus e valorizando as pessoas que são propriedade divina liberta a comunidade de Israel de mais uma das suas fragilidades e inconsequências: “Isto diz o Senhor sobre Ciro, seu Ungido: 'Tomei-o pela mão, por causa de meu servo Jacó, e de meu eleito Israel, chamei-te pelo nome; para que todos saibam, do oriente ao ocidente, que fora de mim outro não existe. Eu sou o Senhor, não há outro”.

No Evangelho Jesus tem mais um confronto com os detentores do poder em Jerusalém. Estes para colocá-lo à prova lhe fazem uma pergunta sobre uma disciplina fiscal da sua época. Jesus não entra na jogada deles, pelo contrário, mostra com clareza até onde vai a insensatez dos chefes do povo e qual é a verdadeira condição que deve ser levada em consideração em relação a dignidade das pessoas: Os fariseus fizeram um plano para apanhar Jesus em alguma palavra. Dize-nos, pois, o que pensas: É lícito ou não pagar imposto a César?'  Jesus percebeu a maldade deles e disse: 'Hipócritas! Por que me preparais uma armadilha? Mostrai-me a moeda do imposto!' De quem é a figura e a inscrição desta moeda?' Eles responderam: 'De César.' Jesus então lhes disse: 'Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.

A Resposta de Jesus é objetiva, como se diz: ‘Curta e grossa’. Em outras palavras pode-se compreender a resposta de Jesus: “Não fujam das responsabilidades do mundo, mas não façam das pessoas objetos de modo que sejam transformadas em propriedade ilícita de quem não tem poder sobre elas”. A questão fundamental é esta: A pessoa pertence a Deus e sua referência fundamental é esta verdade.

Muitas vezes nós estamos também inquietos e inseguros com os acontecimentos do dia a dia, não percebemos o significado de muitas situações e por isso nem percebemos como Deus caminha ao nosso lado. Facilmente nos deixamos impressionar pelas dificuldades e coisas ruins que acontecem ao nosso redor e nos esquecemos do exemplo de tantas pessoas e comunidades que dão testemunho de fé, de amor e de esperança mostrando a presença de Deus no mundo.

Não nos esqueçamos, todos somos irmãos e temos responsabilidade no sentido de não permitir que ninguém seja maltratado, humilhado, explorado, instrumentalizado, diminuído em sua dignidade. Todos os dias somos chamados a “Dar a Deus o que é de Deus”!

Adorai-o no esplendor da santidade,
terra inteira, estremecei diante dele!
Publicai entre as nações: 'Reina o Senhor!'
pois os povos ele julga com justiça.

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

HOMILIA PARA O DIA 11 DE OUTUBRO DE 2020 - 28º COMUM - ANO A

 

BANQUETE E TRAJE DE FESTA

Estamos nos encaminhando para voltar a normalidade depois deste longo período de isolamento social. A esta altura as reflexões sobre o cuidado ganham contornos menos dramáticos e mais abrangentes. Quase todas as propostas para retomar o ritmo de vida levam em conta a necessidade de considerar que a sociedade precisa continuar colocando em prática alguns cuidados elementares para não provocar uma segunda onda de contágio, ao mesmo tempo não são poucos os convites para estar sempre alerta porque outras ameaças podem surgir a qualquer momento. Então, consideremo-nos todos convidados para a retomada, mas não esqueçamos os “trajes de festa”. Ora, porque o padre está falando isso de novo que está abundantemente  divulgado por todos os meios de comunicação?  Permitam-me fazer uma relação desta situação com a liturgia da Palavra deste domingo.

Na primeira leitura o profeta afirma: O Senhor dos exércitos dará neste monte, para todos os povos, um banquete de ricas iguarias, regado com vinho puro, servido de pratos deliciosos e dos mais finos vinhos... Naquele dia, se dirá: 'Este é o nosso Deus, esperamos nele, este é o Senhor, nele temos confiado”. Mas este não é um banquete que se pode chegar com as mãos abanando, isso é sem se comprometer com ele. Participar deste banquete consiste em fazer comunhão com os outros convidados e por consequência  com Deus. Ir ao lugar onde Deus preparou o banquete implica renunciar a muitas práticas que tínhamos quando ainda estávamos longe. Consiste em dar prioridade ao amor, aos valores do Reino: Acolhida, fraternidade, partilha, inclusão.

Na sequência deste convite lemos no Evangelho a parábola do banquete a qual nos  sugere agarrar o convite de Deus e não permitir que o cotidiano a que estávamos habituados volte a ocupar as nossas preocupações, ao mesmo tempo é preciso ir ao banquete “com uma roupa de festa”, ou seja, não continuar com as mesmas práticas de outrora. Para isso vale a exortação do Papa Francisco em relação a retomada depois da pandemia. Diz Ele: não podemos retomar mecanicamente, é preciso recomeçar fraternalmente! No caso do Evangelho os que não aceitaram o convite são aqueles que deliberadamente preferem continuar tudo do mesmo jeito, como se estava construindo até agora. Quem aceita o convite para o banquete são todos os que compreendem seus limites, seu pecado, sua fragilidade, mas apesar disso tem um coração disponível para Deus e para os desafios que Ele faz isso significa “vestir-se com roupas de festa”. Ir para a festa de Deus não é um convite que se recebeu uma vez na vida e que se responde uma única vez. Pelo contrário é um convite que vai se repetindo diariamente e para o qual é sempre necessário uma nova roupa de festa que significa uma coerência contínua e diária.

E coerência diária e contínua é que ensina São Paulo na segunda leitura: Sei viver na miséria e sei viver na abundância. Eu aprendi o segredo de viver em toda e qualquer situação, estando farto ou passando fome, tendo de sobra ou sofrendo necessidade. Tudo posso naquele que me dá força. No entanto, fizestes bem em compartilhar as minhas dificuldades. O meu Deus proverá esplendidamente com sua riqueza a todas as vossas necessidades, em Cristo Jesus. Ao nosso Deus e Pai, a glória pelos séculos dos séculos. Amém”.

Numa sociedade que convida e facilita o egoísmo, a autossuficiência, a preocupação somente com os próprios interesses somos desafiados a aceitar o convite vestindo diariamente o traje de festa que significa uma partilha de alegrias e solidariedade que não deixe ninguém excluído. Neste contexto sim, podemos rezar o salmo:


O Senhor é o pastor que me conduz;*
não me falta coisa alguma.
Pelos prados e campinas verdejantes*
ele me leva a descansar.
Para as águas repousantes me encaminha,*
e restaura as minhas forças.

Ele me guia no caminho mais seguro,*
pela honra do seu nome.
Mesmo que eu passe pelo vale tenebroso,*
nenhum mal eu temerei;
estais comigo com bastão e com cajado;*
eles me dão a segurança!

Preparais à minha frente uma mesa,*
bem à vista do inimigo,
e com óleo vós ungis minha cabeça;*
o meu cálice transborda.


 

 

 

 

 

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

HOMILIA PARA O DIA 04 DE OUTUBRO DE 2020 - 27º COMUM - ANO A

 

VISITAI A VOSSA VINHA E PROTEJEI-A

Certamente todos já investimos esforços, recursos, parcerias com projetos e empreendimentos com os quais nos decepcionamos ou que não deram o resultado esperado. Muitas vezes também acreditamos em pessoas, instituições, grupo políticos e até numa amizade ou num amor que éramos capazes de “colocar a nossa mão no fogo” sobre a retidão e a seriedade da outra parte. De repente, “quebramos a cara”, todos os nossos esforços e a nossa confiança caem por terra e nos damos conta que fomos iludidos. Pois é exatamente essa a mensagem central da Palavra de Deus nesse domingo.

Usando figuras de linguagem, tanto o profeta, quanto Jesus Cristo falam de uma desilusão, uma decepção extraordinária de alguém que não corresponde a tudo o que foi investido, ou a confiança que havia merecido.

Isaias usa a figura de uma vinha e do cuidado que o empreendimento exige fazendo uma comparação com o povo de Israel e tudo o que Deus realizou em seu favor, cujo resultado foi desastroso. Depois de descrever tudo o que proprietário fez e o resultado obtido, o profeta conclui: Pois bem, a vinha do Senhor dos exércitos é a casa de Israel,
e o povo de Judá, sua dileta plantação; eu esperava deles frutos de justiça - e eis injustiça; esperava obras de bondade - e eis iniquidade”.

No Evangelho, de novo hoje, Jesus fala aos sumos sacerdotes e aos chefes do povo, contando uma parábola os deixa encabulados e forçados a responder exatamente o contrário do que era a sua prática: Os sumos sacerdotes e os anciãos do povo responderam: 'Com certeza mandará matar de modo violento esses perversos e arrendará a vinha a outros vinhateiros, que lhe entregarão os frutos no tempo certo.' Então Jesus lhes disse: 'Vós nunca lestes nas Escrituras: a pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular; isto foi feito pelo Senhor e é maravilhoso aos nossos olhos? Por isso eu vos digo: o Reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que produzirá frutos”.

A questão fundamental que Jesus sugere nesta parábola tem a ver com a coerência, com a seriedade do compromisso assumido. Ninguém é obrigado a aceitar a proposta do Reino, mas uma vez dito o sim não dá para fazer corpo mole, desculpas esfarrapadas, falta de coerência, comodismo.

Ontem, como hoje, com o povo de Israel ou conosco, Deus estabelece constantemente uma relação de amor e de fidelidade, nos protege ao longo da jornada, oferece condições para produzir fraternidade, bem querer, cuidado, respeito, honestidade, seriedade e por ai vai... A história do amor de Deus para com a “sua vinha” continua a se repetir hoje. A 1ª leitura é um convite, um desafio e uma pergunta dirigida a cada um de nós: Eu tenho consciência desse amor de Deus? Tenho um coração aberto aos seus dons?  Tenho produzidos frutos de coerência, bondade, justiça, misericórdia? Tenho me comportado como alguém responsável e cuidadoso para com toda a obra que Deus me disponibiliza?  Esperamos que apenas os outros produzam frutos ou sou também uma pessoa ativa na transformação do mundo e na prática de tudo aquilo que acredito?

Peçamos a graça e coragem de sermos justos, honestos, cuidadosos, coerentes. Que nossa oração seja o resultado de nossa ação, e que a Eucaristia que recebemos, a Palavra que ouvimos e a participação na assembleia dominical nos ajudem a nunca sermos causa de decepção para as pessoas e nem tampouco ao projeto que Deus tão cuidadosamente colocou em nossas mãos.

Para isso servem as palavras de São Paulo na carta aos filipenses que ouvimos na segunda leitura: “Praticai o que aprendestes e recebestes de mim, ou que de mim vistes e ouvistes. Assim o Deus da paz estará convosco”.

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

HOMILIA PARA O DIA 27 DE SETEMBRO DE 2020 - 26º COMUM - ANO A

 

MOSTRAI-NOS Ó SENHOR VOSSOS CAMINHOS

Estamos entrando num período eleitoral e neste tempo, pipocam nas redes sociais propagandas de todos os tipos e de distintos candidatos. A nossa reação normal é fazer julgamentos ou mais comumente logo encaminhar para os nossos contatos.  Em ambos os casos é normal a reação com as seguintes palavras: Em tempo de política todos se lembram da gente; ou este ou aquele candidato não é uma pessoa de palavra, não se pode confiar no que ele promete!  Ora, é sobre “ser uma pessoa de coerência” que trata a liturgia da Palavra deste domingo.

O povo de Israel passava por uma dura provação vivendo no exílio. O profeta Ezequiel insiste com eles para que não tenham medo de se comprometer, sem meias palavras, sem desculpas, sem promessas vazias, mas aceitando com determinação e coerência aquilo que expressam com a boca. Expulsos da sua terra e das suas cidades, com sua religião colocada a prova, a comunidade estava tentada a encontrar culpados e a responsabilizar alguém por sua desgraça, mas Ezequiel é muito claro: Não se trata de encontrar culpados, antes cada pessoa é responsável por uma parte daquilo que acontece com todos. À medida que cada um assume a sua parte e se empenha em modificar o seu estilo de vida a comunidade inteira pode tomar outro rumo.

A mesma coisa se percebe no evangelho no diálogo do pai com os dois filhos. Na prática aquele que parecia irresponsável é o que cumpre a vontade do pai. Isso reforça o pedido do profeta, é necessário ser uma pessoa coerente, ou seja, que cumpre aquilo que diz! É extraordinária a conversa de Jesus com seus interlocutores: “Qual dos dois fez a vontade do pai?' Os sumos sacerdotes e os anciãos do povo responderam: 'O primeiro.' Então Jesus lhes disse: 'Em verdade vos digo, que os publicanos e as prostitutas vos precedem no Reino de Deus. Porque João veio até vós, num caminho de justiça, e vós não acreditastes nele. Ao contrário, os publicanos e as prostitutas creram nele. Vós, porém, mesmo vendo isso, não vos arrependestes para crer nele”. O elogio de Jesus não é para a condição de pecado destes últimos, mas pela aceitação da conversão. A repreensão que Jesus dá aos sacerdotes e sábios do seu tempo pode ser aplicada também a nós. Muitas vezes merecemos o título que o Papa Francisco muito bem aplicou: “Cristãos papagaios” que falam muito, rezam bastante, se dirigem insistentemente clamando “Senhor, Senhor”, mas não vivem aquilo que supostamente acreditam. A pergunta que precisa ser respondida por cada cristão contemporâneo poderia ser mais ou menos assim: O jeito como pratico a religião me aproxima do jeito de ser de Jesus, ou até mais simples um pouco: As minhas orações me fazem agir semelhante a qual dos dois filhos da parábola? Certamente nos assemelhamos muitas vezes ora ao primeiro, ora ao segundo filho do Evangelho, alternamos, em nosso dia a dia, momentos de fraqueza e fragilidade com momentos de coerência e de responsabilidade.

Talvez seja pedir muito, entretanto, a exortação de São Paulo aos filipenses parece ter sido escrita para cada um de nós: “Nada façais por competição ou vanglória, mas, com humildade, cada um julgue que o outro é mais importante, e não cuide somente do que é seu, mas também do que é do outro. Tende entre vós o mesmo sentimento
que existe em Cristo Jesus. Jesus Cristo, existindo em condição divina, não fez do ser igual a Deus uma usurpação, mas ele esvaziou-se a si mesmo”.

Cultivar os mesmos sentimentos de Jesus implica em não se considerar melhor que os outros, mais perfeitos, menos pecadores, nem precisa se fazer notar pelas muitas orações, por nossas roupas ou adereços que ostentem o título de cristão que frequentemente fazemos questão de apresentar em praça pública. O pedido de São Paulo para nos colocar na estrada da humildade não é outro senão aquele que rezamos no salmo:

Mostrai-me, ó Senhor, vossos caminhos,*
e fazei-me conhecer a vossa estrada!
Vossa verdade me oriente e me conduza,
porque sois o Deus da minha salvação;*
em vós espero, ó Senhor, todos os dias!

 

 

 

 

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

HOMILIA PARA O DIA 20 DE SETEMBRO DE 2020 - 25º DOMINGO COMUM - ANO A

 

A LÓGICA DE DEUS

Se tem uma coisa que estamos acostumados são disputas familiares entre os irmãos com argumentos do tipo: “Ele é um rapa de tacho... A mãe gosta dele e não gosta de mim... O pai tem seu filho preferido...” Quer ver quando é filho único a especialidade dele é jogar o pai contra a mãe  e vice-versa, sempre com argumentos de preferência em relação a todas as suas vontades. Na verdade, salvo raras exceções, os pais sempre tratam os filhos com justiça e equidade, não necessariamente com igualdade, mas cuidam deles segundo as suas necessidades.

Dito isto é muito fácil compreender a Palavra de Deus deste domingo.  A começar pela primeira leitura: “Meus pensamentos não são como os vossos pensamentos e vossos caminhos não são como os meus caminhos, diz o Senhor. Estão meus caminhos tão acima dos vossos caminhos e meus pensamentos acima dos vossos pensamentos, quanto está o céu acima da terra”. O profeta faz um convite a refletir sobre a ideia que nós fazemos de Deus, a qual quase sempre é feita segundo nosso juízo e vontade, ou seja, gostaríamos de um Deus  que fizesse todas as coisas na  hora e do jeito que nós queremos. Um Deus que funcione dentro dos nossos esquemas mentais.  Para que isso aconteça criamos todo tipo de negociação e arranjos pensando com isso diminuir a distância entre nossas vontades e a equidade necessária entre as pessoas, como aquela que estabelecem os pais na relação com os filhos.

A parábola de misericórdia contada no Evangelho deste domingo é igualmente um desafio em relação aos nossos esquemas de meritocracia a que estamos habituados ou gostaríamos que fosse praticado também na relação com Deus: “Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualaste a nós, que suportamos o cansaço e o calor o dia inteiro”. Quer ver quando se trata de ser atendido nas demandas que apresentamos a Deus. “Eu não entendo porque eu rezo tanto e Deus parece que não me ouve... fulano nunca vem pra Igreja e pra ele tudo dá certo”. Na volta da pandemia então é que se poderá perceber ainda mais as queixas em relação ao acolhimento daqueles que supostamente são menos merecedores dos serviços da Igreja. Fulano nem fez o curso de batismo e já pode batizar, beltrano nunca participou da catequese online e vai fazer a primeira comunhão, aquele outro nunca mais veio a missa e agora já aparece pra se casar... e assim por diante. Como gostaríamos que as coisas de Deus fossem medidas segundo nossos interesses e juízos. Tal como em uma família não são as qualidades que tornam um filho mais merecedor que o outro, mas as necessidades fazem com que os pais tratem a todos de acordo com aquilo que precisam. Essa é também a lógica de Deus: “Quando chegou a tarde, o patrão disse ao administrador: `Chama os trabalhadores e paga-lhes uma diária a todos, começando pelos últimos até os primeiros”. Entrar na dinâmica do Reino implica perceber as diferentes necessidades de cada pessoa e deixar Deus agir segundo a sua misericórdia.

Afinal é isso que rezamos no Salmo:

Misericórdia e piedade é o Senhor,
ele é amor, é paciência, é compaixão.
O Senhor é muito bom para com todos,
sua ternura abraça toda criatura.

 

 

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

HOMILIA PARA O DIA 13 DE SETEMBRO DE 2020 - 24º COMUM - ANO A

 

CERCAR-SE DE CARINHO E COMPAIXÃO

Não é difícil perceber como todas as nossas forças, capacidades, sabedoria, recursos econômicos, e mil outras formas de se considerar capaz para resolver todos os problemas e superar todas as provações e provocações que a vida nos oferece caem por terra.  Por conta da nossa suposta onipotência vamos criando soluções que nada solucionam ou como se diz popularmente “estamos enxugando gelo”, e as alternativas que parecem estar ao alcance da mão nunca chegam. É nestes momentos que a palavra de São Paulo, na segunda leitura deste domingo, parece ter sido escrito para o nosso tempo: “Ninguém dentre nós vive para si mesmo ou morre para si mesmo. Se estamos vivos, é para o Senhor que vivemos; se morremos, é para o Senhor que morremos. Portanto, vivos ou mortos, pertencemos ao Senhor”.

A mensagem que Paulo deixa para todos se resume em poucas palavras: “a única coisa importante e decisiva é Jesus Cristo, sua palavra, seu ensinamento, seu jeito de ver e fazer as coisas, é a Ele que pertencemos”.

Internalizar essa verdade e viver para Cristo é um processo que a gente vai fazendo ao longo da vida, não é uma solução que encontramos num passe de mágica. Viver com menor sofrimento as debilidades que a vida nos apronta ou que nós aprontamos para a vida implica sabedoria que o autor da primeira leitura foi muito feliz ao nos dizer: “O rancor e a raiva são coisas detestáveis... Se alguém guarda raiva... Se não tem compaixão, como poderá pedir perdão dos seus pecados?” Quanto mais dificuldades colocamos para perdoar, maiores serão os sofrimentos aos quais nós mesmos estamos sujeitos. E isso fica obvio no texto do Evangelho.

Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?'... Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete”.  E na sequência conta a parábola de alguém que foi perdoado e não soube perdoar.  O texto do evangelho deixa muito claras duas atitudes fundamentais para quem se reconhece e percebe que não é o dono nem de si mesmo: perdoar e reconciliar. Não há outra coisa capaz de nos conduzir para soluções duradouras e felizes.  Agir nas relações humanas com o coração de Deus é uma condição sem a qual não vamos a lugar nenhum. É isso que rezamos no salmo sugerido para esse domingo:

O Senhor é bondoso, compassivo e carinhoso.


1Bendize, ó minha alma, ao Senhor,
e todo o meu ser, seu santo nome!
2Bendize, ó minha alma, ao Senhor,*
não te esqueças de nenhum de seus favores!

3Pois ele te perdoa toda culpa,*
e cura toda a tua enfermidade;
4da sepultura ele salva a tua vida*
e te cerca de carinho e compaixão.

9Não fica sempre repetindo as suas queixas,*
nem guarda eternamente o seu rancor.
10Não nos trata como exigem nossas faltas,*
nem nos pune em proporção às nossas culpas.

11Quanto os céus por sobre a terra se elevam,*
tanto é grande o seu amor aos que o temem;
12quanto dista o nascente do poente,*
tanto afasta para longe nossos crimes.

 

 

 

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

HOMILIA PARA O DIA 06 DE SETEMBRO DE 2020 - 23 º COMUM - ANO A

 

NÃO FIQUEM DEVENDO NADA A NINGUÉM

A última frase da carta de São Paulo proclamada na liturgia deste domingo diz assim: “O amor não faz nenhum mal contra o próximo. Portanto, o amor é o cumprimento perfeito da Lei”. Ele faz esta afirmação depois de recordar os mandamentos que traduzidos para a atualidade significa preocupar-se com o bem estar de todos.

Uma das exigências contemporâneas consiste em superar a indiferença e cuidar do próximo. Tanto a primeira leitura quanto o evangelho apresentam uma maneira de prestar atenção e de cuidar das pessoas.

Ao sugerir a correção fraterna como um caminho necessário os dois textos permitem entender que se trata de ganhar as pessoas para a vida e não ganhar das pessoas.

Amar e cuidar implica na capacidade de incluir, recuperar, procurar e buscar. O êxito desta tarefa nunca é uma atitude solitária, antes conta sempre com a participação da comunidade que abre espaço e se abre para o perdão e a vida fraterna como se canta no salmo:

 Vinde adoremos e prostremo-nos por terra,
e ajoelhemos ante o Deus que nos criou!
Porque ele é o nosso Deus, nosso Pastor,
e nós somos o seu povo e seu rebanho,
as ovelhas que conduz com sua mão”.

A figura descrita na primeira leitura não se trata de uma pessoa que está vigiando a vida alheia. Pelo contrário, o profeta, faz uma analogia com a responsabilidade das forças de segurança numa cidade cuja finalidade é perceber e vigiar para que nada ali aconteça em dissonância com os projetos de Deus e com o aviltamento da dignidade das pessoas. Ou seja, diante do sofrimento e das ameaças contra a vida aquele que ama não pode ficar indiferente.

Na mesma direção Jesus insiste no Evangelho na missão que todos temos para estabelecer um diálogo fraterno e acolhedor que não condene o pecador, mas que facilite sua reinserção na sociedade por meio do amor misericordioso e compassivo. É nisto que se resumem todos os mandamentos e que São Paulo afirma ser a única dívida realmente importante e que devemos tratar de saldá-la sem demora: Não fiqueis devendo nada a ninguém, a não ser o amor mútuo, - pois quem ama o próximo está cumprindo a Lei”.

Peçamos a graça de transformar nossas famílias, nossas comunidades, e todas as nossas relações em oportunidades para que se possam ver as marcas do amor. De tal modo que todos proclamem: “Vejam como eles se amam”.

Reunidos fisicamente, ou pelas redes sociais somos alimentados pela Palavra, pela Eucaristia e pela Oração comunitária e solidária. Juntos vamos construindo um lugar onde as pessoas seguem Jesus Cristo superam seus erros e fraquezas ganhando sempre mais irmãos ao longo do caminho e de cada circunstância. Então sim podemos cantar de novo:

Vinde, exultemos de alegria no Senhor,
aclamemos o Rochedo que nos salva!
Ao seu encontro caminhemos com louvores,
e com cantos de alegria o celebremos”.

 

 

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

HOMILIA PARA O DIA 30 DE AGOSTO DE 2020 - 22º COMUM - ANO A

 

SEDUZISTE-ME SENHOR

Provações, dificuldades, contrariedades, desilusão e uma lista infinita de sofrimentos fazem parte do nosso cotidiano. Muitas vezes a gente se empenha de corpo e alma em alguma tarefa ou empreendimento e de repente parece que todos os esforços foram em vão e todas as nossas boas intenções vão por água abaixo. Temos a impressão que estamos sozinhos e com vontade de desistir de tudo e de todos.

Pois é esse o sentimento do profeta Jeremias narrado na primeira leitura: Sentiu o chamado para a profecia desde muito cedo, abraçou a causa e exerceu de modo apaixonado e com todas as suas forças. No texto de hoje ele se descreve como alguém que foi “iludido” por Deus: Seduziste-me, Senhor, e deixei-me seduzir; foste mais forte, tiveste mais poder. Tornei-me alvo de irrisão o dia inteiro, todos zombam de mim. Todas as vezes que falo, levanto a voz, clamando contra a maldade e invocando calamidades; a palavra do Senhor tornou-se para mim fonte de vergonha e de chacota o dia inteiro”.

Sua fala reflete a de alguém desiludido entregue aos insultos e zombaria dos adversários diante dessa realidade está decidido a abandonar tudo: Não quero mais lembrar-me disso nem falar mais em nome dele”.

Entretanto a paixão pela causa a que ele se dedicou, a força do chamado que Deus lhe dirige não lhe permitem que desista das suas boas obras, ainda que estas lhe custem sofrimento e dor: Senti, então, dentro de mim um fogo ardente”.

De alguma maneira, a história de Jeremias é a história de todos aqueles que Deus chama para ser profeta e para isso ter a coragem de enfrentar injustiça, opressão, interesses egoístas. Aceitar a Palavra de Deus e deixar-se seduzir por ele não é um caminho de glórias, de facilidade, de aplausos e triunfos.

Exatamente o que aconteceu com Jeremias se repete muito mais tarde com Jesus. Jesus começou a mostrar a seus discípulos que devia ir à Jerusalém e sofrer muito da parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos mestres da Lei.” Jesus tem consciência que sua missão é difícil e exigente, mas com a mesma convicção do profeta não se deixa abater nem tampouco sofrer influências para mudar seus planos. Quando Pedro lhe propõe uma alternativa mais cômoda Ele recusa com firmeza: “Tu és para mim uma pedra de tropeço, porque não pensas as coisas de Deus, mas sim as coisas dos homens!”

E na sequência Jesus dirige um convite provocativo para todos os que sentem a Palavra de Deus arder no seu coração: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la. De fato, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua vida? O que poderá alguém dar em troca de sua vida.”

Então, também para os cristãos na atualidade o desafio é desconsiderar as preocupações que os fazem olhar apenas para o seu interior, para as próprias necessidades, vantagens, sonhos e projetos pessoais. Desconsiderar segurança, bem estar, êxito, triunfo, aplausos e fazer de sua existência um dom generoso às pessoas e a Deus.

O verdadeiro discípulo de Jesus é capaz de agir como recomenda São Paulo na segunda leitura: Não vos conformeis com o mundo, mas transformai-vos, renovando vossa maneira de pensar e de julgar, para que possais distinguir o que é da vontade de Deus, isto é, o que é bom, o que lhe agrada, o que é perfeito”.

Rezemos para que nossa vida seja verdadeiramente dedicada ao serviço da vida cuidando das pessoas e da nossa casa comum.

 

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

HOMILIA PARA O DIA 23 DE AGOSTO DE 2020 - 21º COMUM - ANO A

 

COMPLETAI EM MIM A OBRA COMEÇADA

O Salmo que rezamos neste domingo é uma espécie de agradecimento pela ação de Deus no mundo que se realiza na história e por meio das pessoas em todos os tempos: Ó Senhor, de coração eu vos dou graças, porque ouvistes as palavras dos meus lábios! Eu agradeço vosso amor, vossa verdade, porque fizestes muito mais que prometestes; naquele dia em que gritei, vós me escutastes e aumentastes o vigor da minha alma. Ó Senhor, vossa bondade é para sempre! Eu vos peço: não deixeis inacabada, esta obra que fizeram vossas mãos”.

A obra começada por Deus não é outra senão a comunidade daqueles que reconhecem Jesus como o seu enviado, aqueles que Pedro, por sua palavra e ação desligou dos pecados e da fragilidade do mundo para ligá-los ao Pai em Jesus Cristo a quem ele declara ser o Filho do Deus Vivo.

A tarefa que Jesus confiou a Pedro, como prêmio e responsabilidade por sua corajosa resposta, é o cerne da missão da Igreja e de todos os que aceitam que Jesus é o enviado do Pai. Todos, indistintamente, são chamados a dar testemunho de tudo o que acreditam sendo capazes de adaptar os ensinamentos de Jesus aos desafios do mundo e de acolher na comunidade todos os que também aguardam a manifestação do Filho de Deus.

Declarar que se aceita Jesus como Messias implica fazer correto uso das chaves, para não correr o risco de perder a confiança como aconteceu com o administrador infiel narrado pelo profeta Isaias na primeira leitura: Eu vou te destituir do posto que ocupas
e demitir-te do teu cargo”.
Ter nas mãos as chaves implica na capacidade de abrir as portas para acolher e cuidar garantindo com solicitude, com amor e justiça o acesso de todos aos bens e serviços que Deus disponibiliza para a humanidade.

Entregar-se confiantes nas mãos de Deus e permitir que o espanto em relação ao mistério transformem as nossas vidas num hino de amor a Deus libertador conforme afirma São Paulo na carta aos romanos é o convite feito para todos: “Na verdade, tudo é dele, por ele, e para ele. A ele, a glória para sempre. Amém!”.

Em resumo, reconhecer quem é Jesus implica compreender o significado que tem a nossa vida na relação com as propostas do Reino e os valores que a pessoa de Jesus Cristo trouxe para a humanidade. À medida que tivermos a coragem de Pedro, poderemos receber o mesmo elogio dado a Pedro: “Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu”.

 

 

 

 

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

HOMILIA PARA O DIA 16 DE AGOSTO DE 2020 - ASSUNÇÃO DE MARIA - ANO A

 

ATÉ QUE CRISTO SE FORME

Esta semana, numa das publicações de redes sociais, vi uma matéria que me inspirou a homilia deste domingo. Na cena o filho proprietário de uma empresa de médio porte, fez um grande e bom negócio. Para a inauguração do evento ele não convidou nenhuma autoridade importante, pelo contrário, chamou sua mãe, mulher agricultora, que recebeu as chaves e abriu as portas do novo empreendimento.

Pois é inspirado nessa imagem que me parece importante celebrar a Solenidade da Assunção de Maria ao Céu. Quem é grande, é rei, vencedor da morte é o Filho de Maria, mas é óbvio que ele não esqueceria aquela que “guardava e meditava todas essas coisas no seu coração”, mesmo quando uma “espada de dor lhe transpassava até a alma”.

Sem muitas delongas, é nesse sentido que a Igreja convida a colocar Maria como Mãe, Modelo e advogada nossa.  A bem da verdade, nós não rezamos para Maria, mas rezamos com Ela por Jesus ao Pai. Ela é nossa advogada e dá sua vida para nos defender, como se lê na leitura do Apocalipse neste domingo: “Então apareceu no céu um grande sinal:
uma mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas. Estava grávida e gritava em dores de parto, atormentada para dar à luz... o Filho foi levado para junto de Deus e do seu trono. A mulher fugiu para o deserto, onde Deus lhe tinha preparado um lugar. Ouvi então uma voz forte no céu, proclamando: Agora se realizou a salvação, a força e a realeza do nosso Deus, e o poder do seu Cristo".

O poder do seu Cristo é o que Paulo descreve na segunda leitura: “Com efeito, por um homem veio a morte e é também por um homem que vem a ressurreição dos mortos... E, quando todas as coisas estiverem submetidas a ele, então o próprio Filho se submeterá àquele que lhe submeteu todas as coisas, para que Deus seja tudo em todos”.

E para que Deus seja tudo em todos, precisamos de muitas Marias, que sejam merecedoras da saudação do Anjo: “Maria Deus está contente com você...” Em resposta, Ela imediatamente colocou os pés na estrada para ajudar a prima Isabel. O resultado não poderia ser outro, senão o reconhecimento público que na figura de Maria se revelava a ação de Deus: “Bem-aventurada Aquela que acreditou, porque será cumprido, o que o Senhor lhe prometeu".

E eis que chega o merecido dia no qual o Filho, junto de Deus e do seu trono, coloca a coroa de 12 estrelas sobre a cabeça da Mãe e simbolicamente sobre os pés daquela que caminhou com ele nesta conquista, toda dor e tristeza do mundo simbolizados na serpente e na escuridão do pecado.

Ontem como hoje todos podem rezar de novo: “A minha alma engrandece o Senhor, e se alegrou o meu espírito em Deus, meu Salvador, pois, ele viu a pequenez de sua serva, eis que agora as gerações hão de chamar-me de bendita. O Poderoso fez por mim maravilhas e Santo é o seu nome! Seu amor, de geração em geração,
chega a todos que o respeitam. Demonstrou o poder de seu braço,
dispersou os orgulhosos. Derrubou os poderosos de seus tronos
e os humildes exaltou. De bens saciou os famintos despediu, sem nada, os ricos. Acolheu Israel, seu servidor, fiel ao seu amor, como havia prometido aos nossos pais, em favor de Abraão e de seus filhos, para sempre".

E proclamar sem medo como rezamos no salmo: “À vossa direita se encontra a rainha, com veste esplendente de ouro de Ofir”.

 

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

HOMILIA PARA O DIA 09 DE AGOSTO DE 2020 - 19º COMUM - ANO A

 

O SENHO NOS DARÁ TUDO O QUE É BOM

As palavras e o pensamento do Papa Francisco são repetidos exaustivamente no cotidiano de nossas comunidades. Igreja em saída é uma das expressões muito queridas e que se torna quase banalizada pelo excesso de repetição. O Evangelho deste domingo nos ajuda melhor entender o significado e a importância que a expressão pode ter para o nosso tempo e nosso jeito de ser Igreja.

Jesus ordena que os discípulos se dirijam para o outro lado do mar, nesta travessia a Ele não está fisicamente presente e o grupo é sacudido pelas ondas do mar. Ora, também nossas comunidades, levando em conta a intuição do Papa Francisco, são um barco singrando os mares bravios com todo tipo de tempestade e provação. Mas todos são chamados a ir para o outro lado, ou seja, ir ao encontro daqueles que não fazem parte do nosso grupo, buscar os que estão perdidos e afastados. Mesmo que isso possa machucar a Igreja e desestabilizar o barco que normalmente na veja em ondas tranquilas.

A primeira leitura é um convite para as comunidades reencontrar a origem da sua fé e do seu compromisso. Isso significa enfrentar as tempestades que se abatem violentamente contra essa peregrinação. Note-se o relato que o autor do livro faz sobre o profeta Elias: Naqueles dias, ao chegar a Horeb, o monte de Deus, o profeta Elias, entrou numa gruta, onde passou a noite.E eis que a palavra do Senhor lhe foi dirigida nestes termos:Sai e permanece sobre o monte diante do Senhor, porque o Senhor vai passar'... veio um vento impetuoso e forte... Mas o Senhor não estava no vento. Depois do vento houve um terremoto. Mas o Senhor não estava no terremoto. Passado o terremoto, veio um fogo. Mas o Senhor não estava no fogo. E depois do fogo ouviu-se um murmúrio de uma leve brisa”. Isso significa dizer que Deus se dá a conhecer na simplicidade, na intimidade, na humildade, no silêncio. Deus não precisa de sinais espetaculares, curas, milagres e obras portentosas.

Não perceber o amor de Deus no cotidiano e nas oportunidades singelas da missão é o mesmo que instalar-se numa autossuficiência de quem não quer perceber o ritmo de Deus, nem tampouco descobrir os novos desafios para cada fase da vida.

Na arriscada e difícil travessia ao encontro daqueles que não estão no mesmo barco tanto os discípulos de ontem, como os fieis contemporâneos podem ter a certeza que Deus está com eles e acalma as ondas bravias. Crer na sua presença garante a possibilidade de caminhar em segurança sobre tudo aquilo que causa pânico e medo. A desconfiança de Pedro lhe fez afundar: “Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água.' E Jesus respondeu: 'Vem! Mas, quando sentiu o vento, ficou com medo e começando a afundar, gritou: 'Senhor, salva-me!' Jesus logo estendeu a mão, segurou Pedro, e lhe disse: 'Homem fraco na fé, por que duvidaste?'

Em meio às turbulências do cotidiano, Jesus continua reanimando a todos com as palavras: Coragem! Sou eu. Não tenhais medo”.

O mandato que Jesus deu aos discípulos de outrora se repete e desafia a responder se diante das adversidades do tempo presente estamos dispostos a embarcar para a outra margem ao encontro daqueles que ainda não caminham conosco? Somos desafiados a ir ao encontro daqueles que tem sede de amor e de esperança, de modo que eles percebam na Igreja destes tempos um sinal coerente que os faça acreditar na força transformadora do Reino. A proposta não é solução fácil e na qual se recebe aplausos, antes é desafiador e exige coragem. Que a oração de todos e a Palavra proclamada sejam sustento e alento nos mares revoltos. Que sejamos capazes de levar a sério o que rezamos no salmo: Mostrai-nos, ó Senhor, vossa bondade, e a vossa salvação nos concedei”.